Esta madrugada, cerca das duas horas, fui acordada de forma inesperada, porque um pássaro estava a piar desesperadamente no quarto- de-banho da casa.
Ainda um pouco atordoada, fui ver. E nada vi. Só ouvia.
Ouvia-se o piar aflito, mas não se via o pássaro. Até que, olhando para a grelha da ventilação, viu-se algo a mexer. Era ali que estava a ave.
Era uma gaivotinha, ainda bebé. Devia ter caído do ninho que, com toda a certeza, se encontra no telhado do prédio, uma zona onde é hábito as gaivotas pousarem, em dias de tempestade.
Fui buscar o meu material de salvamento, e cuidadosamente coloquei-a no fundo de uma gaiola.
Foi examinada para ver se não teria patinhas ou asas partidas, ou outros ferimentos. Não tinha. Era robusta e defendia-se com valentia. Não fossem as luvas, eu seria bicada (legitimamente).
Continuava a piar. Agora assustada.
Tinha feito uma “viagem” cano abaixo, desde o telhado até ao quarto andar.
Estaria faminta?
Eram quase duas e meia da madrugada, estava eu a migar pão com água (era o que tinha) para lhe dar. Ela estava esfomeada. Bicou umas tantas migalhas e sossegou.
Bem, àquela hora, não podia fazer mais do que isto.
Quando amanhecesse, trataria de ir procurar o ninho.
Eram oito e meia da manhã, muni-me de um escadote e luvas e fui para o sótão do prédio, onde há uma janela que dá para o telhado.
Mas mal abri a janela e coloquei o fundo da gaiola em cima das telhas, uma gaivota (a mãe?) logo seguida de outra (o pai?) fizeram voo picado na minha direcção, e começaram a grasnar tão alto que logo muitas outras gaivotas vieram de todos os lados, a gritar, e tive de fechar a janela imediatamente, com medo de ser atacada, (legitimamente) pois na Natureza, os animais unem-se para se defenderem de estranhos. E eu era uma estranha. Pareceria até um mostrengo aos olhos das gaivotas.
Foi lindo ver aquela união solidária.
Não podia ficar ali a manhã toda. Deixei que Natureza seguisse o seu rumo. Porém regressaria.
Eram 11h30, munida de escadote e luvas, lá fui eu outra vez. Abri a janela e uma gaivota, agora apenas uma (a mãe novamente?), voou na minha direcção, e tive de a fechar rapidamente.
Agora em segurança, pude então ver que a gaivotinha estava mais abaixo, já no telhado, a bicar uma paparoca triturada, e junto dela estava uma cabeça de peixe. E a gaivota (mãe ou pai?) estava ali a alimentá-la, a defendê-la com as garras de fora.
Que cena mais enternecedora. As lágrimas vieram-me aos olhos.
A minha ideia era levar a gaivotinha até ao ninho, mas era uma missão impossível, com a defesa que lhe fizeram.
Regressaria mais tarde.
Eram duas horas da tarde. Fui lá novamente. A gaivotinha já lá não estava. Ainda tentei avançar para o telhado para ver se estaria em algum outro sítio ou no ninho. Mas de atalaia estava uma gaivota (a mãe?), que veio a grasnar na minha direcção.
Fechei a janela. Missão cumprida.
Espero que a gaivotinha esteja no ninho.
Mais do que isto não pude fazer.
Depois de tudo o que vivi hoje, fiquei a saber algo que desconhecia nas gaivotas: o instinto materno delas é igual ao meu.
Isabel A. Ferreira
A propósito do tema Ambiente e da última Conferência de Paris
«Somente depois que a última árvore tiver sido cortada,
Somente depois que o último rio tiver sido contaminado,
Somente depois que o último peixe tiver sido pescado,
Somente então vocês entenderão que dinheiro não se pode comer».
(Os Cree são um povo indígena da América do Norte)