Porque é preciso recordar.
Porque é proibido esquecer.
Porque é urgente acordar o Povo.
Isabel A. Ferreira
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A guerra no mundo existe. Tudo parece caminhar para a fome e Portugal…
A marcha inexorável do tempo não pára nem perdoa. Sobem os ignóbeis e os rapaces, vendem-se os subservientes, e Portugal não será vendido?
Talvez possa ser leiloado. (Artur Soares)
No pós Segunda Grande Guerra (1945), o Exército português passou a ter nas suas fileiras os chamados militares milicianos – Sargentos e Aspirantes – uns com o segundo ciclo dos liceus e os outros com o terceiro ciclo (ou mais). Os primeiros, ao fim de seis meses de curso, ficavam Cabos Milicianos, isto é, candidatos a furriéis milicianos ao fim de 18 meses de tropa efectiva. Os segundos, com seis meses também do mesmo curso, ficavam Aspirantes milicianos, isto é, candidatos a oficiais (alferes), ao fim (também) de 18 meses de tropa efectiva.
Nesses tempos, nem os Cabos milicianos nem os Aspirantes eram promovidos, pois passavam à disponibilidade, para não lhes pagarem pela nova patente.
Aconteceu a guerra nas ex-províncias ultramarinas e os milicianos, que eram obrigados a dar pelo menos 36 meses de tropa, eram uns promovidos a Furriéis e os outros a Alferes, para cumprirem uma comissão de serviço na guerra então/ultramarina.
O milicianismo no Exército – devido a essa guerra, avançou ainda mais: os Furriéis, caso quisessem fazer vida profissional no Exército, facilmente eram promovidos a segundos sargentos, devido ao tempo passado e os Alferes passavam a tenentes, também devido ao tempo de tropa passado.
Ora estes tenentes milicianos, podiam fazer um curso-curto de comandantes de companhia e de imediato, eram promovidos a capitães no dia do embarque, para uma nova comissão na guerra no ultramar. E fizeram-se centenas de capitães milicianos durante mais de uma década.
Por esta situação – o milicianismo no Exército – criou-se entre os Oficiais do Quadro Permanente (militares profissionais), um descontentamento geral: estes oficiais eram da academia militar e exigiam que os milicianos passassem também pela academia, antes de serem capitães.
Só que, na guerra do ultramar, dificilmente havia capitães a comandar Companhias, pois distribuíam-lhes missões que nada tinham a ver com guerra e muito menos com a morte no capim. Quem morria na guerra, grosso modo, eram soldados, furriéis, alferes e capitães milicianos.
Nunca vi ou conheci oficiais, acima de capitães do Quadro permanente do Exército português que defendessem a independência das três principais províncias do Ultramar: Angola, Guiné e Moçambique. Todos os oficiais reivindicavam melhor armamento, melhores condições logísticas para atacar o terrorismo e sobretudo melhores remunerações, em especial para aqueles que estivessem em zonas de 100% com terrorismo. Nestes aspectos, Salazar pouco ou nada fez para satisfazer a vontade dos oficiais.
A Guiné estava praticamente perdida em 1973 e em Angola e Moçambique, os grupos terroristas já estavam a desandar, pois não tinham gente, nem armamento, nem países acerrimamente a ajudar esses grupos.
Desse modo, perante tal ambiente desanimador, perante tantos milhares de mortos em combate, tanto do lado de lá como de cá, tantos órfãos e viúvas cá, bem como estropiados de guerra, nasce o livro do General Spínola, Portugal e o Futuro, no mês de Fevereiro do ano de 1974, antes dois meses de o 25 de Abril de 1974, feito pelos chamados “Capitães de Abril”, livro que visava uma “solução política e não militar” e que Marcello Caetano lê numa noite a mensagem, a opinião de Spínola. Tal burburinho entre os dirigentes políticos de então, o General Costa Gomes e Spínola, demitem-se do exercício de funções.
Marcello Caetano, que sente o desmoronar do seu poder político, apresenta a demissão ao presidente da República, Américo Tomás, que a rejeita.
Com o livro de Spínola, forma-se um burburinho político no país, os militares afadigam-se em reuniões secretas e avançam (Movimento das Forças Armadas), fazendo a “revolução dos cravos”, e assim nasce aquela noite do 25 de Abril de 1974, que nos traz a descolonização e a liberdade de expressão.
E os homens movimentaram-se.
As rádios gritaram. As pessoas ficaram apáticas.
Os comunicados choveram e os cães uivaram – desconhecendo a balbúrdia - e, assim lhe chamaram o “glorioso 25 de Abril”!
Noticiários longos, outros curtos, outros a horas mortas.
Discursos, declarações, afirmações, acusações, choros, ranger de dentes, o povo maluco, camisas e gravatas desabotoadas, trabalhadores públicos em calções e de sulipas nas repartições; prisões abertas, outras a fecharem-se com novos “inquilinos”, o estrangeiro atento, divisas a fugirem e o primeiro 1º de Maio canta-se, discute-se e politiza-se o povo despolitizado, oprimido, roubado pelos fascistas e pelos seus 50 anos fascizantes!
Povo surpreendido, inocente, não participante nas primeiras horas da noite, mas..., “grande vitória do povo”, quando já maduro estava o dia!
Viva o M.F.A! O 25 de Abril! O Movimento dos Capitães! A Democracia! A Liberdade! Os Partidos democráticos (incluindo o PC) que na clandestinidade lutavam pelo povo português!
Até choravam nas prisões; até morreram nas prisões; até passaram fome; privações do ambiente e do amor familiar, e, tudo-tudo-tudo pelo povo – que carneiro era – português!
Delirante! Impressionante! Bestial-ante!
Tudo vitorioso, famoso e gostoso!
E regressa de fora, “certo povo” que se junta ao Povo de Abril: os fugientes, os forçados emigrantes, os tratantes, os comediantes, os esbanjantes, os cantantes e de modo especial todos os bem-falantes… que foram e têm sido (realmente) impressionantes e escaldantes em Portugal!
(Outubro de 1975):
28 de Setembro e 11 de Março:
Agitação social, perseguições, destruições de sedes de “partidos reaccionários”, ocupações de postos emissores de rádio, de casas, de latifúndios, de empresas, de sindicatos, saneamentos à direita, ao centro, ao lado, à retaguarda, nacionalizações e tudo graças ao “vinte e cinco”, aos democratas salvadores da pátria e do povo – que carneiro era – português, para, finalmente haver o 25 de Novembro, perfume da democracia verdadeiramente democrática!
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Actualmente, hoje, neste momento ou mais logo, Povo, onde estás, como podes ser encontrado e para onde vais?
A tua alegria e a liberdade, a tua luta e os teus gritos, os punhos cerrados e o teu querer, o teu ser, o teu poder ou as tuas lágrimas de felicidade em manada, onde habitam? Louco Povo, inocente Povo!
Dormes, Povo! No rio, no mar, no avião, no campo abandonado, no combóio ou no quarto que te devora sonhando e… ainda sonhas?
– “Não sonho – dizem milhares. Medito. Oiço. Vejo e apalpo as algibeiras para sentir o que não tenho”, à excepção do besuntado Cotón.
Que pensas? Que sentes? Que vês? Que dizes de tudo, do Povo e de Portugal? - Bando de falsários.
- “Crime e prostituição, droga e miséria, assaltos e falências, mentiras, traições e burlas! Oh! É sonho! É mentira! É tudo o que não sei! Não, não...
Que noite!
O homem é doido. O mundo definha desorientado e Portugal…
As aves vivem chilreando, o mundo grita e Portugal não se entenderá?
Os mortos são pó da terra fria, os cães já não gritam e, Portugal não reage: engole e rumina!
O programa do Movimento das Forças Armadas foi traído e mataram-no. Logo, as revoluções podem ser devassidão e fogo.
Portugal não se encontra. O Presidente da República fala e parece esquecer os inimigos locais!
A guerra no mundo existe. Tudo parece caminhar para a fome e Portugal…
A marcha inexorável do tempo não pára nem perdoa. Sobem os ignóbeis e os rapaces, vendem-se os subservientes, e Portugal não será vendido?
Talvez possa ser leiloado.
E se perguntares a um revolucionário, quem são os homens de hoje, pais dos homens de amanhã, ele te dirá: os homens são o fogo tangido pelo vento; são deuses desmiolados e destronados; são predadores esfomeados e de afiadas garras; são a cicuta que reduz a pó, tudo que quer viver.
... E a partir do dia 26 de Abril de 1974, acontece o regresso das Forças Armadas Portuguesas, da Guiné, de Angola e de Moçambique;
Inicia-se também a guerra nas três ex-províncias ultramarinas, entre os próprios movimentos de libertação e o regresso dos ostracizados e vilipendiados brancos e negros que lá residiam. E assim se inicia o peso dos pesa-papéis ao Povo que, como única culpa, foi ser politicamente inculto, pobre e sereno.
(Artur Soares – Maio de 1974)
Aproximamo-nos a passos rápidos para atingir os 50 anos do 25 de Abril em Portugal e a comemoração dos 49 anos, na Régua, será no próximo Abril deste ano.
Os portugueses, que nasceram a partir de 1966, não viram nem sentiram o 25 de Abril. Hoje, estes portugueses com 57 anos ou à volta disso, podem saber muito sobre o 25 do Quatro. Procuraram (talvez) saber tudo. Leram tudo; imaginaram muito; analisaram a revolução; sabem datas; vitórias e desgraças e, portanto, sabem, sobre a revolução dos cravos. E ainda bem se assim é.
Mas, a umas coisas jamais terão acesso: o de ver e de sentir o 25 de Abril/74, como eu: chorei de alegria e de medo também. E essas lágrimas alegres nesses portugueses que não viram nem sentiram esse dia, jamais as verterão, como milhares de portugueses as vertemos.
Recordo bem, que no jornal Notícias de Famalicão – semanário que já morreu há cerca de quarenta anos – escrevi sobre a abrilada: “Ainda de noite e nas primeiras horas do dia, os homens movimentaram-se. Os rádios gritaram. A televisão foi invadida. O povo ficou apático. Os comunicados choveram e os cães uivaram – desconhecendo a balbúrdia – e, assim, aconteceu o “vitorioso 25 de Abril de 1974”. E continuei: “Viva o M. F. A., o 25 de Abril, o Movimento dos Capitães, a democracia, a liberdade”.
E se podemos afirmar que o 25 do Quatro permitiu a pluralidade de ideias, a liberdade de expressão, o poder votar nos partidos que apresentavam os futuros governantes, também não esquecemos que permitiu mais de um milhão de retornados, milhares e milhares de mortos, após a independência da Guiné, de Angola e de Moçambique, porque entraram em guerra civil.
Logo - e isto é verídico - a liberdade, a pluralidade de ideias e o voto, não enchem barrigas. Enchem certas barrigas! Fabricam-se vilões, oportunistas, ladrões do bem-comum. E depois queixam-se os de pança crescida, que o partido CHEGA e outros semelhantes avançam, que querem o fascismo/nazismo e muito mais, e que a Europa está a ficar num viveiro tal, que queimará a democracia. Talvez não queime, o que lhes queima é o reduzir da pança que transportam e das contas bancárias gordas que procuram ter ao seu dispor.
Na verdade, o país vive numa situação tal, que os portugueses já não acreditam em nada ou ninguém. Pelo que pensamos e vemos, pelas acções políticas e económicas destruidoras em uso, pela desacreditação que certas instituições transportam, pela indisciplina social sentida, pela incompetência de quem nos tem governado, pela rapinice a que temos estado sujeitos entre muitos detentores do poder e muitos mais casos…, somos forçados a pensar – salvo melhor opinião – que a revolução de Abril morreu e que apenas a corrupção – irmã gémea daquela – se vingou, se fortificou e tende a viver-em-grande.
E sendo verdade, que desde 2015, os governantes de António Costa têm sido os generais da corrupção, que surge-em-público semanalmente/diariamente, temos a última notícia – esta, na data em que escrevo – que uma tal Idalina Costa, vereadora socialista na Câmara de Idanha-a-Nova, vai ser julgada por falsificação de actas, por ter nomeado o seu marido médico para a Câmara a ganhar 50 euros à hora e porque até já foi julgada por burla comprovada.
É neste ambiente político petrificado, desolador, revoltante, que se vai comemorar o 25 de Abril de 1974, no Peso da Régua, neste ano de 2023. Logo, e segundo a nossa opinião, comemorar os irmãos gémeos: uma revolução morta e a corrupção. Esta, como se sabe, activa.
Comemorar-se-á ainda as incompetências nos cargos públicos; a injustiça nos ordenados de quem trabalha; os saques nas pensões dos reformados do Estado desde 2011, iniciados por Sócrates e continuados por Passos Coelho; os descalabros nos serviços de Saúde e de Educação; a ausência de reformas para melhor justiça social; a não produção de riqueza e a ostracização do mar, e a dívida de milhares e milhares de milhões de euros que o país deve, porque pouco se produz e muito se rouba.
Irmãos gémeos: revolução e corrupção. A primeira parece ter morrido à nascença e a outra, de boa saúde, em evidência, mas não há coveiro que a enterre.
(Artur Soares – escritor d’Aldeia)
(O autor não segue o acordo ortográfico de 1990).