Recupero hoje um texto publicado pelo Jornal O DIABO em 05/12/2015. E esta é a verdadeira história do AO90.
Este texto mostra preto no branco a negociata (mais do que negócio) do AO90, que está a conduzir à decadência da Língua Portuguesa, apenas porque uns “intelectais” (o termo é mesmo este) mercenários decidiram pôr sete países (Portugal, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) que mantinham uma ortografia normalizada, clara e escorreita, a grafar à brasileira.
E, se bem que nada tenhamos contra a grafia brasileira (e que isto fique bem claro) que pertence unicamente ao Brasil e aos Brasileiros, e faz parte da norma linguística da Língua (oriunda da Língua Portuguesa) que os políticos brasileiros escolheram para o Brasil, não podemos aceitá-la como nossa, porque além de não ser nossa, retira Portugal do seu contexto Europeu, porque a Língua de um Povo é a sua identidade, e nós não somos Brasileiros.
Isabel A. Ferreira)
Texto assinado pelo Jornal «O DIABO»
(Nota: os excertos a negrito e os sublinhados são da responsabilidade da autora do Blogue)
«O projecto, nascido da cabeça do intelectual esquerdista brasileiro Antônio Houaiss, foi desde o início um empreendimento com fins lucrativos, apoiado por uma poderosa máquina política e comercial com ramificações em Portugal.
O português mais distraído talvez pense que um colégio de sábios bons e eminentes terá decidido um dia, após longos anos de estudo e investigação, proceder à reforma do sistema ortográfico da Língua Portuguesa – e que os governos dos países lusófonos, tendo-se debruçado sobre o assunto com o auxílio ponderado de gramáticos e lexicógrafos, terão conscienciosamente aprovado essa tão bem preparada reforma. Mas o português distraído estaria redondamente enganado.
Já se sabia que o acordo ortográfico foi preparado em cima do joelho, longe do debate público e do escrutínio do povo, dos mestres da Língua e dos especialistas da Gramática. Mas só agora começa a conhecer-se, em detalhe, todo o processo de promoção de um tratado internacional que, embora já esteja a ser aplicado em alguns países (como Portugal), só entrará plenamente em vigor, se algum dia entrar, quando todos os governos lusófonos o assinarem. E ainda falta um…
Em Portugal, no Brasil e em Angola, o acordo suscita enormes polémicas e tem contra si uma parte considerável do mundo académico e literário. Não obstante, governos e parlamentos dos PALOP têm vindo a ratificar consecutivamente o tratado, na ilusão “politicamente correcta” (estranhamente adoptada em Portugal por Executivos de centro-direita) de que ele representa “progresso” e “igualdade”.
A ideia, é certo, nasceu na cabeça de um académico esquerdista, o brasileiro Antônio Houaiss, que contou em Portugal com o providencial auxílio do linguista Malaca Casteleiro. Viajemos, então, no tempo e procuremos a génese de todo o processo, que nas últimas três décadas tem enchido os bolsos a um grupo restrito de autores e editores.
Segundo o testemunho do escritor português Ernesto Rodrigues, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, publicado no seu ‘blog’ na internet, “Antônio Houaiss e Malaca Casteleiro dinamizavam, desde 1986, um projecto de acordo ortográfico”. Este fora sugerido, em primeiro lugar, no ano anterior, por Houaiss, que até aí fizera carreira como autor de versões brasileiras de dicionários enciclopédicos e dirigira, havia pouco, um “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa” (1981).
Consultor de editoras privadas
Quem era Antônio Houaiss? De origem libanesa, nascido no Rio de Janeiro em 1915, Houaiss era docente de Língua Portuguesa e consultor de várias editoras privadas de livros quando a ideia lhe surgiu. Apoiante de Getúlio Vargas (e depois de Leonel Brizola e do Partido Democrático Trabalhista, membro da Internacional Socialista), nunca escondeu as suas ideias políticas.
Estas levá-lo-iam mais tarde ao cargo de ministro da Cultura no governo socialista de Itamar Franco, entre 1992 e 1993, e à direcção do Conselho Nacional de Política Cultural, do Ministério da Cultura (1994-1995). Foi a seguir (1996) presidente da Academia Brasileira de Letras. Jocosamente, o humorista brasileiro Millôr Fernandes referia-se-lhe dizendo: “Houaiss conhece todas as palavras da Língua Portuguesa, ele só não sabe juntá-las”.
Em 1985, Antônio Houaiss era apenas um intelectual de esquerda com uma ambição: compor um dicionário da Língua Portuguesa que ombreasse com o famoso “Dicionário Aurélio”, da autoria de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que desde a sua primeira edição, em 1975, já vendera até então mais de um milhão de exemplares. Mas Houaiss confrontava-se com uma “pequena” dificuldade técnica: para ultrapassar as marcas de Aurélio, o seu dicionário teria de galgar as fronteiras do Brasil e impor-se em todo o mundo lusófono como obra de referência. E para tanto era preciso “unificar a Língua”…
Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), onde sucedeu a Álvaro Lins (diplomata “progressista” que nos anos 50 provocara uma crise diplomática entre Brasília e Lisboa ao conceder asilo político a Humberto Delgado na embaixada brasileira em Portugal), Houaiss começou a congeminar um projecto de “unificação ortográfica” logo em 1985, com o auxílio do filólogo Mauro de Salles Villar.
No início de 1986, Houaiss promoveu no Rio de Janeiro os primeiros “Encontros para a Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa”, que haveriam de arrastar-se até 1990. O dicionarista obtivera para isso “carta branca da ABL”, segundo referiu José Carlos de Azeredo, professor do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em entrevista ao jornal digital brasileiro UOL. “O Antônio Houaiss era o único representante brasileiro”, especificou.
Máquina política e comercial
De início, a intelectualidade dos dois lados do Atlântico fez vista grossa à flagrante coincidência entre o autor da ideia de “unificar a Língua” e o potencial autor do primeiro grande dicionário da Língua “unificada”. Só depois, por fugas de informação, a comunidade científica se apercebeu da monstruosidade do propósito. Mas a máquina política e comercial já estava em marcha…
Em 1990, os representantes dos PALOPs são levados a subscrever um primeiro tratado com vista à “uniformização” da ortografia. E Antônio Houaiss e Salles Villar embrenham-se na elaboração da sua obra-prima. De caminho, Houaiss vinha publicando outros livros, de carácter mais partidário, como “O fracasso do conservadorismo”, “Brasil-URSS 40 anos do estabelecimento de relações diplomáticas”, “Socialismo e liberdade” ou “Socialismo – Vida, morte e ressurreição”. Creditava-se, assim, como político, condição que assumiu plenamente ao integrar o governo socialista de Itamar Franco, na sequência do ‘impeachment’ do presidente Collor de Melo.
Por esta altura, tornara-se óbvia a falta de entusiasmo dos intelectuais brasileiros quanto a uma reforma da ortografia. Um primeiro acordo fora assinado, é certo, mas previa-se um longo e difícil caminho até à sua promulgação final no Brasil. Na própria Academia Brasileira de Letras, muitos eram os académicos que se manifestavam contra o projecto. Um deles, o conhecido gramático Evanildo Bechara, afirmava mesmo: “Deus nos livre desta monstruosidade”.
Que fazer? A generalidade dos cientistas opunha-se ao acordo, mas este estava assinado e podia, ainda que informalmente, ser “imposto” através da divulgação massiva de um “novo dicionário” usando as “novas regras”. E se essa divulgação pudesse ser feita pelo próprio Estado, tanto melhor. Foi este o caminho escolhido pelos defensores dessa “nova língua” a que em Portugal logo se pôs a alcunha de “acordês”.
Ministro socialista
Houaiss era agora ministro da Cultura de Itamar Franco. Numa entrevista concedida ao programa televisivo Roda Viva, da TVCultura, em 16 de Novembro de 1992, o dicionarista deixou claro o seu propósito de dinamizar “um instituto que, por iniciativa do Estado, fizesse na área da cultura do livro aquilo que a cultura privada não queria fazer”. E confessou, indo direito ao assunto: “A Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) tem uma capacidade de distribuição acima de qualquer distribuidora de livros no Brasil. E ela, a título não oneroso, poderá fazer isso para os editores privados, que terão seus livros circulando pelo Brasil inteiro, com uma diminuição de carga de despesas bem substancial. Essa é a linha que eu estou imaginando poder fazer”.
Durante essa entrevista, o escritor Ivan Ângelo ainda tentou introduzir a questão em que toda a gente pensava, mas poucos se atreviam a colocar. “Parece que há grandes grupos da indústria cultural, nos dois países, Brasil e Portugal, interessados no acordo, porque isso fará com que se abra um mercado dos países africanos, para dicionários, fascículos, livros escolares, livros didácticos”, sugeriu o romancista. E perguntou com candura: “O senhor sente ou já sentiu alguma vez a presença dessa indústria cultural no favorecimento, ou no apressamento, ou algum ‘lobby’ para que esse acordo saia o mais breve possível para aumentar os seus negócios internacionais?”.
Mas Houaiss deixou a pergunta sem resposta directa. Em contrapartida, reconheceu que “aspirava”, com o seu “vocabulário ortográfico pan-lusofônico”, chegar a “20% da população, tendencialmente 25, 26, 27%”. E isto só poderia conseguir-se com o auxílio do Estado na distribuição de exemplares pelas escolas e organismos oficiais.
Surpreende a franqueza com que Houaiss confessou, na mesma entrevista: “Eu evidentemente tenho subjacente em mim uma direcção socializante, certas visões de relevo derivam dessa minha própria formação”. E, assim, o autor da ideia da “unificação ortográfica” e autor do primeiro dicionário comercial baseado nessa ideia tornava-se agora, como ministro, o promotor desse mesmo dicionário através dos organismos estatais da sua tutela.
E não era desprezível, o auxílio que a FAE podia prestar aos editores comerciais de dicionários. Criado em 1983, este organismo tinha a seu cargo a aquisição, difusão e distribuição gratuita de livros didácticos destinados aos alunos das redes públicas de ensino, excluindo expressamente da lista as obras “desactualizadas”. Era uma pescadinha de rabo na boca.
O aliado português
Entretanto, Houaiss garantira em Portugal a colaboração de um aliado providencial: o linguista João Malaca Casteleiro. Oriundo da área de Filologia Românica, Casteleiro era desde 1981 professor da Universidade de Lisboa e participara, em representação da Academia das Ciências, no primeiro Encontro para a Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, em 1986.
Preparando as grandes alterações que o acordo ortográfico fazia adivinhar, e enquanto Houaiss trabalhava no Brasil para concluir o seu opus magnum, Malaca Casteleiro lançou-se em Lisboa à tarefa de coordenar um “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea” patrocinado pela Academia das Ciências, incluindo estrangeirismos, coloquialismos, brasileirismos e africanismos.
A tentativa não lhe correu bem: ao fim de mais de dez anos de trabalho (financiado pela Fundação Gulbenkian e pelo Ministério da Educação), o “Dicionário da Academia” era acolhido pelo público e pela comunidade académica com uma indiferença gelada. Em 2006, aquando do lançamento comercial da obra, pela Editorial Verbo, o próprio editor reconhecia: “o Dicionário tem falhas, tem lacunas e precisa de ser urgentemente revisto”.
Na sequência do malogro, Malaca Casteleiro foi afastado da presidência do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia e dedicou-se à elaboração de dicionários de edição comercial, utilizando a “nova ortografia” que ele próprio ajudara a definir e chegara a recomendar oficialmente, em nome da Academia.
Em 2007 solicitou (e obteve) um financiamento público de 70 mil euros para elaborar um “Dicionário Ortográfico e de Pronúncias do Português Europeu”, com a participação de uma empresa privada de edição de livros, a Opifício Limitada. Entretanto, surgira em 2002 como coordenador da versão nacional do “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, que já teve edições pelo Círculo de Leitores e pela Temas & Debates.
Vasco Graça Moura acusa
Ainda em 2012, o escritor Vasco Graça Moura, recentemente falecido, escrevia (no Diário de Notícias) que “o professor Malaca tem-se especializado em produções de medíocre qualidade, como o famigerado e redutor dicionário da Academia das Ciências, abominável exercício de encolhimento do português contemporâneo”. E Madalena Homem Cardoso, destacada activista anti-acordo ortográfico, escrevia no seu ‘blog’ na internet sobre os dois grandes promotores do “acordês” no Brasil e em Portugal: “O que é que existe em comum entre Malaca Casteleiro e Houaiss? Ambos têm raízes genealógicas fora da cultura de língua portuguesa. Houaiss foi filho de pais emigrantes libaneses chegados ao Brasil sem saber falar uma palavra de português. Malaca Casteleiro tem a suas raízes genealógicas na ex-Índia portuguesa, onde o português nunca foi língua comum. Para nenhum deles, portanto, o Português é Língua Materna; não o é, pelo menos, com a profundidade/densidade/qualidade que ela tem para a maioria de nós. Isto é importante que se diga, para que se compreenda esta evidente leviandade no delapidar de um património tão rico”.
Entretanto falecera no Brasil (em 1999, com 83 anos) o primeiro e principal promotor do acordo ortográfico, Antônio Houaiss. À data do seu passamento, o acordo era ainda uma incerteza: assinado pelo governo de Brasília, não entrara ainda em vigor e cresciam à sua volta as vozes críticas.
Mas Mauro de Salles Villar prosseguia na elaboração do “Dicionário Houaiss”, certo de que (como veio a suceder) as autoridades brasileiras colaborariam na sua compra e difusão. Prudentemente, Antônio Houaiss criara em 1997 um “Instituto” com o seu nome, em cuja delegação portuguesa passou a pontificar Malaca Casteleiro.
Acontecesse o que acontecesse com o acordo, o projecto de edição comercial mantinha-se, agora no âmbito do “Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia”, com sede no Rio de Janeiro, e da “Sociedade Houaiss Edições Culturais”, sediada em Lisboa. Apesar das designações de sabor científico, trata-se de duas empresas de responsabilidade limitada. O Instituto, no Rio de Janeiro, passou, entretanto, a editar freneticamente, estando hoje massificados o “Dicionário Houaiss” (concluído em 2001), o “Mini Houaiss”, o “Meu Primeiro Dicionário Houaiss”, o “Dicionário Houaiss de Sinônimos e Antônimos” e uma miríade de outros títulos, como “Gramática Houaiss” e “Escrevendo pela nova ortografia/Como usar as regras do novo acordo ortográfico da língua portuguesa”. O negócio continua.
Golpe e negócio
No final dos anos 90, contudo, havia razões para pensar que o acordo ortográfico corria o risco de “não passar” no Brasil. Muitos escritores, professores e académicos manifestavam reservas, e a própria Academia Brasileira de Letras resistia à sua promulgação. O acordo estava esquecido, e era provável que nunca entrasse em vigor. Foi então que, em 2006, ao tempo da presidência do esquerdista Lula da Silva, antecessor de Dilma Rousseff à frente dos destinos do Brasil, uma reviravolta acabou por impor aos brasileiros, gostassem ou não, a “unificação ortográfica”. Quem o conta é o professor Sérgio de Carvalho Pachá, então lexicógrafo-chefe da Academia Brasileira de Letras (ABL), em entrevista a Sidney Silveira, do Instituto Angelicum de Filosofia.
Respondendo à pergunta “Quem foi a pessoa que promoveu este golpe?”, Pachá revelou: “A Academia elegeu um homem que, por temperamento, gostava de aparecer nos Media, na televisão [Marcos Vinícios Vilaça, presidente da ABL em 2006-2007 e 2010-1011]. Uma das primeiras providências desse senhor foi criar um escritório de divulgação, dirigido por um indivíduo cuja função fosse promover as autoridades da ABL nos Media, através de menções nos jornais e na televisão. Este homem era pago, muito bem pago, para ‘badalar’ a Academia. Um belo dia, este indivíduo ouviu dizer que dormia nas gavetas, havia mais de dez anos, um projecto de ‘unificação’ ortográfica. Este homem não era professor de Português, não era linguista, não era filólogo: era um jornalista [Antônio Carlos Athayde, assessor de Imprensa da ABL]. Ele ouvir dizer [que havia esse projecto] e logo pensou em ‘unificar tudo’. Ele correu para o presidente e disse: ‘presidente, eu tive uma ideia que não vai tirar mais a ABL dos Media. Nós vamos promover a unificação ortográfica’. E o presidente, que não entendia absolutamente nada de ortografia ou de sistemas ortográficos, imediatamente comprou aquela ideia genial e a Academia mais que depressa começou a promover a ‘unificação’ ortográfica”.
Para esta reviravolta muito contribuiu o gramático Evanildo Bechara, que começara por ser um dos mais acérrimos críticos do acordo e que em 2006 mudou repentinamente de opinião e passou a defendê-lo. Só um pouco mais se tarde se percebeu porquê: em breve era publicado o seu livro “O que muda com o novo acordo ortográfico”, vendido aos milhares pela editora brasileira Nova Fronteira…
Conclui Sérgio de Carvalho Pachá: “Eles tinham já o gramático de plantão, o ortógrafo de plantão, que se transformou no grande propagandista da ‘unificação’ que não unifica coisa nenhuma. Para quê chamar outros filólogos, que poderiam introduzir controvérsia? […] A ABL não fez isso com o intuito generoso de unificar as grafias da Língua Portuguesa. Não: foi um golpe de publicidade […]. Foi vender gato por lebre. Foi uma balela desde o começo […], uma fraude”. Não tardou muito que o lexicógrafo-chefe da Academia Brasileira de Letras fosse despedido e Lula da Silva decretasse o uso compulsivo do “novo Português” em todo o Brasil.
Em Portugal, o acordo ortográfico foi introduzido no dia-a-dia da administração pública e do ensino oficial, mas a sua aplicação definitiva e vinculativa só terá efeito a partir do momento em que estiver ratificado por todos os países lusófonos. Falta que Angola o faça, e em Luanda crescem as dúvidas sobre se isso algum dia virá a acontecer. A decana da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto e ex-directora executiva do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, Amélia Mingas, resumiu desta forma a opinião da comunidade académica do seu país: “o governo angolano é o único que não ratificou [o acordo ortográfico] e eu estou plenamente de acordo com isso, porque a variação que a língua portuguesa sofreu no nosso país não está ali considerada”.
O poder dos negócios e da política parece, até hoje, ter vingado. Mas nem tudo está perdido.
Fonte:
http://jornaldiabo.com/cultura/acordo-ortografico-negocio/
***
Não, nem tudo está perdido. Não pode estar perdido. Não estará perdido.
Porque a Língua Portuguesa, apesar de andar em bolandas, recuperará a sua condição de Língua Indo-Europeia de Raiz Greco-Latina. (IAF)
Recebi, via-email, o texto «Ainda o Acordo Ortográfico», que pode ser consultado, na íntegra, neste link
com a seguinte mensagem: «Por favor diga de sua justiça acerca deste texto».
Pois bem, este é um texto burlão, de alguém que tem interesses obscuros, e pertence a uma minoria, conforme ele próprio diz; não tem conhecimento básico da Língua Portuguesa, nem do mecanismo das Línguas. De qualquer Língua.
Só o modo como ilustra o texto diz da sua crassa ignorância sobre a História e a Evolução da Língua Portuguesa.
Os ignorantes procuram sempre o caminho mais fácil para fazer as coisas. A minoria acordista pretende simplificar a ortografia e mutila-a, por incapacidade de aprender a ortografia portuguesa íntegra, como qualquer criança inglesa, francesa, alemã ou castelhana aprende, no que respeita ao Inglês, Francês, Alemão ou Castelhano.
O autor do texto mistura alhos com bugalhos. Mete os pés pelas mãos. Não tem a mínima noção do que está a dizer. Apresenta argumentos falaciosos e um discurso nitidamente encomendado.
Em relação aos outros países ex-colonizadores, que nunca fizeram, nem tiveram necessidade de fazer “acordos” com as ex-colónias, nem nunca se vergaram a elas, em sentido algum, o autor é de uma colossal ingenuidade.
O autor não sabe o que é uma Língua culta. Não sabe o que é uma língua viva. Não sabe o que é uma língua estruturada. Não sabe que uma Língua não pode andar por aí à balda, ao sabor dos interesses de mercenários ignorantes, e também ao sabor de como se fala, porque seria, aliás, como é, uma rebaldaria, porque o modo de falar varia tanto, que teríamos uma babel ortográfica, aliás, como já temos, absolutamente única no mundo.
O autor disse que nós não somos os donos da Língua Portuguesa. Não somos nós, nem ninguém, para que venham agora mandar-nos escrever a NOSSA Língua à maneira dos brasileiros. Herdámos uma Língua Culta e bem estruturada, e é nosso dever defendê-la.
O autor do texto apresenta números, como se os números tivessem alguma importância. A mim, não me interessa que mais de 200 milhões de pessoas escrevam incorreCtamente o Português. A mim interessa-me que os dez milhões de Portugueses, esta minoria europeia, escreva correCtamente a Língua Oficial de Portugal. Os néctares sempre se guardaram em pequenos frascos. O que interessa é a qualidade da escrita, não a quantidade de pessoas que a escrevem incorreCtamente.
Diz o autor do texto que «O processo que conduziu ao Acordo Ortográfico foi complexo, moroso e muitas vezes interrompido».
Mentira.
O acordo ortográfico de 1990 não existe. É uma fraude. O que existe é uma ortografia brasileira, que está em vigor desde 1943, e que uma minoria pretende impingir-nos como um "acordo" dos países lusófonos, ao qual apenas Portugal, servilmente, aderiu. Porque os restantes países estão-se nas tintas para este mal-amanhado AO90.
E o autor diz mais: «Entre 1931 e 1943, a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras mantiveram contactos e negociações que permitiram que, em 1943, fosse assinada uma Convenção Ortográfica entre Portugal e o Brasil. A tentativa de acordo não vingou».
Ora sejamos honestos. A convenção de 1945 foi assinada entre o Brasil e Portugal, mas o Brasil, esteve-se nas tintas para Portugal, rasgou essa papelada e continuou a escrever conforme a ortografia que adoptou em 1943, e Portugal seguiu em frente com a ortografia que ainda hoje é a ortografia oficial de Portugal, ou seja, a gerada nessa convenção assinada em 1945, e que o Brasil decidiu assinar, mas não cumprir. Porquê agora Portugal tem de se vergar a essa ortografia brasileira, a que convencionaram chamar AO90, para disfarçar?
Na discussão deste tema, o autor julga que deverão ser ponderadas primeiro a necessidade e a oportunidade e, depois, os custos de uma eventual alteração.
Primeiro, é urgente, necessário e oportuno acabar de uma vez por todas com a mixordice em que se transformou a Língua Portuguesa, e depois, o que aqui está em causa não são os custos da devolução da Língua Portuguesa a Portugal (assim é que é), porque quem lucrou com esta vergonhosa negociata deve ser julgado pelos crimes de linguicídio e de lesa-pátria, e pagar a factura advinda desses crimes. O que aqui está em causa é o absurdo deste servilismo.
Mais adiante o autor do texto diz esta coisa brilhante: «As línguas são vivas e tendem a diversificar-se. Acho preferível haver um acordo, mesmo que não seja perfeito, do que deixar a língua à solta, sem nenhum mecanismo que procure regulá-la. Não sou linguista, mas para falar de política de defesa nacional não é preciso ser militar…»
Que não é linguista, já se viu, através dos disparates que escreveu. E para se falar de política de defesa nacional até pode ser que não seja preciso ser militar, mas uma coisa é precisa: saber o mínimo daquilo que se está a falar, para não cozinhar uma caldeirada de disparates, como aqui foi cozinhada, e dizer que um caça russo atracou no cais do Sodré.
Prosseguindo o autor diz: «Os peritos dos oito países lusófonos decidiram valorizar a pronúncia em detrimento da etimologia». Que peritos dos oito países? Se só dois imperitos Evanildo Bechara e Malaca Casteleiro, e dois países, Brasil e Portugal, andaram a engendrar um modo de impingir aos outros seis países lusófonos, a ortografia brasileira, que eu aprendi, no Brasil, na escola primária? E desses países apenas Cabo Verde cedeu, numa primeira fase, mas logo pôs o Português para segundo plano, considerando-o língua estrangeira, e deu prioridade ao Crioulo Cabo-verdiano, no que fez muito bem.
Em todo este processo, nunca existiu nenhum “acordo internacional”, e a imposição a Portugal da ortografia brasileira, disfarçada de acordo, é obviamente ilegal e inconstitucional, uma ilegalidade e uma inconstitucionalidade a que o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, dá cobertura.
E o autor prossegue, tentando, falaciosamente, virar o bico ao prego. Diz ele: «Falemos agora dos custos de um voltar atrás que continuo a esperar que possa ser evitado. Existem factos consumados. A partir do ano letivo (lê-se l’tivo) 2011-2012, as nossas crianças começaram a aprender a nova grafia. Se os pais e os avós quiserem ajudá-los nos trabalhos de Língua Portuguesa, terão de conhecer e respeitar o seu modo de escrever. Mudar as regras a meio da aprendizagem implicaria lançar a confusão numa geração inteira de miúdos».
Que grande bojarda!
Primeiro, não existem factos consumados. Na verdade, as crianças não aprenderam a nova grafia (a grafia é nova em Portugal, mas muito velha no Brasil), o que aconteceu foi que no ano leCtivo de 2011/2012 elas começaram a desaprender a escrever a sua Língua Materna. Assim é que é. Os pais e os avós jamais terão de “respeitar” algo que as próprias crianças já estão a rejeitar, porque escrevem correCtamente director em Inglês, e incorreCtamente diretor (que pronunciam e muito bem dir’tor) em Português. Por alma de quem?
Segundo, as crianças têm uma capacidade infinita de aprender e desaprender tudo e mais alguma coisa. Assim como aprenderam a escrever mal, mais depressa aprenderão a escrever bem a sua própria Língua, ainda mais se estão a aprender também Inglês, ou Francês, ou Castelhano. Aprender o Português integral é muito mais fácil, pois se elas têm capacidade de escrever, por exemplo, “thought”, em Inglês, mais facilmente aprenderão a escrever director, actor, baptizado, factura, objecto, activa, acção… etc.. se tantas gerações antes desta conseguiram, porque não a actual? As crianças de hoje serão mais estúpidas do que as de antanho? Ou esta minoria acordista medirá a inteligência das crianças pela incapacidade deles próprios escreverem as consoantes mudas?
E confusas andam já as crianças com este mixordês que estão a impingir-lhes, e até já se questionam a este respeito. É que elas não são parvas.
E se eu, que apreendi a ler e a escrever no Brasil, nesta ortografia que agora nos querem impingir, e tive de a desaprender quando vim para Portugal, e tornei a aprender quando fui novamente para o Brasil, e tornei a desaprender quando regressei ao meu País, durante a minha infância, adolescência e juventude, e consegui, porque não as nossas crianças?
E não me venha dizer que o «Acordo Ortográfico modificou a grafia de uma minoria de palavras (1,6% em Portugal e 0,5% no Brasil). Para os brasileiros, as diferenças maiores assentam no uso do hífen e na acentuação dos ditongos».
Todas, ou quase todas (pois os brasileiros pronunciam umas poucas consoantes que nós não pronunciamos) as palavras às quais retiraram as consoantes mudas, fazem parte da ortografia brasileira, assente na italianização dessas palavras. Com este falso “acordo” os Brasileiros não têm de aprender nada, a não ser suprimir acentos e hífens, onde eles são necessários, o que eles se recusam a fazer, e fazem muito bem.
É que a Língua Portuguesa não é nossa, mas também não é dos Brasileiros ou dos outros países lusófonos. A Língua Portuguesa é simplesmente de quem a DEFENDE, na sua integridade e na sua raiz europeia, e não de quem a destrói e a descaracteriza.
Para finalizar pasmemo-nos.
Diz o autor do texto em causa: «Modernamente, existem mecanismos poderosos de regulação da linguagem que não precisam de ser acordados. De início, foram apenas os livros. Apareceu, depois, a rádio e, agora, é principalmente a televisão. Tanto o modo de falar dos locutores como a dicção dos personagens das telenovelas irão ter uma repercussão determinante. A pronúncia é também uma questão de moda».
Pois… as novelas! Foram o começo da colonização de Portugal pelo Brasil.
Esperemos que haja lucidez, e que o Presidente da República Portuguesa reponha a legalidade e a constitucionalidade, exigindo ao governo de António Costa que devolva a Portugal a Língua Portuguesa.
Isabel A. Ferreira