Eu, que lidei com muitos ex-combatentes mutilados e traumatizados na Guerra Colonial, sei muito bem o que sentiram perante as infelizes declarações de Marcelo.
Numa mensagem lida no início da cerimónia comemorativa que junta os ex-combatentes no Monumento aos Mortos da Guerra Colonial, em Belém, eles não só honraram os mortos e os vivos e o papel de ambos na História de Portugal, como dispensaram não apenas a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, como também qualquer mensagem que ali ele pudesse deixar, esclarecendo essa rejeição, baseados nas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre "reparação histórica" às antigas Colónias.
No seu discurso, Marcelo destacou a capacidade de o Povo Português responder às adversidades e construir um futuro inclusivo de nacionais e estrangeiros, quando sabemos que Portugal, vergonhosamente, rasteja aos pés dos estrangeiros, em troca de favores.
Os ex-combatentes rejeitaram veementemente a mensagem de Marcelo, realçando essa rejeição numa declaração lida no início da cerimónia pejada de hipocrisias, da comemoração do 10 de Junho.
E qual o motivo para tal rejeição? Obviamente foram as infelizes declarações de Marcelo sobre o dever de "reparação histórica" de Portugal às ex-Colónias, que aqueles que empunharam armas para defender o então território nacional, em nome próprio e dos que morreram na Guerra do Ultramar, consideraram ofensivo e desrespeitoso, considerando ser «uma afronta a todos aqueles que se bateram por Portugal nos então territórios ultramarinos e à sua memória», salientando a desonra de Marcelo à própria História de Portugal, que demonstrou desconhecer.
«A Comissão Promotora para a Homenagem Nacional aos Combatentes que hoje, Dia de Camões e das Comunidades, se realiza, tendo presente as declarações de Sua Ex.ª o Presidente da República acerca do passado histórico de Portugal, em especial sobre o ex-Ultramar, considerando-as uma afronta a todos aqueles que se bateram por Portugal nos então territórios ultramarinos e à sua memória, e também à História de Portugal, que a todos orgulha, deliberou por unanimidade não solicitar a tradicional mensagem presidencial para ser lida nesta cerimónia", ouviu-se frente ao Monumento aos Combatentes da Guerra Colonial, mesmo no arranque da cerimónia do 10 de Junho.
Não podemos pôr para debaixo do tapete as reparações às ex-colónias", afirmara o Presidente, numa conversa com jornalistas estrangeiros, em vésperas do 25 de Abril. Nesse encontro, Marcelo disse mesmo que Portugal devia "pagar os custos" do seu colonialismo e sublinhou: «Há acções que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto.»
As declarações de Marcelo foram bastante debatidas, mas foram mais os que as rejeitaram, do que os que com elas concordaram. Os ex-combatentes, que lutaram na Guerra Colonial, sentiram-se especialmente feridos por essas palavras de Marcelo, fazendo questão de o demonstrar no dia em que se celebrou o Dia de Portugal.
Posso acrescentar que convivi pessoalmente com muitos combatentes, que perderam pernas e braços, e outros que ficaram traumatizados, e NUNCA um governante português teve a hombridade de reparar, de um modo ou de outro, essas mutilações e esses traumas.
É que «os combatentes são filhos de boa gente", segundo declararam na nota lida durante a cerimónia, realçando uma posição colectiva, daí rejeitarem o discurso de Marcelo, mais virado para os de fora, do que para os de dentro.
Falar em reparações às ex-colónias ou pagar os custos do colonialismo é desconhecer o curso da História.
Fonte em que me baseei para escrever este texto:
https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/artigos/ex-combatentes-rejeitam-mensagem-de-marcelo-no-10-de-junho
Isabel A. Ferreira