… mas mais do que isto, seis Touros foram poupados à tortura…
No entanto, há que reflectir mais a fundo sobre esta estupidez que, todos os anos, afecta Viana. Para tal, proponho a leitura do magnífico texto de Jorge Esteves…
É que ser “Cidade Anti-Tourada” devia implicar ser de facto e de direito.
Os Bobos...
Das Festas da Senhora da Agonia
Texto de Jorge Esteves
«Ontem li algures, que o tribunal ao indeferir a providência cautelar apresentada por um ‘movimento popular’, em Viana do Castelo, atentou contra ‘os direitos fundamentais de acesso à cultura’, segundo o tal ‘movimento’ dito aficionado. Ao contrário, do outro lado, há ‘um grupo de amigos que se vão juntar para gritar ‘viva’. Pelo meio, vou lendo, na notícia, que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, ao proferir o indeferimento, fê-lo argumentando que existe ‘ausência de um projecto de segurança contra incêndios e medidas de auto-protecção, uma vez que se trata de um terreno situado na encosta norte do monte de Santa Luzia, considerada zona de elevado risco de incêndio’, ou seja, touros, farpas, lantejoulas, olés e tradição, assobio e vista grossa, onde? ai que incêndio é que está a dar.
Aguarrás no dito queima muito, versus cultura. Olé!
Cultura porque é tradição. A tecla é sempre a mesma, enquanto não a desmontarem. Vou repetir o que escrevi há anos.
Três questões, em síntese, que o assunto cheira mal que tresanda:
Primeira: os costumes locais admitem-se como direito ou não? Coragem política para responder a esta primeira interrogação é que não vejo, nem vislumbro. Aqui poderão dar valiosos contributos especialistas em História ou outros que, porventura, até acharão matéria de direito internacional.
Segunda: a questão afinal mais basilar e subvertida (por ignorância ou, pior sei lá!, por esperteza saloia ou estupidez, que talvez até seja a mais acertada...), é a dita 'tradição'. Tradição?! A lista das 'tradições' pode ser do tamanho que se queira, mas fico-me pela castração das mulheres em África ou pela segregação racial... Ou querem ficar só pelo gato de Vouzela?
Terceira: falar de animais! A propósito, lembro-me que, logo a seguir ao 25 de Abril, numa manifestação feminista na qual, para além das motivações base, alguém resolveu queimar uns quantos 'soutienes'; por causa disso ainda hoje se ouvem estúpidas evocações feitas por alguns que acham o feminismo uma modernice esquerdóide. A questão dos animais arrisca-se a ser um caso semelhante. Uns, espíritos esclarecidos e bem instalados, chucham com o assunto dos 'direitos dos animais'; outros, na esquerda, na direita, ao centro, ou em parte incerta, fogem como o demo da cruz e béu-béu lei assim e lei assado.
É que, na verdade, falar de 'direitos dos animais' é tornar a questão redutora e simultaneamente equivoca. Devia-se falar, isso sim, dos deveres de toda a humanidade para com os animais, e não só, mas também para com as plantas, para com todo o sistema integrado, ou seja, para com todo o planeta. Dever de princípio, básico e fundamental: o dever de não destruir o que é insubstituível e o dever de legar às gerações futuras um mundo (pelo menos, valha-ó deus!...) tão rico e diverso como aquele que recebemos.
A ecologia, seja ela social, ambiental ou política, não é uma corrente de opinião e, muito menos, um programa de índole partidária. Ela representa, na essência, a aspiração a uma melhoria das condições de vida para todos e não apenas para uma ou outra minoria. O erro está na miopia (não vou dizer na esterqueira da jogatilha da caça ao voto, que isso é uma grandessíssima intrujice, pois “tá” claro) dos governantes que não são capazes de perceber que há uma questão central na vida da humanidade que nos obriga a olhar para o meio não-humano que nos rodeia como um sujeito activo e não apenas como cenário inerte onde se desenrola o drama (ou ópera bufa, já nem sei...) desempenhado por todos nós. A crueldade para com os animais é paralela à crueldade para com as minorias e os fracos. Habitua à crueldade, desculpa a violência e destrói a solidariedade.
O encorajamento de espectáculos de crueldade isola-nos dos outros seres vivos e, sobretudo, alimenta a arrogância do exercício indiscriminado do poder dos fortes sobre os fracos. Não é por acaso que as sociedades onde existem mais discriminações, mais injustiças, menos solidariedade e democracia, são precisamente aquelas onde fazer mal aos 'bichos' por puro gozo é encarado como 'natural' e até como 'tradição cultural'! Como aqui, inteiramente, neste país. Ponto final.
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