Muitos (e infelizmente nem todos) dos que têm como seu instrumento de trabalho a Língua Portuguesa, e minimamente conhecem, da Literatura ou do Jornalismo, a grafia brasileira, reconhecem imediatamente (e é que nem sequer é preciso ser-se catedrático nisto) que a grafia imposta pelo AO90 é a grafia brasileira, excePtuando alguns vocábulos que o Brasil não mutilou (como excePção, recePção, entre mais uns poucos e seus derivados), grafia essa, modificada apenas na acentuação e hifenização, obra de quem não tem a mínima noção da estrutura de uma Língua e deve milhares de Euros à inteligência, para constar que o Brasil também foi afectado por esta praga.
Ora, o que o AO90 preconiza é que os países ditos lusófonos substituam a Língua Portuguesa pelo Dialecto Brasileiro, na sua forma grafada, contribuindo com isto, para o empobrecimento da Língua, e pior do que isso, para o desaparecimento de uma das línguas indo-europeias, mais ricas e belas do mundo.
E do que falamos quando falamos de Dialecto Brasileiro? É isto que nos propomos a esclarecer, recorrendo aos mais abalizados estudiosos da Língua Portuguesa (e não só).
Dialectologia Portuguesa
Como é do conhecimento de quem estuda Línguas, ou de quem ama a própria Língua Materna, ou de quem tem a Língua como instrumento de trabalho, na sua origem, quase todas as línguas foram dialectos, que se foram impondo por diversas circunstâncias.
Sabemos que o Italiano, por exemplo, foi um dialecto do Toscano. Todas as línguas consideradas latinas, começaram por ser dialectos do Latim, incluindo o galaico-português, que deu origem à Língua Portuguesa e ao Galego.
Vejamos algumas “definições” de dialecto, por ilustres linguistas e lexicógrafos:
Raphael Bluteau, grande lexicógrafo da Língua Portuguesa, no seu dicionário Vocabulário Português e Latino, mais conhecido como o Vocabulário de Bluteau, considerado o primeiro dicionário de Língua Portuguesa, publicado entre 1712 e 1721, considera que um dialecto é «um modo de falar próprio e particular de uma língua nas diferentes partes do mesmo reino, que consiste no acento ou na pronúncia em certas palavras, ou no modo de conjugar e declinar».
David Crystal, linguista britânico, considera o dialecto a «variante de uma língua, distinta em termos sociais ou regionais, identificado por um conjunto de palavras e estruturas gramaticais, associadas a uma pronúncia específica».
Wilhelm Meyer-Lübke, filólogo suíço, define o dialecto crioulo como «falar indígena, resultado do emprego de uma língua de civilização pelos nativos nas suas relações, principalmente comerciais, caracterizado pela extrema simplificação das formas gramaticais».
Leite de Vasconcelos, o linguista e filólogo português que mais estudou a dialectologia portuguesa, entende que «o estudo dos crioulos tem grande importância, tanto para a psicologia da linguagem, como para a filologia, enquanto revelam operações notáveis no desenvolvimento da fala humana».
E foi deste modo que classificou os diversos dialectos que tiveram origem na Língua Portuguesa:
1 – Continentais:
Interamnense (entre Douro-e-Minho)
Transmontano (Trás-os-Montes)
Beirão (Beira-Alta e Beira-Baixa)
Meridional (sul de Portugal)
2 – Insulanos:
Açoriano (Açores)
Madeirense (Madeira)
3 – Ultramarinos:
1 – Dialecto Brasileiro
2 – Indo-português:
a – Dialecto crioulo de Diu
b – Dialecto crioulo de Damão
c – Dialecto norteiro (Bombaim, Baçaim, Chaul…)
d – Português de Goa
e – Dialecto crioulo de Mangalor
f – Dialecto Crioulo de Cananor
g – Dialecto crioulo de Maé
h – Dialecto crioulo de Cochim
i – Português da costa de Coromandel
3 – Dialecto crioulo de Ceilão
4 – Dialecto crioulo macaísta ou de Macau
5 - Malaio-português:
a – Dialecto crioulo de Java
b – Dialecto Crioulo de Malaca e Singapura
6 – Português de Timor
7 – Dialecto Crioulo Cabo-verdiano ou de Cabo Verde
8 – Dialecto Crioulo Guineense ou da Guiné
9 – Dialectos crioulos do Golfo da Guiné (Ilhas de São Tomé e Príncipe e Ano Bom)
10 – Português das costas de África – Angola, Moçambique, Zanzibar, Mombaça, Melinde Quíloa.
Eis, em suma, os crioulos e os dialectos aos quais a Língua Portuguesa deu origem, por esse mundo fora, e salta à vista que os linguistas (não os pseudo-linguistas) não consideram a língua que se escreve e fala no Brasil, o tal Português Brasileiro, mas sim um Dialecto Brasileiro, que seguirá o rumo natural dos dialectos, transformando-se, mais dia, menos dia, em Língua Brasileira.
Daí que ser premente que o Brasil fique com o Dialecto deles, e nós, Portugueses, fiquemos com a nossa Língua Portuguesa, para que esta possa ter futuro em Portugal, na Europa e no mundo. Se o AO90 se impuser, a Língua Portuguesa será extinta, como foi o Latim.
Não interessa ser a língua mais falada no mundo, quando essa língua perde a sua dignidade de Língua, e é substituída por um Dialecto.
Nada contra o Dialecto Brasileiro. O Brasil possui um riquíssimo vocabulário e uma Literatura fabulosa, que pode e deve seguir um caminho diferente do dos outros países ditos lusófonos, e mais propriamente de Portugal, o único país que se vergou a esta vergonhosa e ilegal imposição da grafia de um dialecto.
Ou haverá a pretensão de que todos os países ditos lusófonos tenham de grafar à brasileira, apenas porque eles são muitos e nós somos poucos?
A isto chama-se subserviência a uma Nação estrangeira.
Isabel A. Ferreira
Fonte:
Prontuário Ortográfico da Língua Portuguesa, de Manuel dos Santos Alves, Edição Universitária Editora, Lda. (Edição de 1993)