Passam hoje 12 anos sobre a morte de A. Monteiro dos Santos (paleógrafo e investigador) ou Dário Marujo, o Poeta (24 de Janeiro de 1944 - 22 de Novembro de 2008).
Um Homem do Saber, de Saberes feito, que deu um precioso contributo para a História de Vila do Conde e de Eça de Queiroz. E escreveu versos. Era Poeta.
No entanto, Vila do Conde esqueceu-se dele.
Mas eu não me esqueci, porque éramos amigos. E os amigos não se esquecem. Ao seu Saber recorri infinitas vezes, para poder servir Vila do Conde, com rigor, como correspondente de imprensa.
Hoje, recordá-lo-ei com dois poemas, que me dizem muito: um nasceu de mim, o outro foi-me dedicado.
A. Monteiro dos Santos junto à tapeçaria assinada por José Régio, que durante muitos anos ornamentou o Gabinete do Presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde (Foto tirada por mim, em 19 de Setembro de 1994).
Meu caro e saudoso amigo,
Não foi muito o tempo que tiveste para viver, mas foi o suficiente para te tornar imortal, através da tua poesia, do teu saber, da obra que deixaste...
Nenhuma pergunta havia que não deixasses sem resposta. Eras uma espécie de enciclopédia ambulante. Viveste entre os livros, trabalhaste entre os livros. Soubeste utilizar esta circunstância da melhor maneira. Serviste vila do conde através do teu Saber.
Mas também foste Poeta. Nasceste Poeta.
Assinavas os teus livros de poemas com o nome de Dário Marujo, um nome do qual eu não gostava. E um dia perguntaste-me porquê? E eu respondi: «Porque o teu nome cheira a docas, cheira a cais…».
E logo ali, naquele preciso momento, nasceu o poema com que abriu o seu primeiro livro de poesia intitulado Se eu Fosse o Dono da Vida… (de 1997), e que aqui reproduzo, com saudade…
O Meu Nome
O meu nome cheira a docas,
O meu nome cheira a cais,
De partida e de chegada.
Filho de um mar de gaivotas,
Colhidas nos vendavais.
O meu nome é maresia,
O meu nome é mar salgado,
É filho da alegria,
O meu nome é sem pecado.
É filho de um mar chão,
E também de um mar bravio,
Que trago na minha mão.
O meu nome é desafio,
O meu nome cheira a docas,
O meu nome cheira a cais,
Marujos em mastros reais,
No tempo das caravelas,
Filho do Sol, da chuva, do vento,
Tenho-o escrito nas velas,
Desta nau do pensamento,
O meu nome é panamá,
Corpete, manta de seda,
Farda branca, imaculada,
É jersey e é alcaxa,
Farda de azul-escuro,
É estóico, é lutador.
Nos lábios sempre uma trova,
No coração um Amor.
Desta doçura não fujo,
Meu nome é DÁRIO MARUJO.
*
Depois de ouvir este belo poema, fiquei a entender e a gostar do nome Dário Marujo, inspirado nos seus tempos de juventude, quando era marinheiro…
*
Recordo aqui também, aquele dia em que por ocasião do meu aniversário (também em Janeiro, a uns escassos dias do teu dia), quando a nossa amizade estava já consolidada, tu começaste a oferecer-me a prenda mais bonita que alguém pode receber: um poema.
E o poema que se segue foi o primeiro de muitos que me dedicaste, para me presenteares no dia do meu aniversário:
À Isabel A. Ferreira, no dia do seu aniversário natalício
Se te dói o desgosto que tens
Por campear a maldade,
Por reinar a estupidez,
Por vingar a ingratidão;
Se te dói a mudez de outras almas
Que apenas têm cabeça
Para acenar,
Sem pensar;
Se te agride a bajulice,
Ser humano feito bicho,
Sanguessuga, chupa-sangue,
Invertebrado e malvado,
Rastejante, feito cobra,
Todo feito de manobra.
Se o velhaco te dói mais
Que o maior celerado...
(Eu sei o quanto te dói,
Te magoa, te punge,
Te fere e te entristece)
Aceita
A minha receita:
...
Ergue a tua fronte
Acima do NADA.
Sê mais forte que essas doninhas
Que enxameiam ao teu redor.
Fazendo isto, tu serás mulher
E ninguém será mais do que tu
E serás tu mais que qualquer!
A. Monteiro dos Santos/ Janeiro de 1988
*
Ah! meu amigo, apesar de passados todos estes anos, ainda me dói os desgostos e continuo rodeada de doninhas. Porém, nunca deixei de seguir a tua receita, sempre de fronte erguida e acima do nada que me rodeia. Só assim tenho conseguido sobreviver.
Vila do Conde, tua terra natal, e minha terra do coração, já não é a mesma sem a tua presença, a presença de um amigo verdadeiro, daqueles que já não se fazem... e que me guiava pela riqueza histórica vila-condense…
Estejas onde estiveres, continuo a oferecer-te esta rosa amarela (símbolo do nosso grupo de poetas), a rosa que fotografaste no pequeno jardim, da pequena rotunda, em 2 de Maio de 1994, junto à antiga Biblioteca Municipal, hoje o Arquivo de Vila do Conde.
Continuarei a dizer-te: até sempre amigo!
Continuarás connosco, porque os Poetas são eternos.
Isabel A. Ferreira
Porque já estou farta de comentários como os do Tiago…
Porque já estou farta de que optem pela ignorância…
Tiago, deixou um comentário ao post A tourada à corda na ilha Terceira, além de ser uma prática primitiva e grosseira, de gente que não evoluiu, dá mau nome à ilha - mas os terceirenses não querem saber disso para nada… às 23:28, 2016-08-12.
Comentário:
Boas, Eu acredito que as touradas conhecerão o seu fim, acho-o inevitável. A evolução da sociedade face aos direitos dos animais a isso puxa. Mas pergunto-lhe: o que serão dos touros sem as touradas? Caminharão no mesmo caminho dos burros (falo do animal), que roça no precipício da extinção? Sem propósito ou habitat natural, o que serão dos touros?
Vi num dos seus comentários transcritos, as touradas prejudicam a economia da ilha. Isso é falso, infelizmente. As touradas empurram uma enorme massa de gente que, sim, gera negócio que só se pode classificar como gigantesco, 2.6 do PIB bruto da região e 11.4 da ilha – procurei os números aqui:
https://www.noticiasaominuto.com/economia/580521/touradas-a-corda-representam-2-47-do-pib-dos-acores
Não podemos, por tanto, arrancar as touradas como se de um penso rápido numa ferida. Não dá a ganhar só algumas famílias, como li, mas muitos negócios. Vê-se muitos turistas, de países de morais supostamente mais avançadas, e não os vejo com caras de horror, mas antes a comer, beber e correr à frente dos touros.
Açoriano civilizado – outro disse – não sei o que é isso. Parece-me um significado muito simplificado se for só de alguém que defende a abolição de touradas, já que não sei o que fazem por trás de portas fechadas. “Queimadelas com ferros” – li noutro comentário, como se fosse algo exclusivo da da ilha ou da espécie animal.
A tradição em Portugal (todo território) ordena que todos os equinos e bovinos sejam ferrados. Não apoio esta prática. Defenda as suas ideias, lute por elas, mas não nos ofenda; ilumine-nos, não nos alienei. Seja aquilo que acredita ser, mais evoluída. O problema, se me permite o atrevimento, de quem defende a abolição é o mesmo de quem defende as touradas, frustração por não saberem usar dos seus argumentos para um discurso iluminado que não tombe para a agressividade. Meus cumprimentos.
***
Tiago, nas suas várias perguntas «o que serão dos touros sem as touradas? Caminharão no mesmo caminho dos burros (falo do animal), que roça no precipício da extinção? Sem propósito ou habitat natural, o que serão dos touros?» noto que nada sabe de Touros, de Burros, ou de qualquer outro animal, nem sequer de si próprio, e quer a abolição das touradas tanto como eu quero que elas se mantenham.
Vamos por partes:
Os touros são bovinos. Touros ditos “bravos”, esses que são utilizados na diversão dos broncos, NÃO EXISTEM NA NATUREZA, por isso, não se extinguirão. E os bovinos continuarão a existir, muito para além dos seus carrascos. Também os Burros não se extinguirão, quando a besta humana deixar de os torturar como burros de carga e de trabalho escravo. O que acontecerá a esses animais é continuarem a viver, no seu habitat, pacificamente, longe das investidas brutas dos seus algozes.
Além disso, os bovinos não nasceram para ser torturados em arenas, para divertir a besta humana. Nem os Burros nasceram para servir de escravos à besta humana.
Portanto, não é racional dizer: sem propósito o que serão dos Touros? Que propósito é esse? Divertir broncos?
Sem propósito de serem torturados numa arena, os bovinos que os ganadeiros torturam desde a nascença para se tornarem “touros bravos” serão apenas BOVINOS e CONTINUARÃO simplesmente a viver.
Quanto ao que diz do PIB é uma MENTIRA já exposta em público. Aqui:
Comunicado do MCATA sobre o recente estudo que atribui às touradas uma determinada contribuição para o PIB da ilha Terceira
http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/comunicado-do-mcata-sobre-o-recente-662259
É óbvio que PODEMOS ARRANCAR as touradas das ilhas como se fossem um penso rápido debaixo de uma ferida gangrenada. A cheirar mal.
Podemos e devemos.
Quanto aos tão referidos “turistas” que vão assistir à selvajaria, serão “turistas de garrafão”, que os há em toda a parte? Sim, porque um turista CULTO nunca irá gastar o seu dinheiro num divertimento de broncos.
Quanto à “tradição” que diz que…. blá, blá, blá… blá, blá, blá… sabe o que é tradição? É a personalidade dos imbecis. E isto não sou eu que o digo, é Einstein.
Estou farta de VOS ILUMINAR. Estou farta de publicar ESTUDOS que dizem da grande barbárie que são as touradas, à corda ou sem corda. E o que fazem? Recusam-se a evoluir.
Optam por continuar na ignorância, nas trevas, no buraco escuro. E assim como o pior cego é aquele que não quer ver, o pior ignorante é aquele que não quer deixar de ser ignorante.
E permita-me agora ILUMINÁ-LO (uma vez mais):
Frustrados são os que precisam de mostrar uma “virilidade” que não têm, a torturar Touros INDEFESOS. Além de FRUSTRADOS são COBARDES.
Isso é o que significa FRUSTRADOS.
Nós, que os DEFENDEMOS, não somos frustrados. Muito pelo contrário.
Também para sua informação, o nosso (o meu) discurso não é agressivo. É simplesmente INDIGNADO, como é de nosso direito. O direito à INDIGNAÇÃO está consignadao na Constituição da República Portuguesa.
É um discurso proporcional à BRUTALIDADE das touradas.
Só tenho discursos iluminados para POETAS e POESIA.
Para os grosseiros torturadores de Touros, o meu discurso é de REVOLTA, de REPUGNÂNCIA.
Ficou esclarecido, Tiago?
Isabel A. Ferreira
Porquê?
Porque na tourada em estarreja (assim, com letra minúscula, pois a terrinha manifestou um retrocesso civilizacional tão descomunal, que não merece mais) estiveram os BRONCOS, os IGNORANTES, os PAROLOS, os SÁDICOS, os PSICOPATAS, os SANGUINÁRIOS, ou seja, gente inculta e microscópica, sem qualquer relevância na sociedade portuguesa.
Do lado de fora, a cultura culta manifestou-se.
E os autarcas locais ficaram muito mal vistos no País.
É esta “festa” sanguinária que uma minoria troglodita pretende que seja “arte” e “cultura”, porque é apoiada por uma maioria inculta que assenta arraiais no Parlamento, desconhecendo a “dignidade de fazer política”.
A Associação Desportiva de Santiais organizou esta festa de broncos, em estarreja, a qual nada teve a ver com as gentes da terra.
O povo do Norte não é tauricida.
Esta associação, como tantas outras, vergam-se ao lobby tauromáquico, por mera ignorância, sujando, deste modo, as terras sem tradição alguma nesta peste negra.
As gentes que acorreram a esta festa de broncos, foram as de fora, aquelas que a prótoiro recruta (e são sempre os mesmos) para encher as arenas amovíveis, nestas terrinhas governadas por autarcas ingénuos (ou não), com o objectivo de assistirem a um bando de cobardes a torturar um ser vivo.
O distrito de Aveiro é limpo. Não tem por hábito conspurcar-se com este tipo de actividade sanguinária, porém, como a vidinha está a correr mal aos aficionados, nas terras manifestamente tauricidas, eles andam por aí a ludibriar os papalvos, que caem na lábia hábil dos desesperados.
E como os autarcas, além de ingénuos são interesseiros (para não dizer outra coisa) caem nestas armadilhas que nem uns parrecos.
O Norte já foi taurino, em tempos obscuros, mas evoluiu. Apenas umas terrinhas atrasadas ainda se deixam levar por um passado remoto, primitivo e a cheirar a mofo.
Paralelamente à festa dos broncos, em estarreja, organizou-se uma manifestação de gente culta que não tolera este tipo de imbecilidade, e protestou, com toda a legitimidade, contra esta vergonhosa invasão de bárbaros em terra limpa. E se o Presidente de Câmara não fosse do PSD, de certeza que esta miséria moral não aconteceria no concelho.
Lamenta-se que numa altura em que se comemoram os 40 anos do que devia ser uma Democracia em Liberdade, haja ainda quem se oponha aos ideais de Abril, isto é, a uma evolução em todos os sentidos.
Um grupelho insignificante de trogloditas quer impor à força de mentiras, um hábito macabro e primitivo, a um País que se quis libertar de um passado negro, ao fazer o 25 de Abril.
E mais lamentável é quando esse grupelho com meandros nazistas é apoiado por uma maioria parlamentar, paga com dinheiros públicos, para servir o País, e não para servir um lobby luciférico, sabemos nós muito bem porquê.
Isto porque democracia é um conceito que esses deputados desconhecem, pois a tortura de seres vivos não é um atributo de uma verdadeira Democracia. É coisa de ditadorzinhos de bigodinho. Coisa de marialvinhas. Coisa de insignificantezinhos.
E a RTP, que é paga pelos Portugueses e finge ser um serviço público (Portugal não precisa de um serviço público conspurcado, por isso a RTP terá de ser privatizada), passa touradas para meia dúzia de espectadores (nem isso conseguem ver de tão cegos que são), e a prótoiro, que tem visão muito curta, confunde meio milhão de espectadores por tourada, com 500 aficionados, por tourada. Coitados. Era o sonho deles, o meio milhão, mas não é essa a realidade.
A RTP, a maioria parlamentar e a prótoiro ainda não perceberam que a esmagadora maioria do povo português é quem mais ordena, e vai ordenar nas próximas eleições.
E se ainda existe touradas em Portugal, não é porque o povo português quer, longe disso.
Se ainda há touradas em Portugal é porque existe uma ignorância impregnada nos marialvas que ainda governam o país. Mas quando deixarem de governar, as coisas mudam, porque Deus suporta os maus, mas não eternamente.
E a tourada está condenada. Todos nós sabemos. Já foi abolida oficiosamente, e se ainda consegue ter um ou outro espectador é à força de borlas, de bilhetes oferecidos pelas autarquias com os dinheiros públicos…. Enfim… e esses, ainda assim não enchem as arenas.
Não se iludam: os anti-touradas são a esmagadora maioria. E não vamos destruir a cultura e os costumes portugueses, porque a tortura de seres vivos não faz parte da Cultura, nem dos costumes portugueses.
Vamos destruir a estupidez e a ignorância, a crueldade e a imbecilidade. Vamos ostracizar os broncos. Os parolos. Os marialvas. Os imbecis. Até que deixem de ser ignorantes por opção.
Vamos acabar com a miséria moral e social que enxovalha Portugal, porque Liberdade não rima com tortura, rima com Identidade, e a Identidade Portuguesa está ligada a heróis do mar e a Poetas, não está ligada a cobardes grosseiros.
A tourada de estarreja foi um enorme fiasco, tão-só porque quem lá foi não representa a face culta de Portugal, mas a miséria moral e social e cultural mais irrisória que conspurca o país.
Por isso, qualquer tentativa de repetir esta estupidez em estarreja, será veementemente abortada.
O tempo dos sanguinários já passou…
Isabel A. Ferreira
Quanta poesia vemos nestas imagens!...
Livra! Que grande insulto aos verdadeiros poetas!
E ainda querem que eu seja politicamente correcta com esta gente!...
Isabel A. Ferreira
Copyright © Isabel A. Ferreira 2010
(N. Santarém, 10 de Novembro de 1948 — F. Lisboa, 1 de Abril de 1996)
(Origem da foto: Internet)
Naquela manhã, como era hábito, enquanto tomava o pequeno-almoço, liguei o rádio para ouvir as notícias. E mal eu acabara de o ligar as palavras soltavam-se: «Morreu Mário Viegas». Era o dia 1 de Abril. A primeira coisa que me veio à cabeça foi que tudo aquilo não passava de uma brincadeira de mau gosto do realizador do programa ou do próprio Viegas (sabendo como sabia que era muito brincalhão e gostava de ironizar com as coisas mais sérias). Era o Dia das Mentiras. Logo, não podia ser verdade.
Contudo era verdade. Ironia das ironias: Viegas morria no Dia das Mentiras. E passaram já 14 anos. E continua a ser mentira. Viegas ficou entre nós com a sua Arte inteira, genuína, magnífica.
Certo dia, para quebrar o monótono desencanto de uma vida vivida numa cidade onde o único poema é o mar e os seus insondáveis mistérios e as suas revoltas, mas também singelezas, decidi escrever uma crónica sobre poetas, para poder levar o sonho à minha existência, daqueles que, noutros tempos e noutros lugares, nos deixaram retalhos da própria vida, em forma de palavras.
Por essa altura, andava no ar, na RTP1, todos os sábados, por volta das 18 horas, o programa «Palavras Vivas», um autêntico oásis cultural, no grande deserto da produção televisiva portuguesa da época (estávamos em 1991).
Para quem gostava de Poetas, de Poesia e da arte de bem dizer, «Palavras Vivas» era, de facto, um programa extremamente bem concebido, onde as imagens, a música, as palavras dos poetas e a voz inconfundível de Mário Viegas nos transportavam para ambiências pertencentes a um passado não muito distante, mas, ainda assim, passado.
Ele próprio, Mário Viegas, grande actor, um homem com uma cultura poética extraordinária, era um autêntico poeta, na forma como nos dava a conhecer os nossos maiores poetas, por entre ambientes românticos, que despertavam (pelo menos em mim) uma saudade de tempos nunca vividos, de lugares nunca visitados, de pessoas nunca conhecidas.
Decidi dedicar-lhe essa Crónica.
Recordo-me do programa sobre Camilo Pessanha, cujo livro de poemas «Clepsidra», levou Mário Viegas a procurar uma paisagem de um rio de águas claras, arvoredo e velhas pedras. Insignificâncias para uns, mas para o poeta, autênticas jóias raras que adornam a existência. O poeta do tormento e da nostalgia, marcado por sarcasmo cáustico, sendo a sua obra considerada um dos grandes marcos do simbolismo português. O poeta que imortalizou as pedrinhas.
Nas coisas mais simples e mais naturais está a poesia da vida, contudo, essas coisas apenas os verdadeiros poetas conseguem ver, sentir e transformar em palavras.
Se não fossem eles, os poetas, as humildes pedrinhas que jazem inconscientes no leito dos rios, não viveriam na memória dos Homens comuns, porque esses nunca se lembrariam de as olhar com olhos carinhosos. Essas pequenas insignificâncias da Natureza, a quem ninguém mais dá valor, a não ser os poetas.
Mário Viegas, que era, sem a menor sombra de dúvida um dos nossos melhores diseurs (na minha opinião, obviamente) deu-nos a conhecer um pouco da vida e da obra de grandes poetas portugueses, introduzindo-nos, igualmente, outros intelectuais de cada época.
Logo no seu primeiro programa, tendo como cenário o Círculo Cultural Scalabitano, em Santarém, sua terra natal, Mário Viegas apresentou-nos alguns poetas com quem manteve relações de amizade, como Raul de Carvalho (questionando na altura o espólio “perdido” do poeta); José Gomes Ferreira; e o (também meu) saudoso Zeca Afonso, dando-nos oportunidade de ouvir algumas das suas mais belas canções.
Recordando Ruy Belo, Mário Viegas conduziu-nos por Santarém, terra onde o poeta viveu e estudou; por São João da Ribeira onde nasceu e quis ser sepultado, e por Vila do Conde, terra de gratas recordações do poeta.
Dizendo alguns dos seus mais expressivos poemas, Mário Viegas deu-nos a conhecer a poética de Ruy Belo, para mim, na altura, um quase desconhecido.
Depois veio a evocação de Fernando Pessoa, numa antiga casa em Campo de Ourique, vazia e abandonada, onde viveu o poeta. Através desta evocação, contactámos também os amigos de Fernando Pessoa, e ficámos alertados para a necessidade de preservar os “lugares sagrados” que são os pousos dos poetas.
Mário de Sá Carneiro foi relembrado entre um cenário insólito, como insólita foi a sua vida, vivida em grandes tormentos.
Um dos programas mais vibrantes foi o dedicado a Almada Negreiros, no Teatro da Casa da Comédia, onde Mário Viegas além de recordar essa figura ímpar da Cultura Portuguesa, leu, com extraordinário fulgor, como só ele sabia, o célebre Manifesto Anti-Dantas, uma obra-prima do humor culto português.
De seguida, do Alto de Santo Amaro, tendo como cenário de fundo a cidade de Lisboa, Mário Viegas falou-nos de Cesário Verde, “o poeta de todos os poetas”, conforme ele próprio referiu. Momentos inesquecíveis e de rara sensibilidade e beleza.
...
A crónica que dediquei a Mário Viegas e ao seu programa terminei-a assim: «Por tudo o que me tem dado, pela fuga que me proporciona, agradeço publicamente a Mário Viegas, as palavras dos nossos poetas, às quais ele incute com a sua arte de bem dizer um inspirado sopro de vida, fazendo renascer cada poeta, em cada poema, a cada momento.»
Para que Mário Viegas tivesse conhecimento dessa homenagem que lhe prestei, enviei-lhe pelo correio o jornal, onde ela foi publicada.
Passado uns tempos, ele escreveu-me um postal, a agradecer-me, onde contava que estava a escrever-me de “fofo” para o ar, porque partira um pé, uma costela e uma vértebra, numa queda que dera, quando andava a fazer quatro peças em dois teatros diferentes. E numa dessas correrias...
...
No dia 19 de Março de 1991, veio à Póvoa de Varzim, fazer uma palestra, convidado pela Cooperativa «A Filantrópica» no tempo em que era seu director o Luís Alberto Oliveira. Sabendo da minha admiração pelo Viegas, o Luís convidou-me para o jantar que aquela instituição cultural ofereceu ao convidado.
É a fotografia desse jantar que aqui reproduzo, estando de frente o Mário Viegas, junto do actor João Nuno Carracedo, que por sua vez está ao lado do pintor poveiro Francisco Nova. De costas, estou eu (a da trança) a iniciar um brinde, a Maria da Luz, mulher do Luís Alberto, que está a seu lado.
Hoje, passados 14 anos sobre a sua morte, recordo-o com muita saudade.
Este é o meu contributo para que Mário Viegas, apesar de já ter partido, esteja sempre entre nós.
Isabel A. Ferreira