Exmo. Senhor Doutor Paulo Portas,
É como cidadã portuguesa, com direitos consignados na Constituição da República Portuguesa, e com deveres cívicos para com o meu País e a minha consciência, que me atrevo a dirigir-lhe estas palavras abertas também ao mundo.
E o que pretendo com esta carta é fazer-lhe uma simples pergunta, que espero tenha a delicadeza de responder, por dois motivos: primeiro, porque nunca se deixa uma carta, com remetente, sem resposta (é um princípio ético); segundo, porque milhares de portugueses gostariam de compreender as atitudes insólitas de um homem que ocupa cargos públicos e, por isso mesmo, tem o dever de pugnar pelos interesses de Portugal e dos Portugueses, e não pelos interesses de uma minoria inculta, mal formada e inútil ao país.
A pergunta é a seguinte:
Por que é que um homem que nasceu no seio de uma família por onde a cultura culta deambulou; um homem que frequentou o Ensino Superior e se licenciou em Direito, pela Universidade Católica Portuguesa, onde leccionou História do Pensamento Político; um homem que exerceu a actividade de jornalista nos periódicos «Tempo», «A Tarde», «Semanário» e noutros órgãos de comunicação social; um homem que fundou e foi director do semanário «O Independente», (e do qual fui testemunha abonatória, num processo-crime em que também eu era arguida, num outro jornal, no caso do empreiteiro Avelino do Monte); um homem que é presidente de um partido político com assento na Assembleia da República Portuguesa; um homem que é vice-primeiro-ministro de Portugal e que o representa quando se desloca ao estrangeiro; um homem que se diz católico e do qual não duvido que recebeu uma educação bastante esmerada; por que é que um homem com todo este palmarés é adepto, apoia e promove a selvajaria tauromáquica, ao ponto de intencionalmente excluir Touros e Cavalos do Reino Animal, como se fosse um qualquer cidadão desprivilegiado, que não tivesse tido a oportunidade de se instruir, de evoluir, de civilizar-se?
I Grande Corrida do CDS nas Caldas da Rainha 2010 (com a presença do Presidente Paulo Portas) © João Polónia | fotografia em baixa resolução, para proteger os direitos de autor
Origem da foto: http://www.joaopolonia.com/fotografia/tauromaquia/
Por que é que um homem da envergadura de V. Excelência, que não pertence propriamente à camada inculta da população (à qual não deram oportunidade de evoluir), teima em hastear a bandeira da identidade “cultural” dos broncos?
O que estará por detrás desta atitude incompreensível à luz da razão, da lógica, da ética, da lucidez?
Vossa Excelência deve ter conhecimento de que a chamada “indústria” tauromáquica, ou seja a “indústria” da crueldade e da violência gratuitas sobre animais inocentes, indefesos e inofensivos, tenta desesperadamente legitimar-se socialmente, uma vez que enfrenta grande contestação moral, e a sua actividade sangrenta e obscura suscita, nos tempos que correm, grande repulsa ética, social e cívica, não só em Portugal como em todo o mundo.
Vossa Excelência deve saber também que apoiar a selvajaria tauromáquica, em pleno século XXI, contra toda a evidência imparável da evolução necessária e inerente a um país em que apenas uma minoria (muito, muito minoria...) inculta e ignorante persiste em perpetrar uma prática que horroriza, é negada e afasta quase 90% da população portuguesa, que não só repudia esta “diversão” de broncos, como todas as outras práticas que se baseiam em maltrato de animais, como circos, lutas, caça e pesca desportivas, tiro aos pombos…, é passar a si próprio um atestado de inferioridade mental.
Vossa Excelência pode imaginar o quanto, como cidadã portuguesa, me sinto envergonhada pelos governantes do meu país ainda permitirem algo tão cruel e primitivo em pleno século XXI depois de Cristo?
Todos sabemos que as touradas têm apresentado grande prejuízo e caso não fôssemos nós, cidadãos portugueses, e a União Europeia retrógrada a sustentá-la contra a nossa vontade, elas já não teriam lugar em Portugal, em Espanha e em França.
É inadmissível que mais de 16 milhões de euros sejam retirados, anualmente, das contribuições e impostos dos portugueses e serem canalizados para sustentar a selvajaria tauromáquica em todas as suas cruéis modalidades.
Devo recordar a V. Excelência que a selvajaria tauromáquica não tem mais lugar numa sociedade civilizada. O ser humano evoluiu no sentido de cada vez mais respeitar o sofrimento e a vida dos animais não-humanos (uma vez que animais somos todos nós) e, por esse motivo, essa selvajaria tem vindo a ser repudiada e proibida em muitas cidades e regiões, nos (apenas) nove países onde ainda se pratica.
Trata-se, na verdade, de uma actividade bárbara que não serve absolutamente nenhum interesse do ser humano, e de um País, mas apenas o ego doentio de uma minoria inculta e nociva às sociedades modernas, que insiste em alimentar e perpetuar um “gosto” mórbido, desassisado e sádico de se divertir à custa do sofrimento de um animal herbívoro, que mais não quer do que pastar e conviver com os seus, em paz, nos prados.
Foi para isso que nasceram.
Vossa Excelência parece desconhecer que a selvajaria tauromáquica promove a violência gratuita, deseduca as crianças que a elas assistem, inclusive provocam-lhes traumas (estudos psiquiátricos provaram-no com grande clareza), representam uma afronta à ciência, que já demonstrou e provou sobejamente que os Touros e os Cavalos são animais sencientes e conscientes tal como nós, animais humanos.
Talvez Vossa Excelência não saiba que em Março de 2012, um grupo de neurocientistas de renome internacional, declarou pela Universidade de Cambridge que todos os mamíferos, aves, répteis e outros animais de várias espécies, além de serem sencientes têm também consciência. Quer isto dizer, que têm plena noção do que se passa à sua volta e que, tal como o animal humano, têm a capacidade de experimentar sofrimento físico e emocional, como dor, tristeza, medo, stress, pânico, mas também alegria, amor e emoção.
Não há de facto, aos olhos da ciência ou de qualquer pessoa civilizada e compassiva, diferenças fundamentais entre nós, humanos, e os restantes animais. Refiro-me a diferenças que justifiquem a utilização de animais como objectos de tortura numa prática absurda e sádica, para a qual são violentamente retirados do seu habitat, drogados, amedrontados, provocados, feridos, inclusive depois de saírem da arena, e por fim, os que resistem a dias sem tratamento, comida ou água, são mortos cruelmente num qualquer matadouro. Fim de vida demasiado torturante, inglório e indigno para um animal que os anti-taurinos dizem “honrar”.
Vossa Excelência devia saber que a UNESCO, em 1980 declarou a tauromaquia como «a terrível e venal arte de torturar e matar animais em público, segundo determinadas regras. Traumatiza as crianças e adultos sensíveis. A tourada agrava o estado dos neuróticos atraídos por estes espetáculos. Desnaturaliza a relação entre o homem e o animal, afronta a moral, a educação, a ciência e a cultura".
Vossa Excelência, como presidente do CDS/PP, deve recordar-se de como vergonhosamente este partido conseguiu proteger a agropecuária, a selvajaria tauromáquica e circos da penalização pelos maus tratos a animais, naquela famigerada lei de protecção a Cães e Gatos (os únicos animais não-humanos reconhecidos como animais). E os outros? Podem ser maltratados sem piedade?
Sabia Vossa Excelência que o CDS/PP representa «os agoniados do tempo da ditadura, que não conseguiram digerir o 25 de Abril» (conforme já li algures, e concordo plenamente), por isso mantém ainda a mentalidade retrógrada que inacreditavelmente conseguiu sobreviver no pós-25 de Abril?
Porquê, Senhor Doutor Paulo Portas?
Porquê, sendo Vossa Excelência um homem relativamente novo e educado nos melhores colégios e com formação superior, acoita na sua bagagem humana e política, algo tão desumano, tão cruel, tão sangrento e tão do foro da psicopatia como é a selvajaria tauromáquica?
Pode Vossa Excelência ter a gentileza de nos dar uma explicação lógica e racional para esta atitude, que nem o mais sábio dos sábios compreende?
É que já fiz esta pergunta a várias autoridades e dirigentes e governantes portugueses, e até a meros aficionados, e nenhum teve ainda a capacidade ou a coragem ou a amabilidade de responder a esta questão tão simples.
Porquê, em Portugal, este costume bárbaro de origem espanhola, que nada tem a ver com tradição portuguesa, arte, cultura ou outra coisa qualquer respeitante à civilização e à humanidade, é apoiado pelo Estado Português, e nomeadamente pelos deputados do CDS/PP?
Será uma questão do marialvismo que caracterizou o tempo da ditadura e sobrevive no partido de que V. Excelência é presidente?
Aguardando que Vossa Excelência possa fazer a diferença, e dar-me a gentileza de uma justificação que, garanto, se for racional, deponho as minhas armas (as palavras), envio-lhe os meus cumprimentos, que poderiam ser os “melhores” se eu não me sentisse tão indignada.
Isabel A. Ferreira
(isabelferreira@net.sapo.pt)