Uma inconcebível desumanização apoderou-se da Humanidade. Predomina um egocentrismo descabido. Cada um vive por si e para si, e o máximo que alcança, no exterior do próprio corpo, é o próprio umbigo.
Uma história que reflecte o outro lado da vida, e que nos mostra o quanto as mudanças são urgentes, para que o mundo se construa com harmonia, um mundo onde todos os seres vivos, humanos e não-humanos, possam conviver e partilhar o mesmo Planeta pacificamente...
Entrámos num Novo Ano. Dele esperamos que surja um Novo Homem.
Isabel A. Ferreira
«O miúdo do restaurante»
Entrei apressado, e com muita fome, no restaurante. Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, porque queria aproveitar os poucos minutos que dispunha naquele dia, para comer e acertar alguns bugs de programação num sistema que estava a desenvolver, além de planear a minha viagem de férias, coisa que há muito tempo não sei o que são.
Pedi um filete de salmão com alcaparras em manteiga, uma salada e um sumo de laranja, afinal de contas fome é fome, mas regime é regime não é?
Abri o meu portátil e apanhei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim:
- Senhor, não tem umas moedinhas ?
- Não tenho, menino.
- Só uma moedinha para comprar um pão.
- Está bem, eu compro um.
Para variar, a minha caixa de entrada estava cheia de e-mail.
Fico distraído a ver poesias, as formatações lindas, rindo com piadas malucas....
Ah! Esta música leva-me até Londres e às boas lembranças de tempos áureos.
- Senhor, peça para colocar margarina e queijo.
Percebo, nessa altura, que o menino tinha ficado ali.
- Ok. Vou pedir, mas depois deixas-me trabalhar, estou muito ocupado, está bem?
Chega a minha refeição e com ela o meu mal-estar. Faço o pedido do pequeno, e o empregado pergunta-me se quero que mande o menino embora.
O peso na consciência, impedem-me de o dizer.
Digo que está tudo bem. Deixe-o ficar. Que traga o pão e, mais uma refeição decente para ele.
Então sentou-se à minha frente e perguntou:
- Senhor o que está a fazer?
- Estou a ler uns e-mails.
- O que são e-mails?
- São mensagens electrónicas mandadas por pessoas via Internet (sabia que ele não ia entender nada, mas a título de livrar-me de mais questionários):
- É como se fosse uma carta, só que é pela Internet.
- E o senhor tem Internet?
- Tenho sim, essencial no mundo de hoje.
- O que é Internet?
- É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas: notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem de tudo no mundo virtual.
- E o que é virtual?
Resolvo dar uma explicação simplificada, sabendo, com certeza, que ele pouco ou nada ia entender e iria deixar-me almoçar, em paz.
- Virtual é um local que imaginamos, coisas que não podemos tocar, apanhar, mexer... é lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos as nossas fantasias, transformamos o mundo, quase como queríamos que fosse.
- Que bom.... Gosto disso!
- Menino, entendeste o significado da palavra virtual?
- Sim, também vivo nesse mundo virtual.
- Tens computador?! - Exclamo eu!!!
- Não, mas o meu mundo também é vivido dessa maneira... Virtual… A minha mãe fica todo dia fora, chega muito tarde, quase não a vejo. Eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que vive a chorar de fome e eu dou-lhe água para ele pensar que é sopa, a minha irmã mais velha sai todo dia também, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, porque ela volta sempre com o corpo. O meu pai está na cadeia há muito tempo, mas imagino sempre a nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos de natal e eu a estudar na escola para vir a ser médico um dia. Isto é virtual não é senhor???
Fechei o portátil, mas não fui a tempo de impedir que as lágrimas caíssem sobre o teclado.
Esperei que o menino acabasse de, literalmente, "devorar" o prato dele. Paguei, e dei-lhe o troco, e ele retribuiu-me com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um "Brigado senhor, é muito simpático!'.
Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel nos rodeia de verdade e fazemos de conta que não percebemos!
Fonte: http://freezone.pt/sociedade/486-o-miudo-do-restaurante
«Algumas lições a tirar disto tudo»
Uma excelente reflexão proposta por Miguel Santos, um Homem que vê para além do visível.
Dois textos, o do Miguel Santos e o do New York Times, que todos os governantes deviam ler, e absorver, como de um fármaco se tratasse, porque depois desta pandemia, ou o mundo muda, ou outros coronavírus, ainda mais ferozes, assolarão a Humanidade, cega surda e muda a estes sinais da Natureza.
«Porque acredito que esta pandemia deve também servir para que a humanidade, e cada um de nós individualmente, façamos uma profunda introspecção e meditação sobre a essência do que é estar vivo, e para onde queremos ir no futuro como espécie, recomendo a leitura deste excelente artigo do New York Times, sobre o como muitas das doenças imuno-resistentes, e epidemias, e pandemias, se originam no consumo de carne de animais selvagens, e na desregração ecológica que a humanidade promove através do mundo.» (Miguel Santos)
«Isto reforça uma reflexão aprofundada, que tenho vindo a fazer, de que a exploração da natureza e seus seres está, esteve sempre, na origem de uma genealogia da Exploração cumulativa, de uma genealogia do Mal, que, após essa exploração primordial, se expande para a exploração do Homem pelo Homem, de uma etnia por outra, do feminino pelo masculino, do trabalhador pelo Capital.
Ou seja essas explorações históricas são epifenómenos da Exploração da Natureza pela Humanidade (nenhuma delas é isoladamente o centro da História...), e só podem ser verdadeiramente sanadas quando ultrapassarmos o ANTROPOCENTRISMO que se radica na exploração subtractiva da Natureza e seus seres sencientes pelo ser humano, e quando rejeitarmos ABSOLUTAMENTE a violência e as ideologias de conflito e de ódio social como mediação societária e como relação com a natureza não humana, seus instrumentos históricos.
O Antropocentrismo é o Egocentrismo colectivo da espécie humana que a põe numa pretensa posição de dominadora sobre a ecologia não humana, e é também raiz dos egocentrismos individuais que sempre se afirmam face à oposição a um 'Outro'...
O planeta Terra grita em nosso redor, a multitude de seres sencientes não humanos que partilham connosco a aventura da Vida e da Consciência exalam sofrimento e exaustão face à destruição ecológica que a humanidade espalha através dos continentes e dos oceanos.
A origem desta crise profunda, que em silêncio se propaga à milénios é eminentemente espiritual, a sua solução será espiritual, só DEPOIS política, económica e tecnológica.
E os meios para a resolver serão somente os MEIOS CONGRUENTES COM OS FINS da maturação de uma civilização espiritual, ecológica, pacífica, justa e equitativa: ecopacifismo, reespiritualização social, ética biocêntrica, democracia pluralista participativa, descentralização económica (biorregionalização, comunidades intencionais), unificação política global mundial, etc..
Que a humanidade, e cada um de nós, escute os gritos silenciosos da Terra e dos seres não-humanos.
O século XXI será espiritual e ecológico, ou não será...»
Miguel Santos