Isto aconteceu em Portugal, onde a violência e a crueldade contra seres vivos indefesos, inocentes e inofensivos são consentidas por Lei.
E um ser vivo é todo aquele que VIVE.
… e o menino que se chamava Henrique é agora mais uma estrelinha a brilhar no Céu…
Era uma vez um menino chamado Henrique…
Henrique era um menino lindo, e poderia ter tido uma história de vida linda, como todos os meninos merecem…
Mas a vida de Henrique foi bruscamente interrompida, aos seis meses (sim, aos seis meses de idade), por um acto monstruoso, bárbaro e extremamente cruel, cometido por aquele que devia protegê-lo de todos os brutos que erram pelo mundo – o seu próprio progenitor (que não merece ser chamado de Pai), quando este, empunhando uma faca de cozinha, a espeta no peito da inocente criança.
Se a estocada fosse certeira, a morte do menino chamado Henrique seria rápida. Mas não foi.
O menino chamado Henrique não teve morte imediata. O progenitor, sadicamente, friamente, calculadamente, gravou os estertores da morte da inocente criança, num vídeo que enviou à Mãe, a quem, na verdade, aquela facada era dirigida.
E enquanto o vídeo estava a ser filmado por quem lhe desferira o golpe, Henrique agonizava lentamente, com uma hemorragia interna que se alastrou por todo o seu ainda tão delicado corpinho, até lhe sufocar o coraçãozinho, que paulatinamente, foi reduzindo os batimentos até que parou e a alma de um anjo foi libertada.
E ali ficou Henrique, abandonado a uma morte ignóbil, com a faca espetada num peito ainda por brotar, com uma dor vivida na solidão, que ainda não entendia, e que foi a solidão de um anjinho que subiu ao céu sem qualquer amparo.
Henrique era um inocente e indefeso menino.
Esta morte chocou até as paredes do compartimento onde a criança foi esfaqueada.
Chocou o mundo humanizado.
Que sociedade é esta em que vivemos?
Que monstros está a produzir a política da violência, do vinho, do desemprego, da crueldade e da morte que o governo português apoia sem se dar conta?
O que fazem as comissões de protecção de menores?
Espero que a morte do menino chamado Henrique sirva para lançar em Portugal a reflexão que urge sobre o tipo de sociedade que políticas mal orientadas, pouco reflectidas e negligenciadas está a construir.
Que este filicídio sirva também para rever a moldura penal portuguesa. Vinte e cinco anos de cadeia para tal crime é demasiado pouco.
E se a Justiça nos falha, falha toda a estrutura Humana.
Isabel A. Ferreira
© Isabel A. Ferreira
Neste Natal frio, como todos os outros Natais, não fingirei contentamento; não me envolverei numa auréola de Paz e de Harmonia; não sorrirei como se tudo ao meu redor transmitisse quietude...
Neste Natal, não vos falarei daquele Menino Divino, cuja influência dividiu o mundo entre Cristãos e Pagãos, e tão inocentemente lançou os povos em grandes abismos ideológicos, na esperança de alcançarem um lugarzinho no reino dos Céus.
Neste Natal, não enfeitarei pinheirinhos; nem farei repicar o sino na torre da igreja; nem entoarei melodiosos cânticos; nem trocarei hipócritas mensagens de Boas Festas.
Neste Natal, não sairei pelas ruas ornamentadas, coloridas, impregnadas daquele ar consumista, que transforma qualquer tentativa de festividade religiosa numa extraordinária festa comercial; e não me encherei de pacotes disto e pacotes daquilo, só para constar que também participei na grande mercancia.
Neste Natal, não tenho motivos para festejar o Natal. Que Natal? Natal de quê? Natal porquê? Se todos os anos as mesmas cenas (não os mesmos rituais: esses perderam o seu primeiro sentido há muito tempo) se repetem cada vez mais automatizadamente. Cada ano se renovam (e não se cumprem) as mesmas promessas de se construir um mundo mais digno do Homem, daquele HOMEM que o Menino, tão falsamente festejado nesta quadra, desejou que vivesse num mundo harmonioso e pacífico.
Neste Natal, não distribuirei falsos sorrisos, porque não me apetece sorrir. Que motivos terei para esbanjar a minha alegria? Apenas as crianças merecem o meu sorriso, e, para elas, ele jamais será falso, porque lhes mostro o outro lado do Natal, e elas entendem e concordam e conseguem discernir entre a hipocrisia que as rodeia e o verdadeiro sentido da vida, e então, podem sorrir comigo, sem medo, numa cumplicidade tão secretamente harmoniosa e só nossa...
Neste Natal, não inventarei que a neve cai lá fora, de mansinho, inundando a natureza de um branco imaculado; e que as estrelas brilham mais intensamente, lá no alto; e que, em cada lar reina a alegria e uma paz celestial, diante de uma mesa farta de tudo... mas se os corações estão vazios de amor, de que adianta essa aparente fartura?...
Neste Natal, recuso-me a comungar dos falsos conceitos, que os falsos cristãos pretendem impor, quando, uma vez por ano, se lembram de que há gente morrendo de fome todos os dias, e então, num gesto resgatador, desatam a distribuir comida, roupa, dinheiro, porque é praxe lembrarem-se dos pobrezinhos no Natal (e apenas no Natal) para poderem cear a farta ceia, com a consciência tranquila, do dever cumprido.
Neste Natal, mostrarei a minha revolta desejando àqueles que desconhecem (por intencional ignorância ou por simples maldade) o significado da SOLIDARIEDADE HUMANA, materializada nos gestos de cada dia, uma vida plena do mesmo mal-estar que provocam aos que são atingidos pelos seus actos ignóbeis.
Para quê mostrar hipocrisia? Só porque é Natal?...
Não! Não podem acusar-me de sentimentos anti-cristãos. Eu não sou Deus. Mas se até o divino Filho do Todo-poderoso, feito Bondade e contemporizador, se revoltou contra os vendilhões que profanaram o templo de seu Pai, e os expulsou à chicotada, num gesto de fúria, porque não hei-de eu, simples mortal, deixar que a revolta me possua e me dê forças para combater (não para castigar) os que, impiedosamente, fazem murchar o sorriso dos inocentes, tal como um fungo maligno destrói a beleza das flores?...
Neste Natal, recuso-me a ser hipócrita. Por que haveria de esquecer, apenas porque é Natal, todas as crueldades que durante todo o ano se cometem contra seres, humanos e não humanos que, tal como eu, amam a vida tão intensamente, e gostam de a viver desfrutando da harmonia cósmica que nos foi concedida nos princípios dos tempos?!...
Porque hei-de fingir por um dia que todas as pessoas são pessoas, quando sabemos que sob muitas das carcaças humanas que vemos circular à nossa volta, se escondem os piores carácteres e o mais falso humanismo?
Neste Natal, não aceitarei o cântico «Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra aos homens de boa vontade», porque a má vontade dos homens impera sobre a glória de Deus, transformando o mundo num imenso vale de lágrimas, onde parece não haver lugar para a Paz...
Neste Natal, tão frio como todos os outros Natais, não fingirei contentamento; não me envolverei numa auréola de Paz e de Harmonia; não sorrirei como se tudo em meu redor transpirasse quietude...
Neste Natal, as trevas cobrirão o mundo, porque os homens de má vontade assim o querem; mas eu, eu não participarei nesse banquete farto de hipocrisia.
Neste Natal, o meu protesto será absoluto...
Entre as minhas papeladas, encontrei esta carta escrita no DIA MUNDIAL DA CRIANÇA, do ano de 1984, um trabalho colectivo das turmas do 1º ano, A e N e do 2º ano, B, D e F, da Escola Preparatória de Irene Lisboa (Porto), para a UNICEF.
Hoje, as crianças que escreveram esta carta já serão umas senhoras e uns senhores, com certeza, responsáveis por outras crianças.
Gostaria de partilhar convosco estas palavras escritas em 1984, que poderiam ser as mesmas de hoje, e o Menino do Líbano, a quem é dedicada a carta, poderá ser qualquer menino do nosso mundo, onde a criança ainda não é considerada um Ser Humano com Direitos.
A carta continua tão actual como em 1984.
De então para cá, o que mudou? O que se fez para mudar as coisas?...
Menino tão triste
sem nome
sem pais
menino da fome
do frio
da terra
do terror da guerra
Menino do Líbano
sem casa
sem sorte
menino doente
menino da morte
apavorado
gritando de dor
que sofres
que anseias
um pouco de amor.
Se jogo à bola
se apanho uma flor
se salto
contente
de ser tão feliz
se olho as estrelas
e sinto a beleza
do céu
e do mar
porque tenho amigos
e sei
o que é amar
também penso em ti
Menino do Líbano
e como é urgente
a guerra acabar.
A ti
porque choras
(e podia ser eu)
gostava de dar-te
daquilo que é meu.
Mas
eu vou crescer
e no mundo
doente
em que hoje vivemos
prometo lutar
de um modo diferente
a favor da vida
da paz
da justiça
dos meninos perdidos
na escuridão
sem nunca esquecer
que és meu irmão!
***
Espero que estes meninos de 1984, estejam a cumprir o que aqui prometeram, agora que são adultos responsáveis.
Mais do que nunca precisamos de lutar para que TODAS AS CRIANÇAS DO MUNDO sejam amadas e vejam cumpridos os seus mais elementares direitos.