Elucidativo texto de Nuno Pacheco, jornal PÚBLICO
18.04.2019
Nuno Pacheco
Numa semana de perdas para a Cultura (o terrível incêndio que desfigurou a Notre-Dame de Paris, ou as mortes de Maria Alberta Menéres e Bibi Andersson) pode parecer desajustado falar disto. Mas não é possível ignorar um certo tweet brasileiro que prenuncia a extinção do “acordo ortográfico”, em coincidência temporal com a entrega, na Assembleia da República, das mais de 20 mil assinaturas da iniciativa de cidadãos (ILC-AO) que batalha para revogar a decisão que reduziu a três os países necessários para viabilizar o acordo.
Mas o que se passou, afinal? Isto: o jovem Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República [do Brasil] para Assuntos Internacionais, publicou dia 6 de Abril no Twitter (agora governa-se por Twitter) o seguinte textinho: “Depois de nos livrarmos do horário de verão, temos que nos livrar da tomada de três pinos, das urnas electrônicas inauditávris [sic; seria ‘inauditáveis’, mas as teclas “r” e “e” estão lado a lado e ele devia ter pressa] e do acordo ortográfico.” Somou, em pouco tempo, 706 comentários, 6100 likes e 1100 partilhas.
Filipe Martins, 30 anos, é tudo menos um sujeito recomendável. Antes da segunda volta que deu a vitória a Bolsonaro, afirmou: “O que está acontecendo no Brasil é uma revolução – a fucking revolution – e não há meios de pará-la.” Os seus gestos, declarações e provocações, muitas vezes em tom de pilhéria, valeram-lhe, segundo a imprensa brasileira, os epítetos de “revolucionário de Facebook”, “líder da direita jacobina” ou “Robespirralho”, referência ao temível Robespierre, propagador do terrorismo de Estado durante a Revolução Francesa.
Com tais pergaminhos, poder-se-á concluir, apressadamente, que a anunciada “morte” do “acordo ortográfico” (AO) no Brasil será um golpe da direita mais radical contra a esquerda. Nada mais errado. A lista de coisas a abater, onde o AO agora se inclui, reflecte o pendor pretensamente nacionalista que o Brasil copia de Trump (género “O Brasil primeiro”), menorizando ou deitando fora tudo o que tenha um aroma de acordo externo, importação ou até de simples concertação entre pares mais distantes. Daí que a lista inclua o horário de Verão (que Bolsonaro já garantiu que não vai aplicar em 2019), as placas para matrículas de automóvel com padrão do Mercosul, a tomada eléctrica de três pinos (importada em 2000 e obrigatória desde 2011), as urnas para votação electrónica (em uso no Brasil desde 1996, o governo contesta agora a sua fiabilidade) e, finalmente, o dito “acordo ortográfico”, tendo este último uma explicação simples. Não se trata da língua, já que essa pouco dirá a tais ditames, mas de negócio. Veja-se só este delirante parágrafo da notícia que dava conta do tweet de Martins, no portal brasileiro ClickPB: “O acordo ortográfico completou 10 anos no início deste ano. A padronização do idioma permitiu um aumento do intercâmbio cultural, com livros de ficção, didáticos, paradidáticos e científicos, e documentos, escrituras, contratos e textos de todos os gêneros circulando entre os países sem necessidade de revisão.” Como se sabe, e comprova, isto é absolutamente falso; hoje, como há dez anos. Mas foi este canto de sereia que hipnotizou muitos políticos, alguns intelectuais e legiões de analfabetos.
Embalado nesta onda, esperava o Brasil ter negócios garantidos com Angola e Moçambique, os maiores países africanos, pois com Portugal já tem. Azar: nenhum destes países ratificou o acordo nem mostra vontade de o fazer (Angola, aliás, é particularmente crítica do processo). Nem eles, nem a Guiné-Bissau, nem Timor-Leste. Só Portugal, Brasil e, por arrasto, Cabo Verde (que tornou o crioulo língua primeira, não o português) e São Tomé e Príncipe. Para que quer, então, o Brasil, tal acordo? Para exibir em cimeiras multilaterais? Para a CPLP? Nem pensar. O Brasil de Bolsonaro dispensa enfeites, sobretudo se não rendem nada.
Se o Brasil cumprir o “chilrear” do passarão Filipe Martins, repetir-se-á a patética situação em que Portugal ficou quando o Presidente brasileiro Café Filho revogou por decreto, em 1955, a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira que representantes de Portugal e do Brasil haviam assinado em 1945, já depois do falhado Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 1931. Serão os mesmos dez anos, para assinar e rasgar o acordo. Só que em 1945 a ortografia consagrada no acordo respeitava o sistema vocálico português, e assim ficou – aqui e nas colónias africanas que viriam, felizmente, a tornar-se países independentes; enquanto a do “acordo” de 1990 se conforma mais ao sistema vocálico brasileiro, resultando absurdo e injustificável por cá.
Que fazer? Crescer, que já é tempo para isso. Libertados deste imenso logro “unificador”, os países nele envolvidos podem, além de definir as suas ortografias, cooperar cientificamente na feitura de um grande dicionário (deixem os vocabulários, que nada resolvem), partilhável em linha, com as variantes vocabulares e ortográficas dos vários países aí consagradas, para que todos possamos saber como se fala e escreve no espaço lusófono. Só encarando a diversidade que existe, e se pratica no dia-a-dia dos nossos países, podemos celebrar a Língua Portuguesa.
Fonte:
No dia 27 de Março de 2019, o MPLP, publicou um Comunicado que pode ser consultado neste link:
para informar não só os seus membros, mas também todos os portugueses que continuam a lutar contra a destruição da Matriz da Língua Portuguesa, ou seja contra a imposição brutal, ilegal e inconstitucional da grafia brasileira em Portugal, através de um pseudo-acordo ortográfico (AO199), que na verdade é um Tratado Internacional, e como tal é regido pela Convenção de Viena, a qual foi igualmente violada.
Recapitulando e informando
1)- Por carta endereçada à Directora-Geral da UNESCO com data de 7 de Setembro 2018, cuja versão portuguesa foi publicada na Imprensa
https://www.publico.pt/2018/09/27/opiniao/opiniao/carta-a-unesco-pela-salvaguarda-da-lingua-portuguesa-como-patrimonio-cultural-imaterial-1845511, o MPLP formalizou uma queixa contra o Estado Português [ e os sucessivos governos desde a famigerada Resolução em Conselho de Ministros 8/2011 do governo de José SÓCRATES], junto da UNESCO, por violação de vários artigos da Convenção de 17 de Outubro de 2003, para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (CSPCI).
2)- Por carta de 7 de Janeiro de 2019, o MPLP forneceu à Directora-Geral da UNESCO vários outros documentos suplementares e informações relevantes para a devida instrução dessa queixa contra o Estado Português.
3)- Por carta com data de 22 de Março de 2019, a UNESCO respondeu ao MPLP. O núcleo coordenador do MPLP , com o apoio do seu assessor jurídico, Dr. Carlos Borges, decidiu estudar atentamente esta carta que lhe pareceu deveras interessante e prometedora para a continuação da luta contra a imposição ilegal e inconstitucional de um pseudo-acordo ortográfico (AO1990), calcado sobre a grafia da "Língua Brasileira", contribuindo assim para a destruição da Matriz da Língua Portuguesa. A UNESCO comunicou-nos claramente que «tomou nota da nossa inquietação no que respeita à autenticidade da Língua Portuguesa”.
4)- Por carta datada de 10 de Abril de 2019, o MPLP, enviou uma carta à Directora-Geral da UNESCO agradecendo a resposta da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Nesta carta o MPLP confirmou e consubstanciou a sua queixa relativa a vários outros artigos da CSPCI que foram também manifestamente violados. O MPLP decidiu igualmente pedir agora uma “intervenção vigorosa” da UNESCO, assim como uma clarificação jurídica e técnica necessária.
5)- Com efeito, o artigo 2º/7 da Lei de Bases do Património Cultural (Lei nº 107/2001 de 8 de Setembro) estatui que o “ ensino, a valorização e a defesa da Língua Portuguesa e das suas variedades regionais no território nacional, bem como a sua difusão internacional, constituem objecto de legislação e de políticas próprias” (…) Essa legislação, prevista na CSPCI, não existe. (Dr Carlos Borges).
“O governo não procedeu à salvaguarda e à valorização do Património Cultural- maxime da Língua Portuguesa - , antes promovendo a sua mutilação e incoerente reformulação das regras orientadoras da grafia e ortografia “ (Dr Carlos Borges), ao impôr ilegal e inconstitucionalmente um “acordo” ortográfico que, de maneira irresponsável e autoritária, pretendia UNIFICAR a grafia da Língua Portuguesa nos 8 Países de Língua Oficial Portuguesa [o que é IMPOSSÍVEL].
O MPLP referiu, portanto, na sua queixa contra o Estado Português, que este objectivo, fantasista, FALHOU TOTALMENTE, como era de esperar.
6)- A declaração de 6 de Abril de 2019 de Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República Federativa do Brasil, para assuntos internacionais, expressando a intenção de o Brasil revogar o “acordo“ ortográfico AO1990 (citação : “Depois de nos livrarmos do horário de verão, temos que nos livrar da tomada de três pinos, das urnas eletrônicas inauditáveis e do acordo ortográfico”), levou o núcleo coordenador do MPLP, a ter de informar a Directora-Geral da UNESCO que, depois da publicação em 1943 do “FORMULÁRIO ORTOGRÁFICO”, o Brasil separou-se objectivamente da Matriz da Língua Portuguesa e começou na realidade, de maneira soberana, o longo processus de formação da sua própria língua.
Mais tarde, esse processo de “libertação” linguística foi confirmado pelo facto de o Brasil ter denunciado unilateralmente a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de Dezembro de 1945 , significando claramente o seu desejo de seguir o seu próprio caminho, enveredando pela formação da sua própria língua, isto é, a “Língua Brasileira”.
Isto é um facto, e está na altura certa de o Brasil assumir plenamente e oficialmente o seu novo grito do IPIRANGA, desta vez, LINGUÍSTICO, depois do seu grito inicial, no dia 7 de Setembro de 1822, que lhe deu a independência política, e já lá vão 196 anos !
Qual será o Dirigente Brasileiro que deixará o seu nome gravado para sempre na História do seu País, proclamando urbi et orbi que a língua oficial do Brasil é a “Língua Brasileira”?
Aqui fica a questão ! Espera-se a resposta do POVO Brasileiro e dos seus representantes democráticamente eleitos .
7)- Informações mais completas e outros documentos serão publicados, na devida altura, no Blogue “O Lugar da Língua Portuguesa”.
Os Coordenadores do MPLP
Francisco João Da Silva e Isabel A. Ferreira
Em Portugal, aqueles que amam verdadeiramente Portugal e a sua Língua Materna, também defendem o fim do acordo ortográfico de 1990, o maior disparate que alguma vez foi engendrado.
Até que enfim, aparece alguém com inteligência e visão de futuro, porque o futuro dos países ditos lusófonos, não passa, de modo algum, pelo acordo ortográfico de 1990, que até o Brasil (que desde o início está metido nisto juntamente com Portugal) considera não ser algo que sirva o Brasil e a Cultura especificamente brasileira.
Portugal, onde falta gente com visão, com inteligência e com personalidade, ainda não conseguiu ver o tamanho desta inconsequência chamada AO90.
Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República Federativa do Brasil para Assuntos Internacionais, disse no seu Twitter:
«Depois de o governo de Jair Bolsonaro (PSL) anunciar que não haverá horário de verão em 2019, o assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, defendeu que os próximos passos são extinguir: a tomada de 3 pinos, as urnas eletrônicas e o novo acordo ortográfico.»
No Brasil as coisas mexem, e mexem para a construção de um futuro que os Brasileiros querem que seja Brasileiro.
E nós damos-lhe FORÇA!
FORÇA BRASIL!
Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República Federativa do Brasil para Assuntos Internacionais
Fonte: