António Maria Pereira (o pai dos Direitos dos Animais em Portugal)
Por Teófilo Braga
Acabei de ler um livrinho intitulado “Touradas” com textos da autoria de M. Dulce Penaguião e Parceria A.M. Pereira e prefácio do Dr. António Maria Pereira, editado em Lisboa, em 2005.
Para além de “belos poemas sobre os momentos do martírio do animal”, todos os interessados na temática dos direitos dos animais e consequentemente na leitura do livro, que se recomenda, terão acesso a uma breve resenha histórica da luta pela abolição da tauromaquia em Portugal e não só, com destaque para a “memória da luta ancestral anti- touradas no seio da própria Igreja Católica, a invocação do pensamento de ilustres portugueses do século XIX, e do momento grande do Direito Português – pela mão de Passos Manuel - na abolição das touradas em Portugal”.
Dos momentos mais altos da história universal destacamos uma Bula do Papa Pio V, de 1 de Novembro de 1567, onde «Pio, Bispo, servo dos servos de Deus», depois de considerar «esses espectáculos de se correrem touros e outras feras em corro ou praça… alheio da piedade e caridade cristã» proíbe e veda «por esta nossa Constituição, válida para sempre, e sob as penas de excomunhão e anátema, em que hão-de ocorrer se a isso contravierem, que em suas províncias, cidades, senhorios, vilas e lugares, permitam espectáculos, deste género, em que se corram toiros e outros animais…».
Infelizmente, o direito da Bula de Pio V apenas durou oito anos, tendo sido levantadas as excomunhões por Gregório XIII, por pressões de Filipe II, rei de Castela.
Em Portugal, ficará para sempre lembrado o decreto-lei de Passos Manuel e da Rainha D. Maria II, de 19 de Setembro de 1836, que determinou «que de ora em diante fiquem proibidas em todo o reino as corridas de touros» porque «são um divertimento bárbaro e impróprio de nações civilizadas».
O Dr. António Maria Pereira, no prefácio ao livro referido anteriormente, desmonta alguns dos estafados argumentos pró-touradas, como o da tradição que segundo ele «não pode obviamente sobrepor-se aos valores fundamentais da nossa civilização- e um desses valores é, precisamente, o da inadmissibilidade da tortura de homens ou de animais”» ou o da suposta “beleza” do espectáculo, escrevendo que «não há “beleza” que justifique o sofrimento ou a tortura de um homem ou de um animal».
No último parágrafo do mencionado prefácio, que a seguir se transcreve na íntegra, o Dr. António Maria Pereira dá a entender que, por mais areia que tentem colocar na engrenagem do progresso, mais cedo ou mais tarde acabará por ser respeitado o direito que todos os animais têm a serem respeitados:
«O vasto movimento universal pelos direitos dos animais não pára e dá-nos a certeza de que, tal como aconteceu com os autos-de-fé, com os enforcamentos públicos, com a escravatura e com tantas outras tradições bárbaras de épocas marcadas pela bestialidade dos costumes, as touradas estão fatalmente condenadas a desaparecer do mundo moderno.»
Mas, quem foi o Dr. António Maria Pereira?
O Dr. António Maria Pereira (1924-2009), foi advogado de profissão, tendo sido deputado à Assembleia da República, na primeira, quinta e sexta legislaturas, eleito em listas do Partido Social Democrata. Notabilizou-se no Parlamento Português pela defesa dos direitos dos animais, tendo sido o autor do projecto de lei que após a sua aprovação deu origem à primeira lei de protecção dos animais no país.
Na sua intervenção, em 1995, em defesa da aprovação da sua proposta afirmou: «Não podemos consentir que, em Portugal, se continue a torturar animais impunemente e que, como com frequência tem acontecido, os juízes a quem foram submetidos casos de crueldade com animais, para julgamento, se declarem impotentes e absolvam os réus por falta de lei aplicável! É uma questão cultural de ordem ética que está em causa. E é precisamente à luz da ética que deve entender-se a obrigação, que todos temos, de não torturar animais gratuitamente e de, na medida do possível, reduzir o seu sofrimento.»
Hoje, passados alguns anos, há que aprovar uma nova lei de protecção dos animais e há que dar continuidade ao labor daquele que foi algumas vezes menosprezado por colegas mas que é por muitos considerado o “pai dos direitos dos animais em Portugal”.
Teófilo Braga (Correio dos Açores, nº 2958, 27 de Novembro de 2013, p.16)
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