Quarta-feira, 20 de Maio de 2020

Depoimento póstumo da cientista Maria de Sousa

 

Um texto para ler e reflectir, obrigatoriamente.

 

«É um documento de grande lucidez e coragem! Comovente, também. Trata-se de um alerta vigoroso para quem venha a sobreviver a esta calamidade planetária, que atinge os seres humanos. Como se disse, merece ser difundido a vários níveis da sociedade, desde os órgãos de informação, aos responsáveis dos diferentes graus de ensino, da ciência, cultura, dirigentes autárquicos, associativos, sindicais, governantes do poder central e local, dirigentes religiosos, etc... E difundido JÁ! Se assim não for ficará esquecido, como tantos outros, no fundo de uma qualquer gaveta.

 

Ora, na minha opinião, o depoimento, em si mesmo, tem um valor pedagógico que não deve ser ignorado.

 

Encaminho para ler e reflectir

Cumprimentos, 

Jaime Teixeira Mendes

Presidente da AMPDS (Associação de Médicos pelo Direito à Saúde)

Maria de Sousa 1.pngMaria de Sousa

 

Depoimento póstumo da cientista Maria de Sousa, de 80 anos, falecida a 14 de Abril com a Covid-19.  Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigadora do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes. 

          

Percebeu a migração organizada dos linfócitos, células do sistema imunitário, tem o seu nome nos manuais sobre este sistema.   

 

Este texto é uma importante lição, de conhecimento e lucidez, que Maria de Sousa deixa a todos nós.     

 

Este testemunho devia ser dado a ler e explicado a todos os jovens, nas escolas e nas famílias (já para não falar dos adultos, governantes ou simples cidadãos) porquanto representa um aviso e um alerta certeiro apontados aos problemas de hoje e do futuro imediato.

 Carta aberta de uma cientista optimista às novas gerações. 

   

A cientista Maria de Sousa, ao saber que estava infectada com a Covid-19 e consciente da sua situação de alto risco, despediu-se dizendo:

 

«Espero perdurar por via dos que ficam vivos”. Por mais dolorosa e triste que seja a morte, a vida tal como a conhecemos na Terra é infinita. As novas gerações sucedem-se ciclicamente e cabe sempre a elas a construção do nosso futuro colectivo.

 

Faz parte de ser jovem estar convencido de que vamos ser capazes de mudar o mundo para melhor.

 

Eu já não sou cronologicamente jovem, mas continuo a acreditar num cenário optimista para o futuro da humanidade!

 

É preciso coragem para mudar, sobretudo quando o nosso estilo de vida actual é tão confortável.

 

No entanto, as evidências científicas são irrefutáveis: a exploração que o homem está a fazer da natureza é insustentável.

 

Vivemos obcecados pelo crescimento económico, mas não é possível que as economias de todos os países continuem a crescer indefinidamente. Considero fundamental que os jovens de hoje se consciencializem dos inevitáveis riscos a curto prazo e façam ouvir a sua voz, pressionando a sociedade para a mudança.

 

Acredito que a ciência e a tecnologia vão tornar-se ainda mais essenciais nas nossas vidas. Precisamos de observações e medições rigorosas de tudo o que se passa em todos os locais do planeta para estarmos alerta e sabermos onde actuar. Mas acima de tudo precisamos de novas soluções para viver em harmonia com a Terra, desde novas formas de nos deslocarmos a novas formas de nos alimentarmos e reciclarmos o lixo que produzimos. Novas soluções para um problema não surgem de repente a partir do nada. São necessários anos de intensa investigação científica, e muitos problemas estão ainda por resolver.

 

Por exemplo, a propósito da actual pandemia, importa lembrar que entre 1918 e 1919 ocorreu um surto de infecção causada por um novo vírus da gripe que matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Já se usavam máscaras de protecção, desinfectantes e distanciamento social, mas não havia testes de diagnóstico, nem medicamentos, nem ventiladores. A 1ª vacina para a gripe foi desenvolvida em 1940 e aplicada apenas em militares. Só em 1960, após uma pandemia causada por um novo vírus da gripe que entre 1957 e 1958 matou mais de um milhão de pessoas em todo o mundo, iniciaram-se os programas de vacinação para grupos de risco (isto é, pessoas com doenças crónicas ou com mais de 65 anos). Uma vacina confere imunidade contra um tipo específico de vírus. Ora, o vírus da gripe altera com muita frequência a sua informação genética, dando origem a novas formas de vírus que escapam ao efeito da vacina. Esta diversidade genética dá também origem, ocasionalmente, a formas de vírus mais agressivas que causam pandemias. Foi o que voltou a acontecer em 1968, com mais de um milhão de mortes em todo o mundo, e apenas há dez anos, em 2009, causando a morte de cerca de 600 mil pessoas a nível mundial. Porque a capacidade de se reinventar geneticamente é uma característica de todos os vírus, a humanidade sempre esteve e vai continuar a estar sujeita a surtos de infecção por novos vírus. Foi o caso do VIH – vírus da imunodeficiência humana, causador da sida. Esta nova doença começou a ser detectada em 1981 nos EUA e já matou 32 milhões de pessoas no mundo. Em 1994, a sida era, nos EUA, a principal causa de morte de pessoas entre os 25 e os 44 anos. Só em 1995 começaram a ser ensaiados os primeiros medicamentos que viriam a ter um grande sucesso, evitando as mortes e transformando a sida numa doença crónica.

 

Mais recentemente, em 2003, foram reportados na China os 1ºs casos duma nova doença respiratória denominada SARS, causada por um coronavírus parente do actual SARS-CoV-2. Em plena pandemia, a sociedade pede muito aos cientistas medicamentos e vacinas eficazes.

 

Maria de Sousa.png

 

Que lições tirar para o futuro? Acima de tudo, as novas gerações têm de estar conscientes de que vão ser confrontadas com grandes desafios. A falta de respeito pelos animais selvagens, vítimas de captura e comercialização, favorece a infecção humana por novos vírus (ou outros microorganismos patogénicos) que poderão causar mortalidades bem mais altas do que a actual pandemia.  Muitos modelos ainda praticados na indústria agro-pecuária incentivam a destruição de florestas, interferem com a qualidade dos solos, são poluidores e favorecem a propagação de epidemias em plantas e animais. Vão certamente ocorrer grandes desastres naturais como fogos, tempestades e terramotos. As alterações climáticas são uma realidade instalada. Vai faltar a água e aumentar a poluição.  As sociedades do futuro vão depender da ciência e da tecnologia para lidar com catástrofes. Mas as sociedades de hoje insistem em ignorar os múltiplos alertas dos cientistas para perigos eminentes que ainda podem ser evitados.

 

Por isso, deixo aqui o meu apelo às novas gerações para acabarem de vez com a ilusão de que vai ser possível continuar a viver com os hábitos de hoje e a fazer os negócios do costume. O meu outro apelo é para valorizarem e cultivarem a ciência. Todos os jovens, independentemente das suas profissões futuras, devem ser treinados a aplicar o método científico nos problemas com que se deparam no dia-a-dia. Rigor na observação, raciocínio lógico nas deduções, conclusões baseadas em experimentação.  Em paralelo, as profissões ligadas à ciência têm de ser atractivas e apetecíveis. Tal implica organização, infraestrutura e recursos em permanente actualização.

 

Finalmente, um alerta: todas as áreas do saber são igualmente importantes. Os avanços tecnológicos mais transformativos resultaram de descobertas que podiam, à primeira vista, parecer irrelevantes. Para o avanço da ciência não há temas de investigação inúteis, desde que as perguntas sejam bem formuladas.

 

E a ciência não pode deixar de avançar, sob pena de não sermos capazes de resolver os imensos desafios com que nos vamos deparar!»

***

Ver neste link a mensagem deixada por Maria de Sousa, num belo poema lido na SIC, por Rodrigo Guedes de Carvalho: 

https://www.msn.com/pt-pt/video/tvi24/a-mensagem-deixada-por-maria-de-sousa/vp-BB12GAHL?fbclid=IwAR2tv43Ix58mKTWAIaPZJCoNZYghsWe5fc9XgRD3HeKbe7-Qg6PB45fZfsY

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 17:00

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