Terça-feira, 18 de Dezembro de 2012

«Se Deus tivesse falado…»

 

 

Este é o monumento erguido em homenagem a Spinoza, em Haia, e foi assim comentado por Renan em 1882: "Maldição sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas — pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu pedestal de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: este foi aquele que teve a mais profunda visão de Deus"…

 

***

Quando perguntaram a Einstein, se acreditava em Deus, respondeu: “Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no deus que se interessa pela sorte e pelas acções dos homens”.


Este foi sempre também o meu Deus, mas só hoje descobri este texto que Spinoza escreveu no século XVII…

 

Vou transcrevê-lo e dedicá-lo a todos os que praticam a violência, a crueldade e a tortura sobre seres vivos, humanos e não-humanos, para que não digam que ninguém lhes proporcionou a oportunidade de deixarem de ser ignorantes…

 

Isabel A. Ferreira

 

***

 

«Se Deus tivesse falado…»

 

Texto de Baruch Spinoza (*)

 

Pára de rezar e bater no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes da tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti. Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.

 

A minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. É aí onde Eu vivo e aí expresso o meu amor por ti. Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que a tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar o teu amor, o teu êxtase, a tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

 

Pára de ler supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes ler-me num amanhecer, numa paisagem, no olhar dos teus amigos, nos olhos do teu filhinho... não me encontrarás em nenhum livro! Confia em mim e deixa de me pedir coisas. Tu vais dizer-me como fazer o meu trabalho?

 

Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor. Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso culpar-te se respondes a algo que eu coloquei em ti?

 

Como posso castigar-te por seres como és, se Eu sou aquele que te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos os meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que espécie de Deus pode fazer isso? Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.

 

Respeita o teu próximo (todos os seres que criei) e não faças a ele o que não queres que te façam a ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, que o teu estado de alerta seja o teu guia. Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é a única que há aqui e agora, e a única de que precisas.

 

Eu fiz-te absolutamente livre. Não há prémios nem castigos. Não há pecados, nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registo. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.

 

Não poderia dizer-te se há algo depois desta vida, mas posso dar-te um conselho. Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse a tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei. E se houver, tem certeza de que Eu não vou perguntar-te se foste comportado ou não. Eu vou perguntar-te se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?

 

Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas a tua amada, quando agasalhas a tua filhinha, quando acaricias o teu cão, quando tomas banho no mar.

 

Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Aborrece-me que me louvem. Cansa-me que agradeçam. Tu sentes-te grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, das tuas relações, do mundo. Sentes-te olhado, surpreendido? Expressa a tua alegria! Esse é o jeito de me louvar. Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.

 

A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para quê tantas explicações? Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro de ti... É aí que estou a acenar-te…

 

***

(*) Estas palavras foram escritas por Baruch (Benedito) Spinoza, que nasceu em 1632 em Amsterdão, no seio de uma família judaica portuguesa, que fugiu da Inquisição em Portugal, e faleceu em Haia em 21 de Fevereiro de 1677. É considerado o fundador do Criticismo Bíblico Moderno.

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 14:53

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