Copyright © Isabel A. Ferreira 2009
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O LÍRIO
«Na verde margem do rio Ticino, cresceu um belo lírio. Alta e erecta na sua haste, a flor reflectia as suas brancas pétalas nas águas; e estas quiseram apoderar-se delas. Cada onda que passava levava consigo a imagem daquela branca corola e transmitia esse desejo às ondas que viriam a seguir. Assim, todo o rio começou a fremir, as ondas tornaram-se inquietas e velozes; e não podendo colher o lírio, bem agarrado ao solo e lá no cimo da sua robusta haste, atiraram-se, furiosas, contra a margem, arrastando consigo tudo o que havia, incluindo o lírio puro e solitário».
Foi através deste texto que descobri, há uns anos, o íntimo de Leonardo da Vinci. O meu primeiro encontro com o mundo exterior do grande sábio italiano aconteceu, porém, quando eu tinha apenas 15 anos e frequentava uma Escola Inglesa.
Por aquela época, já eu adquirira o hábito da leitura e era frequentadora assídua da vastíssima biblioteca da escola. Foi lá que conheci uma lady inglesa, muito culta e já de certa idade, que ali trabalhava como bibliotecária. Ainda me recordo da primeira vez que entrei naquela biblioteca. Dirigi-me à venerável senhora, num Inglês ainda mal pronunciado, para que me orientasse na procura de um determinado livro. A lady, olhando-me com uns olhos exageradamente abertos, disse-me na sua pausada pronúncia londrina: «Incrível! Como a sua expressão me faz lembrar Mona Lisa!»
Mona Lisa! A Gioconda. O nome não me era estranho. Sim, o célebre quadro de Leonardo da Vinci. Já o conhecia, mas... o que é que uma jovem de 15 anos teria em comum com uma madona italiana do século XV? Tal possibilidade entristeceu-me. Porém, a senhora bibliotecária lá teria as suas razões para fazer tal afirmação. Talvez o sorriso que sempre mantenho nos lábios! Talvez!
Apesar de nunca ter percebido esta estranha apreciação, o certo é que, a partir desse dia, tornámo-nos grandes amigas, e é a essa lady que devo todo o meu conhecimento não só sobre o velho sábio italiano, como sobre outros grandes nomes da História da Humanidade.
Depois deste episódio, comecei a dedicar algum do meu tempo a olhar o sorriso enigmático de Mona Lisa, na esperança de nele descobrir algo de comum à minha própria expressão. Mas, se por um lado nunca encontrei nada que justificasse a asserção daquela senhora inglesa, por outro, aprendi a compreender e a ter por Leonardo da Vinci, um dos génios mais versáteis de toda a Humanidade, uma admiração tal que, não fosse a minha aversão pela idolatria, teria feito dele o meu herói.
Entretanto, há alguns anos, ao entrar numa livraria, deparei com um título que me chamou a atenção: «Fábulas e Lendas de Leonardo da Vinci». Ao manusear o livro, abri-o, por acaso, onde estava escrita a fábula «O Lírio». Eu sabia que Da Vinci tivera uma incansável e insaciável curiosidade e nutria um sentimento muito profundo por todos os seres vivos. Era um observador apaixonado dos fenómenos da Natureza. Sabia também que a sua torturada imaginação o levou a penetrantes observações em quase todos os ramos do Saber. Chegou até a ser um exímio músico. O que eu desconhecia é que Leonardo era um admirável contador de fábulas e lendas e, ao ler «O Lírio» mergulhei repentinamente no íntimo do sábio e descobri a subtileza, a sensibilidade e a magia do seu mundo.
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A GOTA DE ORVALHO
Porquê este encómio a Leonardo? Perguntarão, talvez, os leitores. Pois ele vem a propósito de um belíssimo filme que vi sobre a genialidade da figura e da obra de Da Vinci. Neste filme, impressionaram-me três aspectos, de tal forma que não consegui calá-los, nem resisti à tentação de partilhar o sentimento que em mim despertaram. O primeiro, foi reconhecer a grandeza do cérebro humano que, se tiver a sorte de animar um espírito sensível, quanta maravilha pode trazer à vida do Homem!
O segundo, foi descobrir, através da imaginação de Leonardo, a versatilidade de um dos elementos da Natureza que mais temo e, ao mesmo tempo, mais admiro – a Água: a violência das águas revoltas do mar e a suave tranquilidade das águas de um rio; a força destruidora de uma cachoeira e a brandura de uma gota de orvalho. Só um homem sábio, sensível e mágico poderia descobrir tal subtileza no Universo.
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A SARÇA-ARDENTE
O terceiro aspecto foi o facto de o realizador do filme não ter “matado” Leonardo da Vinci. Deixou-nos com a bela figura de um velho génio no final da vida.
Entre as pedras solitárias, de um solitário jardim, ficou-nos a imagem de uma sarça-ardente que, assim como a que sempre ardeu no íntimo do sábio, não mais se apagará na memória dos Homens.