Como é que algo, que pertence ao mundo sanguinário dos mitos, continua a ser admitido numa época em que os mitos não passam disso mesmo: mitos?
A nossa realidade é bem outra, mas a tauromaquia que assenta num mito sanguinário, continua tão primitiva quanto nesses tempos que já se perderam no tempo.
Está mais do que na hora de abolir essa reminiscência que transforma o homem, dito moderno, na besta que o Touro nunca foi.
Foto: © Marie-Lan Nguyen / Wikipedia
«Tauromaquia: do grego ταυρομαχία. Combate com touros.
Cnossos, Creta: o berço dos primeiros eventos com touros originou uma das histórias mitológicas mais trágicas e fascinantes do mundo; a lenda do Minotauro ainda assombra-nos pela crueza dos acontecimentos, envolvida num acto de bestialidade que deu origem a um ser híbrido assassino de humanos.
Todavia, como poderá estar este mito interligado com as corridas de touros?
A religião minóica era recheada de rituais orientados para o culto da vegetação. A morte e o renascimento dos deuses, bem como a representação simbólica e sagrada de alguns animais, eram a base primordial da cultura religiosa praticada. O touro, como um dos animais sagrados, eram obviamente utilizados nos cultos, especialmente em combates.
A magnificência e imponência do animal não passaram de todo despercebidas, originando o mito perturbador do Minotauro: este, rapidamente, tornou-se no símbolo do animalesco, roçando a barbaridade, a irracionalidade e o caos.
É importante salientar que apesar da crueldade do Minotauro estar associada ao seu lado animal, tal afirmação é incongruente: sabemos que o touro não mata pessoas por bel-prazer e que, muito menos, alimenta-se delas. Já o caso muda de figura em relação ao próprio ser humano, que não hesita em matar o seu semelhante num piscar de olhos. Podemos, desta forma, considerar que a violência imensa do Minotauro deve-se mais pelo seu lado humano: todavia, assim como as mulheres, os animais eram utilizados nos mitos para representar uma esfera negativa, daí a conspurcação exclusivamente feminina nesta história (a relação física de Pasífae com um touro) e a simbologia da destruição aliada somente à figura do animal presente no Minotauro.
O mito
O rei Minos de Cnossos recebeu um touro branco, vindo dos mares, como aprovação do deus Poseídon pelo seu reinado. Apesar de ter conhecimento do dever de sacrificar o animal em homenagem ao deus, Minos ficou tão admirado pela sua beleza sobrenatural que decidiu mantê-lo e sacrificar outro na esperança que tal passasse incógnito.
A tentativa de ludibriar Poseídon falhou: este, furioso, lançou um feitiço a Pasífae, esposa do rei, para que esta se apaixonasse perdidamente pelo touro branco. A mulher solicitou a ajuda de Dédalo para conseguir envolver-se amorosamente com o animal. O artesão construiu uma espécie de vaca em madeira, cujo interior abrigava e disfarçava Pasífae.
O acto sexual deu origem ao monstruoso Minotauro: o seu crescimento suscitou problemas ao tornar-se cada vez mais feroz. Por ser fruto de uma união não-natural entre um humano e um animal não-humano não tinha qualquer fonte natural de alimento, atacando e devorando homens para a sua sobrevivência. Minos decidiu recorrer à genialidade de Dédalo para arquitectar um imenso labirinto próximo ao seu palácio, no qual o ser híbrido foi encerrado.
Fresco no palácio de Cnossos, representando o culto do touro através da prova da resistência física com as mãos nuas - 1500 a 1400 a.C.
Veja-se que o labirinto não é somente o símbolo da perdição: os minóicos detestavam espaços fechados - o palácio e as restantes residências apresentavam imensas divisões em aberto - e o facto de o labirinto ter paredes altíssimas que permitiam ver o exterior sem poder alcançá-lo constituía uma fobia extrema que levava à loucura. O Minotauro, como humano, sofria com a solidão: como touro, sofria com a claustrofobia imensa do ambiente. Sabe-se que os touros adoram estar em liberdade e que necessitam de luz solar para o seu bem-estar: num labirinto escuro e frio tal era inacessível ao ser mitológico. Essa dupla castração despertou a violência extrema que acompanhou o monstro até à sua morte. E é aí que a tauromaquia e o mito aproximam-se ainda mais.
Os gregos odiavam os cretenses. Acusavam-nos de mentirosos, arrogantes e traidores. O próprio poeta Homero quase nunca indicou o povo de Creta nos seus poemas, exceptuando n'A Ilíada - em que estes lutavam ao lado de Tróia.
O mito do Minotauro foi, então, transformado num conto heróico ateniense através de Teseu: o filho de Egeu ofereceu-se como sacrifício, relacionado com a taxa imposta por Minos, por este ter saído vencedor numa guerra contra Atenas. Essa taxa comportava a entrega de sete jovens rapazes e sete donzelas, a cada nove anos, para serem devorados pelo Minotauro.
Deste modo, o rei cretense dava a certeza que não repetiria qualquer ataque bélico à cidade grega.
Ariadne, filha de Minos, apaixonou-se por Teseu. Mortificada por este estar prestes a ser engolido pelo assombroso labirinto, entregou-lhe um novelo de lã para marcar o caminho e assim conseguir sair ileso. Munido de uma espada, Teseu entregou-se ao labirinto de pedra e matou o Minotauro com um único golpe, cortando-lhe a cabeça.
Esta viragem no mito influenciou a visão humana sobre o touro: os atenienses cortaram com o véu sagrado que protegia-o e sacrificavam-no num verdadeiro culto sanguinário. O touro era agora simbolizado como uma besta hedionda e perigosa e matá-lo era sinónimo de coragem e força: o presente perfeito para os deuses do Olimpo. Os combates com touros intensificaram-se, com os actos violentos a aumentar cada vez mais. Havia até um costume absurdo que implicava a morte de um touro: tal arrastava-se numa espécie de jogo de acusações para descobrir-se quem, na verdade, o matou (?!).
A tradição de utilizar o touro para eventos, que resultavam invariavelmente na sua morte, foi absorvida pelos romanos após a invasão, que também utilizavam variados animais nos circos mortais, e consequentemente enraizada na Península Ibérica. A tourada que hoje em dia continua a ser realizada é, de facto, fruto de uma cultura que negativizou a imagem do touro em detrimento de um povo que era odiado. Foi pela rivalidade e pela inimizade entre homens que o grande animal viu a sua vida a ser selvaticamente alterada ao longo dos tempos.
Mas quiçá, tal e qual como uma história tem um ponto final, a barbaridade que continua a ser-lhe administrada findará também.»
Fonte:
http://grito-silenciado.blogspot.pt/2014/02/o-paralelismo-entre-tauromaquia-e-o.html
Touradas.
(História de crueldade em que todos os argumentos para tentar justificar a continuação deste espectáculo bárbaro, baseado numa falsa tradição, nunca serão convincentes).
Desde a pré-história até aos dias de hoje, homem e touro partilham um espaço onde deveriam coabitar de uma forma saudável e respeitosa.
O touro foi símbolo mitológico na Grécia antiga, e actor principal, em espectáculos repletos de tortura e sofrimento, os quais perduram ainda nos dias de hoje nuns quantos países do mundo, onde a dita evolução social e mental mais parece pertencer aqueles tempos retrógrados.
A península ibérica durante a Idade Média, foi palco de batalhas que careciam de milhares de homens. Exigia-se portanto, treino intensivo a homens e cavalos, cujas funções careciam de destreza, técnica e coragem.
Essa filosofia foi aproveitada naquela época pelos toureiros, baseando-se na luta entre o homem e o touro, e sempre com o objectivo principal, o de matar o touro sem que o toureiro ficasse ferido nessa cruel lide.
O touro encarnava na perfeição um suposto inimigo, que de forma enérgica e espontânea, dava luta a toureiros e peões que auxiliavam a lide do cavaleiro. Entretanto, o que começou como um mero exercício defensivo e preparativo para batalhas corpo a corpo, foi-se encarnando no que se entende por "sortes" (cada um dos actos que o toureiro executa na lide de um touro com o intuito de o matar).
Imposta esta arte de matar na ordem, cada uma das sortes foi transformada, de simples e rudimentar até à progressiva perfeição das formas com que esta crueldade era levada a cabo. A lide deixou de se basear na preparação do touro para a morte e foi dando passos para que a crueldade fosse feita com outra classe, á medida que se ia aplicando mais estética em cada um dos seus actos, até convertê-los em criações pré-concebidas, sem nunca renunciar á sua mais primitiva e última razão: o domínio e a morte do touro a pé ou a cavalo.
Defender as touradas como tradição cultural e matar um animal aos poucos como prova de valentia ou diversão requer uma boa dose de cinismo.
No entanto, acreditar que a sociedade actual precisa desse tipo de entretenimento é sinal de atraso, digno de quem ainda vive na Idade Média.
Fonte:
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E repare-se: os países que iniciaram este ritual taurino, hoje, nenhum deles o mantém.
Apenas povos atrasados, como os portugueses, espanhóis, franceses, venezuelanos, mexicanos, peruanos e colombianos e estão ainda agarrados a algo que foi ultrapassado pela evolução.