«Não posso, em consciência, apoiar, activa ou passivamente, a violência contra animais em prol do divertimento humano» (Francisco Guerreiro).
Foto: European Union 2019- EP/BB
É isto que se pretende elevar a Património Cultural Imaterial da UNESCO...
Dom, 11/10/2020 - 15:30 na Revista Nova Gente
«Em Setembro tomei conhecimento da iniciativa da International Tauromaquia Association (Espanhola) para que os eventos tauromáquicos sejam inscritos como Património Cultural Imaterial da UNESCO.
E é sempre interessante ir à origem das palavras para perceber a sua relação com a actualidade. A palavra Património, do latim patrimonium, significa herança familiar ou do pater (pai). Isto leva-me a pensar, defeito de ecologista, que planeta deixaremos aos nossos filhos como herança natural. Mas também o inverso, que filhos deixaremos à nossa casa comum. Creio que devemos deixar uma herança maior do que aquela que recebemos sobretudo ao nível do património natural, algo que, claramente, não está a suceder.
Posto isto, fiquei satisfeito com a elevação do Fado, ou do Cante Alentejano, a Património Cultural da Humanidade. Pelo contrário não quero deixar como herança a normalização do sofrimento de animais.
Acresce que esta tentativa de classificação é uma forma de desviar verbas públicas para a indústria tauromáquica. Isso foi visível a 14 de Setembro de 2017, quando o Governo anunciou que um dos projectos vencedores, do primeiro Orçamento Participativo era para incluir a cultura tauromáquica na lista de Património Cultural Imaterial, através da Convenção da UNESCO. A indústria tauromáquica arrecadou assim 200 mil euros para promover esta barbárie. Em 2018 um projecto semelhante angariou mais 50 mil euros de fundos no mesmo Orçamento.
Não posso, em consciência, apoiar, activa ou passivamente, a violência contra animais em prol do divertimento humano. Por isso, ao saber desta candidatura reuni mais de 60 assinaturas, de eurodeputados de 6 das 7 famílias políticas, e enviei uma carta à Directora-Geral da UNESCO a manifestar a nossa total discordância com esta proposta de classificação, que vai mesmo contra os princípios de não violência da UNESCO.
Para mim, como para tantos outros, o caminho da não violência passa pela abolição da tauromaquia. Seja hoje, seja amanhã, ela acontecerá!»
Francisco Guerreiro
Fonte:
Desde que Guerra Junqueiro escreveu o texto lapidar, abaixo publicado, já se passaram 124 anos.
O que mudou em Portugal?
Não direi que todo o Povo continue, hoje, imbecilizado. Não! Muitos evoluíram, mas não tanto quanto seria necessário para tornar Portugal um país civilizado e culto.
A burguesia é que continua cívica e politicamente corrupta até à medula. E a classe política, alinha por essa bitola (com raríssimas excepções, tão raras que nem damos conta delas).
Lamentavelmente a mentalidade não avança à velocidade do som. E o progresso nem sempre é sinónimo de evolução.
Actualmente, Portugal vive tempos de um obsceno retrocesso. E, por causa disso, está a afastar-se de si mesmo. Qualquer dia não sobra nada que nos faça lembrar que Portugal é um país ibérico e europeu, fundado por Dom Afonso Henriques. Um Portugal português.
Entretanto, dois partidos (que se dizem) políticos, sem ideias e sem vergonha, vão se revezando no poder, afundando Portugal na gosma que outros por cá vão largando…
E pensar que a Política é a Ciência do Governo das Nações!
E pensar que, por cá, ela é simplesmente um trampolim para se chegar aos lugares de topo, que garantirão uma boa vida para o resto da vida!
É ô né?
Isabel A. Ferreira
Um texto tão, mas tão, mas tão actual, que até nos assusta!
«Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.
Guerra Junqueiro, in 'Pátria (1896)»
Fonte:
https://www.facebook.com/ParaPortuguesLer/photos/a.661589607209479/3073520462683036/?type=3&theater