FAZ HOJE UM ANO QUE A TAUROMAQUIA ESTEVE NA BERLINDA EM ONZE TRIBUNAIS PORTUGUESES
Eu (como arguida) e mais vinte defensores da Abolição de Touradas (como minhas testemunhas) fomos chamados a onze tribunais, espalhados de Norte a Sul do país, para defendermos os Direitos das Crianças Portuguesas que são lançadas para as arenas, por adultos irresponsáveis (pais e professores de toureio) e também os Direitos dos Bezerros, Touros e Cavalos.
(Origem da imagem: Internet)
Eu, por imposição da justiça, tive de me deslocar ao Tribunal de Fronteira (no coração do Alentejo profundo) para responder a um processo que um professor de toureio (mas não só) me instaurou, por não ter gostado dos adjectivos que utilizei para descrever o que a imagem, que aqui publico, sugere às pessoas mais sensíveis e evoluídas.
Este processo começou logo por ter uns meandros insólitos. Arranjaram-me um advogado oficioso, “a meu pedido” quando não pedi coisa nenhuma. Dada a natureza urgente do processo este estava a decorrer durante as férias judiciais, (facto que eu desconhecia). Entretanto, esqueceram de me notificar que deveria requerer a abertura de instrução dentro de um determinado prazo. Simplesmente assim. Não notificaram. E a mais não eram obrigados… porque há quem possa esquecer-se. Mas os arguidos não podem. E eu tinha de cumprir o prazo.
Portanto, foi por mero, mas por muito mero acaso, que o meu advogado, numa sexta-feira, se deslocou ao tribunal de Fronteira para consultar o processo, e saber do que me acusavam, quando para grande surpresa dele, reparou que só tínhamos até à segunda-feira seguinte, para apresentar as papeladas e o rol das testemunhas.
Foi um Deus que nos acuda!
Eu e ele, distanciados a quase trezentos quilómetros, um do outro, passámos o fim-de-semana a trabalhar como doidos. Para podermos cumprir o tal prazo.
Valeu-me o Facebook, onde lancei um pedido de S.O.S. para arranjar (o advogado queria quarenta) testemunhas. E foi então que aconteceu o milagre da solidariedade que existe entre os que defendem esta causa, e consegui, em dois dias, que 39 (trinta e nove) amigos se dispusessem a testemunhar.
Contudo, uma lei recente, só permite que se apresente vinte testemunhas, e tive de prescindir de 19. Restaram as vinte, os verdadeiros heróis deste processo, a quem fico eternamente grata, pois apresentaram-se nos tribunais de espada em riste, para desfazerem em pedaços o mito da "cultura" e da "arte" tauromáquicas.
Foi então que naquele dia 9 de Setembro de 2015, dezanove abolicionistas se deslocaram aos tribunais de Guimarães, Viana do Castelo, Vila do Conde, Valongo, Setúbal, Seixal, Sintra, Loures, Cascais e Lagos, todos a postos para prestarem declarações e arrasarem com a tauromaquia, através de videoconferência.
Eu estava em pleno coração do Alentejo, acompanhada do meu advogado e de um amigo (minha testemunha), que fez questão de me “escoltar” até Fonteira, terra do inimigo.
Rui, muito, muito obrigada, por este gesto tão solidário, que muito me sensibilizou.
Eu tinha vinte testemunhas e uma defesa bastante bem fundamentada, assente em bastantes elementos e documentos e depoimentos de especialistas e argumentos e definições, enfim, tudo o que é necessário para a defesa não falhar.
Estava calma, até porque, ora como arguida, ora como testemunha, ora como queixosa (e aqui consegui a prisão, com pena suspensa, para os indivíduos, por serem réus primários), e jamais como ré, ou seja nunca fui a julgamento, já perdi a conta das vezes que fui a tribunal. Portanto, estava como um peixe na água.
Quando entrámos no tribunal de Fronteira, pelas 14 horas, na sala de espera, ampla e bem arejada, já lá estava o queixoso (que nunca teve a coragem de me olhar nos olhos) e a sua advogada, que por coincidência se reconheceram, pois já haviam estado juntos num julgamento.
Entretanto, os dois foram chamados pelas magistradas (a juiz e a delegada do Ministério Público, duas senhoras, ainda muito, muito jovens) para conferenciarem.
Algum tempo depois, o meu advogado vem dizer-me que o queixoso pretende desistir da queixa.
Como disse? Fiquei estupefacta. Desistir porquê? Logo agora que eu e as minhas testemunhas estávamos preparadas para dar um golpe na tauromaquia, o queixoso ia desistir? Por alma de quem?
Vacilei. Mas entretanto obtive uma informação preciosa, que mudaria o rumo da minha decisão: eu já havia feito mossa através dos textos que tinha publicado. Já havia conseguido uma vitória: um processo disciplinar sobre o queixoso. A segunda vitória era a da desistência.
Fui aconselhada, então, pelo meu advogado e pelo meu amigo a aceitar. Eu já havia alcançado um dos meus objectivos. Sabia que, ainda que ganhasse este processo, a tauromaquia não iria ser abolida. Não já. Mas vai ser.
Mas isto de aceitar uma desistência tem os seus quês.
Era preciso fazer uma negociação. E aí é que a porca torceu o rabo. Nem eu aceitei as condições do queixoso, nem o queixoso aceitou as minhas condições, logo à primeira, e passámos a tarde a fazer e a desfazer tratos, até que, já a caminho das 17 horas, e a saber (porque um funcionário veio contar) que as minhas dezanove testemunhas desesperavam nos vários tribunais em que se encontravam, e o Rui na sala ao lado, também desesperava aguardando ser ouvido, sem saberem o que estava a passar-se.
Eu havia embirrado com uma exigência do queixoso, que não tinha qualquer importância, mas eu entendia que não devia ceder. As magistradas diziam que se não chegasse a acordo, teríamos de recomeçar tudo… noutro dia.
Foi este “ter de recomeçar” que me fez ceder. Não podia permitir que as minhas testemunhas tivessem de se deslocar novamente aos tribunais, depois de tanta “seca” naquela tarde, e eu teria de voltar a Fronteira, localidade que me deixou arrepiada, de tanto tresandar a tauromaquia. Até no restaurante, onde tivemos de almoçar, as paredes estavam cobertas com fotos de touros e touradas e havia uma cabeça de touro empalhada numa das paredes. Foi horrível!
Então cedi. Coisa sem importância: tinha de publicar em dois pequenos jornais da terra um pequeno anúncio a dizer que não tive a intenção de difamar o queixoso.
E na realidade não tive.
As minhas denúncias só tiveram um objectivo: defender os direitos dos animais humanos (as Crianças daquela região) e os direitos dos animais não humanos (Bezerros, Touros e Cavalos), sacrificados nas arenas para divertir os sádicos.
O motivo da desistência da queixa, ao certo, ao certo não o soube.
Porém, quando no final da sessão, e ainda dentro da sala de audiências, sem a presença das magistradas, me dirigi ao queixoso para lhe dizer os motivos que me levaram a escrever o que escrevi, tive de parar no porque… porque ele começou a tremer, de queixo enfiado no peito, e olhos baixos, sem coragem de me olhar nos olhos, e tremia e dizia…esteja calada… não diga mais nada…esteja calada…esteja calada… e tremia… e tremia... cada vez mais… Tive até a impressão de que lhe ia dar um ataque qualquer… Então pediram-me para eu o deixar ir em paz…
E eu deixei.
Foi então que, naquele preciso momento, percebi por que um homenzarrão daqueles (eu meço 1m 70cm, considero-me altinha, mas ele, ele era mais alto e forte do que eu) tremeu diante de mim e não teve a coragem de me olhar nos olhos, e ouvir o que eu tinha para lhe dizer.
É que eu não era propriamente um Touro bebé.
Diante dele também não estava um Touro com os cornos embolados, enfraquecido, drogado, perdido, assustado, ferido, desesperado…
Diante dele, estava uma mulher que olha nos olhos os seus inimigos e os enfrenta de cabeça bem erguida… sem medo e sem o mínimo sentimento de culpa…
Isabel A. Ferreira
***
Para comemorar o triunfo da afabilidade sobre a crueldade, convido-vos a ouvir, mas sobretudo a ver este vídeo. Estejam atentos à criança que nele aparecerá várias vezes, e quase no final, reparem na expressão dela, e comparem essa imagem, com a imagem da criança a tourear o bezerrinho, e entenderão com mais clareza o sentido da última frase do meu texto…
Basta ser-se lúcido.
Eis uma análise perfeita a esta injustiça (mais uma) que envergonha os Poderes Judicial e Policial
(Origem da foto: http://www.tugaleaks.com/marcelo-mendes.html)
Carlos Ricardo, deixou um comentário ao post JUSTIÇA À PORTUGUESA: MONTADOR ACUSADO DE ABALROAR MANIFESTANTES ANTITOURADA NÃO VAI A JULGAMENTO às 02:44, 2014-06-20.
Comentário:
«Na altura deste incidente, enviei um e-mail á "Animal" (04 Setº 2012) e que abaixo transcrevo e que gostava que analisassem. Chamo também a atenção para uma entrevista que o Tauricida M. Mendes deu na TV (neste momento não me lembro em que canal, mas que o disse, disse) e que transcrevo no ponto 7.
Não sei se esta declaração do M. M. (Marcelo Mendes) na entrevista foi tida em conta pelo juiz ou apenas aceitou a 2ª versão de que não conseguiu dominar o cavalo (extraordinariamente desmontada por Vasco Reis).
Desconheço o teor das queixas feitas pela "Animal" e outras pessoas, mas espero que conste o que alertei na altura (a seguir):
"Visionado o vídeo com atenção, verifiquei que a acção da polícia foi MUITO NEGATIVA e não foi acautelado nem cumprido por esta, a missão de que estava incumbida (manutenção da ordem pública). Se não vejamos:
1. A posição dos elementos policiais numa situação destas, SÓ podia ser, colocarem-se entre os manifestantes (MANIF.) e os taurinos; Caso tenham recebido ordens diferentes, é absolutamente contra uma estratégia PREVENTIVA.
2. Ora, se estivessem nos seus correctos postos, a polícia estaria virada para os manif, ou para os taurinos (estar metade virada para os manif. e a outra metade para os taurinos, não me parece que fosse o caso, mas também vou analisar essa possibilidade)
3. SE ESTIVESSEM VIRADOS PARA OS MANIF. não veriam a 1ª investida do M. M., mas CERTAMENTE VERIAM os manif. atirar pedras ao cavalo (como estupidamente acusa o M. M. na entrevista na TV). E, se tal vissem, ninguém me convence que não actuariam de imediato, quiçá, batendo ou pelo menos prendendo quem atirou pedras!!! Se viram (impossível, porque isso não aconteceu) e nada fizeram, então não acautelaram a ordem pública nem cumpriram eficazmente a missão para que foram destacados. E a prova da sua ineficácia, desleixo e NÃO PROTECÇÃO DOS CIDADÃOS PACÍFICOS foi que permitiram uma 2ª investida. E, tratando-se de uma tentativa de agressão, utilizando uma arma (o cavalo) superior á dos "adversários" (a lei proíbe isso) O M. M. DEVERIA TER SIDO IMEDIATAMENTE DETIDO, POR FLAGRANTE DELITO.
4. SE ESTIVESSEM VIRADOS PARA OS TAURINOS, poderiam não ver "as pedras" mas VERIAM CERTAMENTE A INVESTIDA DO M. M. ! E, neste caso, também não actuaram como profissionais de prevenção e defesa da integridade física dos cidadãos. E que a polícia não venha dizer que foi tudo muito rápido e que não foram a tempo de impedir que o M. M. investisse. Se NÃO FORAM A TEMPO É PORQUE ESTAVAM MAL POSICIONADOS e então terá que se culpar QUEM LHES DEU ORDENS!!
5. SE ESTIVESSEM METADE VIRADOS PARA UNS E METADE VIRADOS PARA OUTROS, então, com mais forte razão, verificavam os actos de ambas as partes!!
6. O tempo que a polícia levou a actuar e quando o fez DESEMBAINHOU OS BASTÕES e FOI DIREITA AOS MANIF. e SÓ DEPOIS FORAM "FALAR" com o bandido, MOSTRA BEM COM QUE ORDENS FORAM ALI COLOCADOS!!
7. Sobre as acusações do M. M. na TV, quando diz que o cavalo se assustou com as pedras e recuou para cima dos Manif., isso é simplesmente anedótico... Dizer que, na 2ª investida, foi para capturar um manif. que o ofendeu, isto é tentar fazer justiça pelas próprias mãos pondo em risco a vida das outras pessoas !! Ter em atenção que o M. M. diz que perseguiu o manif. para o entregar á polícia "QUE NA ALTURA NÃO ESTAVA ALI" !!!! Então onde estava?"
Se perante todos estes factos o juiz decidiu como decidiu, só pode ser má fé ou incompetência desse juiz.!!!»
***
Dispenso acrescentar alguma coisa a esta análise.
Está aqui tudo.
Um excelente trabalho de jurista, sem o ser, Carlos Ricardo.
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ESCLARECIMENTO:
A Carla Ferreira enviou-me este esclarecimento:
«Só para esclarecer, a propósito do que escreveu no blog: a Polícia estava posicionada ao lado, mas um pouco afastada. Onde estavam, conseguiam ter alcance visual para ambos os lados. Se só agiram depois da 2.ª investida, não foi porque não tivessem visto nada. E mesmo quando agiram, demoraram até criarem uma barreira de segurança».
Obrigada, Carla Ferreira.