Copyright © Isabel A. Ferreira 2010
Cerimónia de abertura do Correntes d'Escritas, no Casino da Póvoa de Varzim, com Luís Diamantino, Vereador da Cultura, no uso da palavra
Realizou-se na Póvoa de Varzim, a 11ª edição do «Correntes d’Escritas», um encontro de Escritores Ibero-americanos, sempre muito concorrido, que decorreu entre 24 e 27 de Fevereiro passado.
Sigo este evento desde a sua 2.ª edição.
Na 1.ª encontrava-me tão afundada no lodo de um poço, para onde uns predadores me atiraram, arrancando-me o meu trabalho, feito de um jornalismo incómodo, deixando-me desnuda no meio da rua, como uma qualquer. Logo a mim, que amava as palavras (e ainda amo). A mim, para quem escrever era a própria vida (e ainda é)! Como ir ouvir falar de palavras, estando eu no fundo de um poço lodoso?
Não assisti àquela 1.ª edição, portanto.
À segunda, já mais liberta, mas ainda profundamente magoada, não resisti, e decidi ir ouvir os escritores.
Depois desta primeira vez, confesso, fiquei viciada.
Não vou fazer um relato do que se passou nesta edição, porque a tal não sou obrigada. Não estou ao serviço de ninguém. Hoje em dia, só escrevo o que me apetece. O que detém o meu olhar. O que me toca o coração. O que agita os meus sentidos.
De modo que, ater-me-ei apenas àquilo que mais me chamou a atenção, entre tudo o que vi e ouvi.
Devo dizer que o que mais gosto no Correntes d’Escritas é das “Mesas”, que não são redondas, mas rectangulares, onde grupos de cinco escritores e um moderador “esgrimam” ao redor de temas, quase sempre complexos, de difícil compreensão, autênticos desafios à imaginação e à criatividade.
E é isso que me fascina, pois todos, de um modo ou de outro, acabam por rodear a questão ou mergulhar nela, até ao fundo, lá, onde se escondem os segredos das palavras, e cada autor cria um universo inteiro ao redor dos temas.
E o que se descobre entre tanta diversidade de ideias, de vivências, de imaginação, de pura criação literária!
Depois há aquela Feira do Livro, que é uma tentação! Livros. Tantos! Venho sempre carregada deles, e nem sempre consigo dar vazão à leitura, de um ano para o outro. Mas isso que importa, se os tenho junto a mim, a aguardar vez?
E há também os momentos inesperados, aos quais não resisto e deixo registados em fotografias!
Este ano, houve alguns pormenores que me “tocaram” (para o bem e para o mal) e é deles de que me ocuparei.
A ministra da Educação do actual governo
Isabel Alçada, na sua conferência
O «Correntes» abriu com uma palestra proferida por Isabel Alçada, Ministra da Educação do nosso actual Governo, sob o tema «Leitura, Escrita e Educação».
Eu conhecia-a como escritora, e não me desiludiu. Por vezes desiludo-me com as pessoas que sobem a um certo pedestal (quase sempre de barro) e tornam-se vedetas de coisa nenhuma.
Isabel Alçada foi ela própria: simpática, culta, acessível. E gostei do que disse, políticas da educação à parte.
A guilhotina dos editores
Maria Teresa Horta (ao centro) ladeada por Luís Naves e Gilda Nunes Barata
Maria Teresa Horta, na sua intervenção, e a propósito de alguém ter dito que uns tantos livros do Poeta Eugénio de Andrade haviam sido queimados, disse que a sua editora guilhotinou 500 dos seus livros (sem o conhecimento dela), e que ela pensava que estavam esgotados.
Estarreci-me, embora soubesse que tal poderia acontecer, uma vez que já tinha assinado um contrato, em que uma das cláusulas se referia precisamente à destruição dos exemplares que não fossem vendidos. Dava-se ao autor a oportunidade de os “comprar” por um preço abaixo do mercado, e se ele não quisesse, então os livros seriam destruídos.
Foi um choque para mim, aquela cláusula. Ainda barafustei. Era a minha primeira vez, nestas coisas. Confesso que não gostei, fazendo-me lembrar o tempo da Inquisição e da Ditadura e do pré-25 de Abril, em que se queimavam aqueles livros que incomodavam as pessoas de mentalidade pequenina.
Se é para guilhotinar ou queimar livros então melhor deixá-los nos bancos dos jardins, para que as pessoas os levem para casa. Seria um modo de “fazer” leitores. Uma utopia? Quem não as tem?
O trabalho da escrita desvalorizado
Ouvi, pela boca de muitos escritores presentes, falar do pouco valor que se dá ao trabalho de um escritor, que passa horas, dias, semanas e até anos a escrever um livro, e só tem direito às migalhas do pão, porque existem os intermediários (editores, distribuidores, livreiros) que levam o pão inteiro.
Se um autor vai falar sobre algum tema, a algum lado, ninguém lhe pergunta quanto custa o trabalho que teve ao preparar o tema. Quando é convidado a escrever algo, é o mesmo vazio.
É como se quem escreve tivesse a obrigação de escrever, e de se alimentar da água da chuva e do ar, que é o que não se tem de pagar (ainda).
Se o escritor quer ser e aparecer sujeita-se a esta humilhação. E não há lei nenhuma que proteja o trabalhador, cujo instrumento de trabalho são as palavras.
Isto é uma coisa muito à portuguesinho, e que não combina com uma coisa chamada Cultura Culta.
Bernardo Carvalho: um brasileiro insatisfeito
Bernardo Carvalho (o primeiro a contar da esquerda)
Chocou-me a intervenção do conceituado escritor brasileiro Bernardo Carvalho, que teve a insensatez de dizer que a colonização portuguesa e a escravatura no Brasil foram as piores de todas as colonizações e escravatura. Tendo sido convidado para vir ao "Correntes d'Escrita, teve a ousadia de insultar a inteligência dos Portugueses, com a lavagem cerebral que lhe fizeram no Brasil, relativamente à História da Colonização. Muito lamentável.
Estive para intervir, porém, considerei que aquele nem era o lugar nem o momento próprios para contestar um naco da nossa História que, no Brasil, está muito mal ensinada, deturpada e cheia de mentiras. Bernardo repetiu o erro de Laurentino Gomes, no livro «1808», contestado por mim. Desconhecerão os brasileiros as colonizações espanhola, francesa, inglesa, holandesa, e por aí fora? Os Portugueses foram, ainda assim, os menos cruéis.
Este é um assunto ao qual terei de regressar com o escritor.
Homenagem a Rosa Lobato Faria
Uma frequentadora do “Correntes”, que para sempre estará ausente. Contudo, ficaram os seus versos, os seus romances, as suas fotografias que transmitem uma beleza serena. E o «Correntes» homenageou-a através da leitura de poemas ditos por Aurelino Costa, poeta e “dizeur” por quem tenho grande apreço.
Aurelino Costa, Poeta e "dizeur"
Esta homenagem foi um momento discreto, marcadamente comovente. Vi lágrimas na assistência.
Lançamento de "História com Recadinho", da escritora Luísa Dacosta
Luísa Dacosta ao centro, ladeada de Leonor Xavier e do seu editor
Sigo desde 1983 a carreira desta escritora, considerada uma das maiores estilistas da Língua Portuguesa do século XX.
Trata-se de uma das minhas autoras preferidas, pela beleza de uma escrita invulgar.
Por isso dediquei-lhe um livro intitulado «Luísa Dacosta: “no sonho, a liberdade...”», um mal amado livro, onde abordo toda a sua obra, o seu pensamento, a sua vida, ilustrado com fotografias, a maior parte delas, que só eu tenho.
É sempre com muita mágoa, pois, que quando assisto a uma intervenção pública da Luísa Dacosta, verifico que ela ignora este livro único, sobre a sua pessoa, e a ele nunca se refere.
Na Feira do Livro do «Correntes d’Escritas» encontravam-se alguns dos seus livros à venda (o que também é coisa rara). Aproveitei então a oportunidade para pôr o meu «Luísa», à venda também, junto dos seus (o que muito agradeço ao Alfredo Costa, da Livraria Locus, da Póvoa de Varzim).
Contudo, não consegui vender nem um só exemplar.
Se ao menos a homenageada lhe fizesse jus (ao livro!), talvez alguém se interessasse por ele. Um livro que não foi devidamente divulgado, por opção dos divulgadores. Distribuo livros para divulgação e é como se os deitasse ao caixote do lixo (está tudo registado). Essa tem sido a minha grande mágoa.
Na Universidade de Nanterre, em Paris, este meu livro serviu de consulta para a tese que uma estudante elaborou sobre o livro de Luísa Dacosta, «Corpo Recusado», e várias vezes foi citado, nesse trabalho.
Este e outros episódios similares, se bem que raros, recompensa-me, de certa forma, do mau acolhimento em certos meios, cá dos nossos.
Será que em Portugal uma tal obra não interessará aos estudiosos da obra de uma autora portuguesa, da craveira de Luísa Dacosta?
Isabel A. Ferreira