Chamavam-lhe o Poeta.
Não apenas porque escrevesse poesia, mas porque entendia a linguagem das flores; porque sabia como descobrir nas nuvens as formas de um veado; porque sentia a nostalgia do canto de um pássaro engaiolado; porque se preocupava com a monotonia da vida de um caracol; e, principalmente, porque conhecia o segredo de como plantar o Sol no seu jardim.
Era poeta porque amava a vida.
Viver para ele, além de muitas outras banalidades, significava ajudar os menos fortes a subir a montanha. Todos nós somos humanos, e ser humano é ser fraco também. Esta era a sua filosofia.
Era um homem sonhador, sentimental, apaixonado, por natureza. Subia às nuvens com a mesma facilidade com que descia aos infernos. Por isso, quando se deixava envolver pela magia de um olhar, de um sorriso, de uma palavra ou de um simples gesto, nunca se levava a sério. Ou... quase nunca.
Mas lá veio um dia em que o envolvimento lhe foi fatal, e, ao fazer uma viagem pelo interior de si próprio, encontrou-se no meio de uma revolução. Tentara racionalizar os seus sentimentos, simplesmente porque tinha medo das palavras que pudesse pronunciar em voz alta, e perdera assim, uma batalha.
Era um ser confuso. Atormentado (qual o poeta que não o é?!). Sentia-se perdido num mundo selvagem onde o egoísmo e a indiferença imperavam. Vivia dia após dia na dor, na tristeza, na angústia, na ansiedade e naquela solidão que dele fazia um verdadeiro poeta.
Refugiava-se na música, e foi ao som das mais belas melodias que ele escreveu as suas páginas mais célebres, como esta, dedicada à sua amada, dele separada por uma distância abismal:
«Tudo começou em ti. Tudo começou por ti. Contigo. Depois veio a música... «La vie bréve» (de Manuel de Falla) e eu voei alto... contigo. Dançámos. Sorrimos. Dançámos novamente. Olhámo-nos nos olhos. Fixámos esse olhar e o tempo parou nesse instante... E a música soou mais suave... «Claire de Lune» (de J. Massenet). Mas já não dançávamos. Caminhávamos apenas, de mãos dadas, por um bosque sombrio... Silenciosos... (as palavras quebrariam a magia do momento). Novamente a música... «Valse Triste» (de Jan Sibelius). No bosque sombrio, tu, a música e eu... O sorriso, o silêncio e o sonho desfazem-se... (O sonho... sempre o sonho...). Parámos no fim do caminho. Para além... (lá do outro lado do sonho) a realidade esperava-nos. Era melhor despedirmo-nos. Olhos nos olhos. Sem lágrimas. Sem palavras... «La vie bréve» (novamente). Sonho apenas sonhado. Restei eu (do lado de cá do meu sonho)... Tudo começou em ti. Depois veio a música. E agora... tudo termina em mim...»
Em outro momento louco escreveu:
«Ouço Wagner. A sua música, inspirada também num amor impossível, sublimado pela dor da renúncia. Criação máxima da sua musicalidade. Melodia quase fúnebre para um funeral de amor. Mas, pelo menos, Wagner teve o consolo de ter talento para sublimar os seus mais profundos sentimentos. O seu romance impossível não foi em vão. Ah! quem me dera ter o talento de Wagner para poder também cantar tudo o que sonhei!... Mas não! Não quero sonhos. Não quero sublimações. Não quero cânticos. Nem melodias. Nem poesias. Não quero palavras. Nem olhares. Nem fugas. Nem silêncios. Não quero ausências. Nem medos. Queria apenas que o tempo parasse naquela manhã em que te vi chorar à beira do caminho!».
Num outro momento, não menos arrebatado do que todos os anteriores momentos, ele escreveu: «Ao som de «Os Barqueiros do Volga» navego em mar alto... perdido e só... Ah! Se pelo menos avistasse uma barquinha...».
E era no mar que banhava a cidade onde nascera, que ele, o poeta encontrava o equilíbrio do seu atormentado mundo interior. Passava horas, pasmado, estendido no areal. Fizesse chuva, fizesse sol, lá estava ele, olhar perdido nas ondas que o entonteciam e enfeitiçavam, porque elas traziam o canto das sereias, no qual ele escutava a voz da sua amada.
E só por ela foi poeta.
E por ela, numa tarde morna de Outono, acabou por seguir aquela voz, e afundou-se nas águas calmas do seu mar...