Li algures que «a liberdade não consiste em dizermos ou fazermos aquilo que quisermos; a liberdade consiste em dizermos ou fazermos o que devemos».
É em nome desse dever que tomo a liberdade de dar conta aos meus leitores da narrativa de um inusitado “despacho” que, por ventura, poderá envergonhar a (in)justiça portuguesa.
Lembram-se de que publiquei, aqui há tempos, o teor da denúncia que um cidadão de nacionalidade portuguesa, devidamente identificado, e no exercício de um seu direito cívico, enviou à Procuradora-Geral da República, para que fossem investigadas as incongruências que envolvem o Acordo Ortográfico de 1990, e que pode ser recordado neste link?
A denúncia foi enviada no dia 11 de Fevereiro do corrente ano (2020), e o “despacho” tem a data de 11 de Março de 2020. O que significa que em apenas um mês, se realizou um inquérito e, num ápice, se despachou o assunto (que, no mínimo, levaria mais algum tempo a verificar e a analisar, dizem-me) antes que o novocoronavírus (como já era previsível) tomasse conta do país, evitando deste modo que, o que poderia ser uma notícia relevante, passasse a não ter relevância nenhuma, como outras matérias que estavam a dar que falar e a incomodar o Poder, como o caos nos hospitais e serviços públicos, nas escolas, nas empresas, em suma, em quase todos os sectores da vida nacional, mas também o caso do Rui Pinto, e evidentemente, a questão do AO90.
Foi então que, de repente, parou tudo.
Parece que os problemas que existiam, deixaram de existir, e focou-se toda a atenção na COVID-19. Mas a verdade é que todos esses problemas, além de continuarem a existir, agravaram-se com a crise sanitária, que está a abalar não só Portugal, mas também o restante mundo, porque na verdade, algo invisível e todo-poderoso pode muito mais do que o mais poderoso de todos os poderosos governantes.
E agora que nos tocou a vez do ataque invisível do coronavírus, verificamos que Portugal não se preparou para o previsível, e agora não se fala de outra coisa. E por causa disto, o Poder está a aproveitar-se da ocasião para neutralizar a luta que muitos travam, para travar o AO90 que também é um vírus letal para a Língua Portuguesa.
E tanto assim é que parece estar montado um esquema de bloqueio a qualquer tentativa de erradicar o AO90 da face da Terra, começando pela UNESCO, que ainda não respondeu à queixa enviada em 7 de Setembro de 2018, pelo MPLP (Movimento em Prol da Língua Portuguesa) contra o Estado Português pela violação de várias Convenções, documento assente numa bem elaborada fundamentação jurídica, que pode ser consultado neste link:
https://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/movimento-em-prol-da-lingua-portuguesa-147014
Também a ILC-AO (Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico) que visa sujeitar a votação no Parlamento de um Projecto de Lei que revogará a entrada em vigor do AO90 e que continua empancada, conforme pode ser verificado neste link:
Ortografia em tempos de crise
«(…) Em rigor, a Ortografia raramente é um tema oportuno. Quando se estabelecem prioridades, tudo tem precedência sobre o tema “chato” que é o Acordo Ortográfico. É compreensível… afinal, trata-se apenas da Língua Portuguesa. Trata-se apenas do nosso amor-próprio enquanto povo. Por alguma razão estamos a poucos dias de se completar um ano (!) sobre a entrega da ILC-AO no Parlamento.»
No entanto, apesar de o momento ser bastante crítico e todos estarmos focados na luta pela nossa sobrevivência e em salvar vidas e em derrotar o novo coronavírus, ainda assim, publicarei o “despacho relâmpago” até porque o denunciante não vai desistir, e há prazos a cumprir, mas também porque entendi que esta matéria poderia interessar aos milhares de anti-acordistas, e nomeadamente, aos juristas que estão a seguir o enredo das incongruências que envolvem o AO90, para que possam dizer de sua justiça.
Pois que da nossa justiça diremos que este “despacho relâmpago” demonstra uma indiferença e uma falta de respeito do aparelho judiciário para com o denunciante, que se sentiu tratado como se fosse um qualquer iletrado.
Depois de analisado pelo jurista, que dá apoio ao denunciante, o despacho, assinado electronicamente por uma procuradora do Ministério Público, apresenta-se manifestamente incongruente e infeliz, dando a impressão de que a denúncia foi lida na diagonal, uma vez que o despacho não diz a treta com a careta, conforme pode ser verificado no documento publicado mais abaixo, e o “inquérito”, referido na notificação, parece nem sequer ter sido realizado. E como os políticos se “entenderam”, quanto aos factos citados nos artigos publicados no Jornal Público e inseridos na denúncia, parece que o Ministério Público entendeu que nada haveria para investigar, então, não investigou e decidiu-se pelo arquivamento dos autos.
Eu, como qualquer outro cidadão minimamente informado nestas questões jurídicas, considero esta atitude do MP algo grave e desrespeitosa para com os Portugueses (já nem digo para com o denunciante que ousou levar à justiça portuguesa um caso de flagrante injustiça).
Porém, devido ao estado caótico em que se encontra o aparelho judiciário português, este “despacho” não estará a condizer?
Todavia, quando a justiça nos falha, não falhará toda a estrutura humana?
Sabemos que em Portugal existe uma justiça para pobres e outra para ricos. Existirá também uma justiça para os cidadãos comuns e outra para os cidadãos “especiais” e intocáveis, que não podem ser investigados? Aquilo que o jornal Público denunciou nos artigos citados, na denúncia apresentada à PGR, não será passível de uma investigação mais aprofundada?
Aqui vos deixo o “despacho” que veio num momento que não podia ser mais inoportuno. Mas não será de pensar que o despacho foi despachado para coincidir precisamente neste momento caótico, em que todas as atenções estão viradas para o coronavírus, e o AO90vírus terá de ficar de lado, ou em banho-maria?
É bem verdade que o combate à Codiv-19 é muito mais prioritário e preocupante do que o combate ao AO90vírus, que ceifa a Língua, mas não ceifa vidas.
Contudo, o AO90 até pode estar em banho-maria, mas não é, de todo, assunto arrumado com este despacho, porque o cidadão denunciante está disposto a cumprir o prazo para a requisição da intervenção hierárquica, que permite que se continue a investigar o que foi denunciado, até porque (e aqui faz-se um apelo aos juristas, que seguem este enredo, que digam também de sua justiça) o que está a falhar neste combate ao AO90 é a UNIÃO.
As guerras ganham-se com um grande e organizado exército, não com soldadinhos de chumbo fechados em grupos facebookianos, que existem apenas para entreter os que se dizem anti-AO… mas pouco.
Fiquem, pois, com o “despacho relâmpago” do nosso descontentamento.
Isabel A. Ferreira
(Texto recebido via e-mail)
«AINDA TÊM A DESFAÇATEZ DE TEREM SINDICATOS E FAZEREM GREVES»
Origem da imagem:
https://pt.pngtree.com/freepng/judge-hammer_3240229.html
Os juízes na Suécia
Agora que tanto se comenta os absurdos e afrontosos ordenados, pensões
de reforma e um sem-número de privilégios de que desfrutam os juízes
portugueses, parece oportuno referir o exemplo de países evoluídos
onde, ao contrário do nosso atrasado Portugal, a justiça efectivamente
funciona e usufrui de inquestionável credibilidade.
É, nomeadamente, o caso da Suécia — um modelo de transparência e de
tolerância zero contra a corrupção nos serviços públicos.
Os seus 16 juízes do Supremo Tribunal de Justiça recebem unicamente um
salário fixo, sem direito a qualquer tipo de benefícios ou mordomias
extras, como automóvel, motorista, secretários pessoais, verbas de
representação ou seguros pagos pelo Estado, assim como residência
subsidiada.
E, tal como os ministros, deputados, autarcas e outros altos
funcionários do Estado, utilizam transportes públicos ou carro próprio
(alguns até usam bicicleta...) quando não estão oficialmente em
serviço.
O seu ordenado mensal oscila, ao equivalente em euros, entre cerca de
3000 e 5800. Não são adicionados suplementos exclusivos às suas
pensões de aposentação, que são rigorosamente enquadradas nos escalões
do regime geral.
A clareza é absoluta: os vencimentos e despesas de serviço dos
magistrados podem ser livremente consultados, a todo o momento, pelo
cidadão comum — como, de resto, todos os processos judiciais em curso.
Além de impedidos de aceitar viagens ou quaisquer outras ofertas, os
juízes suecos não dispõem de imunidade ou de estatuto privilegiado,
podendo ser processados e julgados como qualquer normal cidadão.
Não se conhecem, porém, casos de magistrados envolvidos em corrupção.
A ética imperativa do sector público da Suécia rege-se pelo princípio
de que “é imoral gozar de regalias pagas com dinheiro dos
contribuintes”.
Atente-se, pois, no chocante contraste entre a Justiça de um país
europeu abastado, desenvolvido, organizado, eficaz e transparente e
esta controversa e paradoxal Justiça portuguesa, arcaica, opaca,
vagarosa, corporativista e ineficiente.
Complicada, burocratizada e politicamente poluída. De fiabilidade duvidosa.
Forte com os fracos e fraca com os poderosos.
Que se arrasta de recurso em recurso, até à prescrição e ao arquivamento, à Ivo.
Que raramente decide em tempo útil.
Dolorosamente dispendiosa para uma nação empobrecida e gravemente
endividada e um povo crescentemente massacrado pela tirania fiscal.
César Faustino, Cascais
Expresso, 22 de Junho de 2019
Nota:
Se o acordo conseguido com os juízes for aplicado aos procuradores, o
subsídio de casa passa dos 775 para os 875 euros, é pago 14 vezes e
terá desconto da Caixa Geral de Aposentações.
Os aumentos do vencimento só se reflectem nos recibos dos procuradores
da República com mais de 15 anos de carreira que terão um aumento
bruto de 341 euros (de 5778 para 6119); e no dos
procuradores-gerais-adjuntos, que passarão dos actuais 6129 para os
6629.
A PGR passará a ganhar 6629 euros a que se juntam despesas de
representação e o subsídio.