Ai as tradições!...
«Recentemente, em Paris, em França, a tourada deixou de ser património cultural, uma decisão que julgo deveria ser estendida a outros países.
Em Portugal, a tauromaquia é considerada, em vários municípios, como Património Cultural e Imaterial de Interesse Municipal, e embora respeite a opinião dos outros sobre esta matéria, esta prática é condenável e discutível.
A discussão ética em torno das touradas é sempre polémica entre apoiantes e opositores. Há quem defenda que é uma tradição cultural e como tal faz parte da memória colectiva de um povo. Contudo, ao longo da história da humanidade foram abolidas muitas tradições por serem inadequadas, atendendo a novos conhecimentos. No tempo dos romanos, os cristãos eram colocados numa arena com leões para deleite dos seus espectadores. Era uma prática na altura. Hoje seria impensável. Em determinados países é tradição a mutilação genital. O facto de ser uma tradição não nos dispensa de questionar a sua aplicabilidade e legitimidade. As sociedades evoluem e há tradições que devem ser apenas memórias.
A tortura ou os maus-tratos devem, independentemente da forma como são infligidos, ser actos condenáveis. As touradas deveriam ser abolidas.
Entendo e respeito que quem cresça num ambiente em que teve contacto com a tauromaquia encare esta prática de outra forma, no entanto estamos a falar de direitos dos animais e do seu bem-estar. Nada justifica a tortura que é infligida ao touro durante o espectáculo, que tem unicamente por finalidade o divertimento e entretenimento dos toureiros e dos seus espectadores.
Há quem defenda que o touro na arena não sofre e que o mesmo é muito bem tratado. Não duvido que seja bem tratado, mas a finalidade é cuidar para posteriormente infligir dor e violência. Não consigo aceitar este argumento. A crueldade praticada na arena é de uma enorme violência e creio que ninguém fica indiferente ao sofrimento do animal. Recordo-me de um episódio que aconteceu este ano, em Espanha, quando uma assistente veterinária entrou numa arena para abraçar um touro que estava caído e em agonia. A tauromaquia é uma prática que não deveria ter lugar numa sociedade que se quer evoluída e que se preocupa com o bem- estar animal e com os direitos dos animais. Não aceito a ideia de infligir dor ou sofrimento a um animal.
Finalizo com uma “tradição” em Portugal, aquando das festas de São João no concelho de Vila Flor, em que se queima um gato vivo para deleite dos espectadores. É só mais um exemplo em que, creio, as tradições colidem com o patamar cívico que pretendemos alcançar. Por isso, questiono: Nestes casos, devemos respeitar a tradição ou devemos aboli-la?»
(Este texto foi transcrito para Língua Portuguesa)
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Fonte: Correio dos Açores, 23 de Outubro de 2015.
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