Começo este capítulo por uma questão de direito.
Terás o direito de dizer eu sou um ser humano, se desprezares valores, ou virtudes, se preferires, como a dignidade, a verdade, a razão, a justiça, a tolerância, a paz, a honra, a moral, a amizade, o amor, o carácter, a honestidade, o bem, a solidariedade, um sorriso...?
Estes são, para mim, valores humanos, entre os quais se encontram alguns que temos o privilégio de partilhar com os nossos irmãos animais. Por vezes, estes dão-nos grandes lições de humanidade e de consciência colectiva, tornando-se seres superiores nos actos que praticam.
Nunca ouviste falar na honestidade dos animais? Eles não se enganam a si próprios, logo não têm capacidade de enganar os seus semelhantes. Não é isto, honestidade?
Nunca viste um gato e um rato juntos, a partilhar o leite no mesmo prato? Não é isto, tolerância e também amizade?
Não soubeste da porca que amamentou os seus bacorinhos juntamente com os cachorros que ficaram órfãos? Não é isto, solidariedade?
E a história daquela gata que enfrentou o inferno do fogo, para salvar as suas crias de morrerem queimadas num incêndio? Não é isto, amor?
Há quem chame a estes actos instinto que, de acordo com o dicionário, é uma tendência inata, inconsciente, o qual leva um ser a praticar actos úteis, para si ou para os da sua espécie.
Chama-lhe o que quiseres. A minha ideia é esta:
O ser humano e o ser não humano, que não enganam o seu semelhante, são honestos.
O ser humano e ser não humano, quando partilham o seu leite com quem não é da sua raça ou espécie, são tolerantes e amigos também.
O ser humano e o ser não humano, que sustentam os seus filhos e os filhos de quem já não existe, são solidários.
O ser humano e o ser não humano, ao sacrificarem a sua vida pelo outro, praticam um acto inato e inconsciente ou fazem-no por amor a esse outro?...
É do valor humano ter espírito crítico. Saber discernir entre o Bem e o Mal, o Bom e o Mau, o Belo e o Feio. Saber escolher. Saber dizer não.
Começando no seio da própria família, depois na escola, na rua, nos lugares públicos, no emprego, na Vida, não serás tu um ser Humano apenas se tiveres consciência de que o rato de esgoto existe onde existe, come o que come, é o que é, porque é rato de esgoto?
Mas tu não és um rato de esgoto.
Se dás valor a comer bom pão, não deverás cuidar bem da tua seara?
in «Manual de Civilidade»
© Texto e Foto Isabel A. Ferreira