Um aficionado publicou um texto na página da prótoiro, no Facebook, com a seguinte legenda: «Porque tauromaquia é cultura. Um excelente artigo que enquadra a festa brava nas festividades pascais» …
Escreveu isto como se estivesse a falar da Última Ceia de Cristo realizada numa arena, ao redor de uma mesa, onde pedaços do corpo de um touro a sangrar faziam parte do ritual desta ceia.
O texto é algo inacreditável. Devastador!
Coisa saída de uma mente completamente doentia. Anormal. De um alguém que ficou parado no tempo dos rituais mais antigos em que os machos humanos tinham de provar a sua macheza através de rituais primitivos e sangrentos, onde se sacrificavam animais, porque, na verdade, desconheciam tudo sobre a vida.
Ou seja, este texto apresenta os tauricidas do século XXI como autênticos australopitecos. A mentalidade deles não evoluiu absolutamente nada.
Mas é melhor ler. Por favor.
É um texto que deslumbra pela irracionalidade nele entranhada.
(Os sublinhados são meus).
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Por Ignasi Corresa
«Durante a primeira Lua Cheia da Primavera celebra-se, em toda a Cristandade, a Semana Santa e a Páscoa, uma festa que se vive com o maior fervor popular em Espanha, e um exemplo disso é a quantidade de confrarias, irmandades e iconografia religiosa que durante esta época se reúnem em todos os centros urbanos de praticamente todas as localidades do país.
Sem desvalorizar nenhuma das celebrações próprias de cada localidade, únicas e originais, no passado domingo, na minha cidade, Sagunto, depois da procissão e da eucaristia na diocese de Santa Maria, realizou-se o sermão da Semana Santa no santuário do Sangue de Sagunto. Além de fantástico, breve, artístico, cadenciado, sereno e muito bem feito – tal como se tratasse de uma faena taurina – o orador, o matador de touros Vicente Barrera, falou de sangue, de tradição ancestral, costume, estética, de representação, simbolismo e culto…
Gostaria de acrescentar e relacionar estes conceitos de morte e vida, arte e estética, culto e paixão, tradição e identidade, em suma, esses valores que unem estas grandes festas de costumes ancestrais e que todavia ainda persistem na nossa sociedade - hoje em dia mais enraizada está a Semana Santa – graças à transmissão de pais para filhos de um sentimento de herança e de fervor que cala e entranha no nosso ser mais profundo.
Não é minha intenção fazer um sermão, mas tão só uma analogia entre duas práticas culturais, que, ao fim e ao cabo, representam paixão, morte e ressurreição, e isto em tauromaquia é vida, e no cristianismo é salvação - a vida eterna.
Porque a tauromaquia representa esse simbolismo milenário da vida através do derramamento de sangue que fertiliza a terra por onde se espalha, pois este líquido precioso em si, é a própria vida.
Ao fim e ao cabo a tauromaquia simboliza, desde os primeiros tempos, a própria vida através da subsistência e vigor, numa luta de morte, onde não vence o mais forte, mas o mais hábil e inteligente, uma forma de demonstrar que o ser humano é, sem dúvida alguma, o mais importante ser da criação, aquele que foi criado à imagem e semelhança do seu criador.
Na iconografia antiga, a espada erguida e manchada de sangue representava a pujança do homem, a sua fertilidade e a sua realização, através dessa espada ensanguentada que, ao fim e ao cabo, simbolizava o homem em si, a sua força.
As primeiras sociedades guerreiras lutavam nua, para impressionar o inimigo ou quem observava a batalha, com o tamanho do seu pénis, músculo onde acreditavam que residia a força e a fertilidade do homem, ou seja, a sua virilidade, uma vez que o homem se diferencia anatomicamente da mulher, entre outras coisas, pelo seu aparelho reprodutor.
De facto, no Museu de Belas artes de Valência, uma predela de um retábulo do século XV do pintor Joan Reixach, com o fim de representar a encarnação (Deus feito homem), para aprofundar a essência humana de Cristo numa das cenas da paixão -concretamente a da sua prisão - um soldado coloca a mão no pénis de Jesus, forma que o excelente pintor valenciano encontrou para testemunhar a humanidade de Cristo.
O vigor do homem e a fertilidade, ou seja, a paixão, morte e ressurreição – o ciclo da vida – na tauromaquia não só é representado na praça e no derramamento de sangue no chão, mas também em campo aberto – relembro que tanto na pintura gótica como barroca, o sangue derramado na crucificação de Cristo, geralmente inunda a terra, cujo significado corresponde ao símbolo da salvação do mundo (a Terra) através do sangue.
O “toro de la Veja” derrama o seu sangue a partir desse conceito de regenerar a terra (ressurreição) e o valente lanceador pendurará os testículos do touro bravo na sua lança para que se lhe reconheça o seu mérito de homem, ou seja, o seu valor como tal e a sua dignidade, que é reforçada pelos testículos espetados no mais alto da sua lança.
A tauromaquia conserva, na sua essência, todos os rituais culturais e tão ancestrais como o nascimento da religião nos alvores da nossa sociedade humana, que passaram de geração em geração, modificando-se e reinterpretando-se na história, mas que em si configura a essência que enriquece o toureio, o culto e a própria vida que envolveu o sacrifício entendido como paixão, do mesmo modo que paixão entendida como afición ou enamoramento; como morte, porque não se concebe a vida sem ela, e por sua vez a morte dá vida, se tivermos em conta que esse sacrifício nos dá força se comermos a sua carne e se acreditarmos – como se fazia nos tempos antigos – que o sangue , que é vida, fertiliza a terra e dá vigor ao homem (regenera).
Espero que estas poucas linhas tenham podido esclarecer o simbolismo cultural subjacente à tauromaquia de procedência pré-histórica, e que ao fim e ao cabo, de um modo ou de outro e salvaguardando as distâncias, com total respeito pelas minhas crenças e sem intenção de ofender ninguém, pois sou católico e confrade de uma das confrarias mais antigas de Espanha, a Confraria do Puríssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo de Sagunto (século XV), queria unir as celebrações mais importantes da Cristandade (paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo) com as tradições tão antigas como as das primeiras civilizações que, ao fim e ao cabo, explicam mitologicamente o que nós fazemos através da ciência e da religião.
E é curioso que o avanço científico e o avanço da tauromaquia coincidem plenamente na concepção e simbolismo, uma vez que em ciência falamos do avanço do mito ao logos (à razão) – analogicamente seria a força versus a razão – e na tauromaquia no século das Luzes (século XVIII) começa-se a ter um conceito, uma percepção do toureio, onde o elemento estético, começa a interessar, para chegar a converter-se, na actualidade, na componente primordial de uma faena.
Por isso, podemos afirmar que ao homem moderno, ao homem da ciência, ao homem do logos, já não o define tanto o valor, mas a inteligência.
Queria terminar com estas palavras do Angelus: «Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis» (e o Verbo se fez carne e habitou entre nós).
Conservemo-lo nos nossos corações e conservemos as nossas tradições.»
26 de Março de 2013
http://www.burladero.com/140124/muerte-pasion-resurreccion-santa-semana-tauromaquia#.UVMISxip2mx
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Confesso, que fiquei com náuseas, quando cheguei ao fim da tradução deste texto, demasiado sangrento e cruel, que merece ser analisado e aprofundado numa outra ocasião.
Como ainda podem existir seres tão primitivos, que não deram nem um pequenino passinho à frente da pré-história?
Como pode a igreja católica permitir tal analogia?