Um excelente texto do Professor Anselmo Borges, para reflectir a EUTANÁSIA, algo que o PS, o BE, o PSD e o PAN estão com uma pressa estranha em descriminalizar.
«Numa sociedade economicista, de individualismo e egoísmo atrozes, ergue-se o perigo gravíssimo de pessoas serem "empurradas" a pedir a eutanásia e, pior, muitos interiorizarem inclusivamente a obrigação de a pedir. Isso não obriga a pensar?»
(…)
«Mas previno que o que está em questão não é, em primeiro lugar, a religião, mas valores fundamentais, constitutivos, da civilização, de tal modo que a aprovação da eutanásia significaria um retrocesso e mesmo uma ruptura civilizacional.»
Professor Anselmo Borges (*)
Não podia estar mais de acordo com o Professor Anselmo Borges
Origem da imagem:
https://labor.pt/home/2018/09/27/conferencia-pensar-o-futuro-com-anselmo-borges/
Texto de Anselmo Borges
«Não é por acaso que este texto tem por título "a morte medicamente assistida e a eutanásia". É que, em primeiro lugar, nestes debates de vida e de morte é preciso ser claro e não induzir em erro as pessoas de forma manhosa: morte medicamente assistida é uma coisa, eutanásia é outra... O grande filósofo Hegel lembrou a urgência de conceitos claros, pois "de noite todos os gatos são pardos" e, no meio da confusão, ninguém se entende, e, nessas circunstâncias, em problemas que têm que ver com o limite o mais provável é cair no abismo.
Evidentemente, a posição da Igreja na questão da eutanásia só pode ser, mesmo no caso de um referendo - a Conferência Episcopal Portuguesa acaba, tarde, de se manifestar favorável nas presentes circunstâncias ao referendo -, a de uma oposição contundente e propugnando a defesa dos cuidados paliativos e a presença plena, humana e cristã, junto de quem se encontra em dificuldades, na solidão, na dor, no sofrimento e a caminho do fim. Aliás, essa presença solidária tem de ser durante a vida toda, para vivermos dignamente, sabendo que da vida digna faz parte a morte digna: viver dignamente e morrer dignamente. Mas previno que o que está em questão não é, em primeiro lugar, a religião, mas valores fundamentais, constitutivos, da civilização, de tal modo que a aprovação da eutanásia significaria um retrocesso e mesmo uma ruptura civilizacional.
Embora compreenda os argumentos a seu favor - há vários textos meus nos quais explico esses argumentos -, quero que fique bem claro que eu me oponho à eutanásia e a que o debate sobre o seu pedido volte à Assembleia da República. Porque é que os principais partidos não debateram abertamente a questão durante a recente campanha eleitoral nem a colocaram nos programas? Não estou só a pensar nos perigos da rampa deslizante: lembro que, nos pouquíssimos países onde o pedido de eutanásia é legal, esta rampa ou plano inclinado existe de facto, com alargamento quantitativo e qualitativo de pedidos aceites e autênticos casos de abuso (homicídio) reconhecidos - por exemplo, está em curso na Bélgica uma acusação contra um pediatra por nove "eutanásias disfarçadas". E qualquer pessoa fica preocupada com a notícia que chega da Holanda "da pílula sem dia seguinte", como, no seu modo sempre arguto, atirou o eurodeputado Paulo Rangel: "Todas as pessoas que fazem 70 anos receberão como prenda de aniversário um comprimido com o qual podem suicidar-se. E depois quem é que controla o destino destes comprimidos? Às tantas, vamos ter gente a matar outra gente" (Público, 9 de Fevereiro). Porventura as pessoas com 70 anos valem menos do que quem tem 50 ou 30? Confesso: isto, a ser verdade, significa o colapso de uma sociedade.
Ainda no contexto da rampa deslizante, é preciso não ser ingénuo. Numa sociedade economicista, de individualismo e egoísmo atrozes, ergue-se o perigo gravíssimo de pessoas serem "empurradas" a pedir a eutanásia e, pior, muitos interiorizarem inclusivamente a obrigação de a pedir. Isso não obriga a pensar?
É uma vergonha para uma sociedade querer debater e despenalizar a eutanásia quando ainda não tem uma rede de meios paliativos minimamente suficientes. Os doentes, em casos extremos, precisamente porque o Estado lhes não garante apoios suficientes para a sua existência minimamente digna, são colocados perante o insuportável, de tal modo que se ergue de modo dramático a pergunta: nessas circunstâncias, onde está a sua liberdade para pedir a eutanásia?
Há uma razão que diria metafísica para a oposição à pena de morte, a mesma para se opor à eutanásia. Penso, por exemplo, em L. Wittgenstein, para quem o mundo é o conjunto dos factos, verificáveis. Mas, para lá do verificável, há "o místico" (das Mystische), que "se mostra", o metafísico, o absoluto. Não como o mundo é, mas que o mundo seja é o místico, escreveu Wittgenstein. Deus também não é deste mundo, nem a ética, que é da ordem do dever ser e não dos factos. O morrer é deste mundo, mas a morte não é deste mundo. A morte, digo eu, é uma das faces do absoluto, a outra é Deus, e, por isso, não é deste mundo. Ora, a pena de morte é a condenação à morte eterna para este mundo, fechando a abertura à continuidade do processo de possibilidades, incluindo a do arrependimento e emenda, de retomar a existência na sua dignidade. Nenhuma instância terrena poderá, pois, fazer o juízo final, definitivo, de uma pessoa. E é preciso contar sempre com o perigo do erro no julgamento. Aí está porque não se pode ser a favor da pena de morte nem a favor da eutanásia. Aliás, quando alguém pede a morte por eutanásia, está a pedir o quê? Que grau de liberdade tem? E se entretanto se arrepender e quiser recuar?... Ai, os mistérios da existência humana e da liberdade! A dignidade da pessoa humana, inviolável, convive com a vulnerabilidade e, por isso, do que precisamos é de uma ética da fragilidade e do cuidado.
Mais. Se algum dia se avançasse por esta via da legalização da eutanásia, o Estado ficaria com mais uma obrigação: satisfazer o direito ao pedido da eutanásia e seria confrontado com esta pergunta terrível: quem mata? Porque é disso que se trata, não se venha com o eufemismo enganoso, porque manhoso e mentiroso, de "morte medicamente assistida", pois assistência médica, psicológica, familiar, afectiva, pastoral, religiosa (se for o caso) todos querem. No que o Estado deve pensar é na urgência dos cuidados paliativos, que ainda não chegam à maioria dos doentes; num relatório recente (cf. jornal i, 16 de Janeiro), lê-se que de 102 mil doentes que preencheriam os requisitos para beneficiar de cuidados paliativos em 2018, apenas um quarto teve acesso a este tipo de resposta que visa aliviar o sofrimento físico e psicológico em casos de doença incurável avançada e progressiva. As lacunas são ainda maiores nas crianças: em oito mil menores com doenças incuráveis, só 90 tiveram acesso a este tipo de cuidados, 0,01%. Concluiu-se que faltam 430 médicos, 2114 enfermeiros e 173 assistentes sociais nesta área. Conclusão: perante a sobrecarga, o tempo dedicado aos doentes é pouco: os médicos têm em média 44,5 minutos por semana com cada doente (nove minutos por dia). O mesmo se diga dos enfermeiros e assistentes sociais.
É uma vergonha para uma sociedade querer debater e despenalizar a eutanásia quando ainda não tem uma rede de meios paliativos minimamente suficientes. Os doentes, em casos extremos, precisamente porque o Estado lhes não garante apoios suficientes para a sua existência minimamente digna, são colocados perante o insuportável, de tal modo que se ergue de modo dramático a pergunta: nessas circunstâncias, onde está a sua liberdade para pedir a eutanásia? Afinal, pedem a morte ou apoio e alívio na dor, para continuar a viver dignamente e morrer dignamente? Aí está a razão por que, no contexto da precipitação para que a eutanásia volte ao Parlamento, logo após a aprovação do OE para 2020, observam alguns e não necessariamente cínicos: a eutanásia poderia ajudar bastante certos orçamentos de Estado, a Segurança Social!...
Evidentemente, opor-se à eutanásia não é ser a favor da distanásia e da obstinação terapêutica, que podem ser imorais. Deve-se aliviar a dor, mesmo que isso apresse a morte. Uma coisa é matar e outra deixar morrer em tempo oportuno e com dignidade, sem prolongar a vida artificialmente e de forma desproporcionada.
Aceitei figurar entre os 101 mandatários, como o antigo Presidente da República Ramalho Eanes, ou o médico e antigo bastonário Germano de Sousa, de uma petição a favor de um referendo sobre a matéria
O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, disse-o de modo perfeito. Cito uma entrevista sua a Marta Reis no jornal Sol, 11 de Janeiro. Em primeiro lugar, esclarecer: "O que temos de fazer, e esse é o aspecto mais importante, é dar o máximo de informação para o debate. Não é infrequente estar em reuniões com deputados, pessoas que se vão pronunciar, e confundem ainda eutanásia, a morte a pedido num caso de doença grave, com distanásia, que é prolongar a vida de uma pessoa indevidamente, prolongar a vida de alguém numa fase terminal em que o que se deve oferecer é o máximo de conforto."
E a autonomia do doente? Continuou Miguel Guimarães: "O doente tem autonomia para dizer que não quer fazer tratamentos. Um doente com cancro pode recusar um tratamento. Mas no caso da eutanásia, falamos de uma participação activa na morte, o código deontológico proíbe." Mesmo a nível internacional, "encara-se sempre a eutanásia como um acto médico. Não é. Não faz parte de nenhum compêndio que matar uma pessoa seja um acto médico, é a antítese do acto médico. Quando se diz que dar a uma pessoa um medicamento para matar tem de ser feito por um médico não percebo a justificação".
Chamo a atenção para o facto de, por exemplo, a França, que está a rever leis de bioética, ter excluído do debate a eutanásia e, no limite, ser favorável à sedação profunda e continuada.
Já quase em post scriptum, quero dizer que aceitei figurar entre os 101 mandatários, como o antigo Presidente da República Ramalho Eanes, ou o médico e antigo bastonário Germano de Sousa, de uma petição a favor de um referendo sobre a matéria. É que, no meio da confusão que indiquei no início, e quando até deputados, como ficou dito, não sabem distinguir entre eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio medicamente assistido..., impõe-se um debate amplo, nacional, para que todos os portugueses sejam ouvidos e possam ficar minimamente esclarecidos sobre o que está em causa.»
(*) Padre e professor de Filosofia. Escreve de acordo com a antiga ortografia.
Fonte:
Um belo animal em plena campina, usando do seu direito à liberdade...
EM NOME DA CULTURA, DA CIVILIZAÇÃO E DA ÉTICA ANIMAL
Exmo. D. José Policarpo:
Melhor do que ninguém saberá que o púlpito de uma Igreja Católica é o lugar ideal para falar ao coração do povo, e acreditando esse povo que os Padres são os representantes legítimos de Deus na Terra, as palavras que proferem do alto dos púlpitos têm a força do vento, e tal como sementes, fazem germinar nas almas, frutos doces ou frutos amargos, dependendo do que pretendem transmitir.
Houve uma época, já bastante remota, em que os escravos e as mulheres eram considerados seres sem alma, tal como os animais não-humanos e as crianças. Este grupo de seres era desprezado e muito maltratado pelos elementos masculinos dos chamados “seres humanos”.
Felizmente deu-se um saltinho na evolução das mentalidades, e acabou-se por descobrir que, afinal, os escravos e as mulheres e as crianças eram seres humanos, todos filhos do mesmo Deus.
Deu-se um saltinho pequeno, mas fundamental. Contudo, continuou-se a pensar que os animais não-humanos não passavam de bestas que existem para servir o homem, e como não têm alma, podem ser maltratados à vontade desse homem.
Outro grande engano. Felizmente homens sábios, e tocados pela centelha divina, descobriram que os animais não-humanos são animais como nós. E têm alma. E vivem as alegrias e as tristezas da vida. E sofrem tal como nós, até porque têm os mesmos órgãos, têm as mesmas necessidades vitais, enfim, até lágrimas vertem, tal como nós.
Com respeito aos animais não-humanos, a Igreja Católica sempre teve uma posição nada condizente com a verdadeira essência Cristã e com o Humanismo. Nem sequer têm em conta os ensinamentos de São Francisco de Assis, que amava a Natureza e os Animais Não-Humanos, e por isso é hoje o Patrono dos Animais não-humanos e do meio ambiente. Para ele, os animais não- humanos eram seus irmãos. Não foi Deus que criou o Céu e a Terra e todos os seres viventes, e árvores, e águas e o Sol que aquece a todos, e a Lua, que ilumina a todos?
Grandes sábios da Humanidade estudaram e intuíram que a essência dos animais não-humanos era a mesma essência dos animais humanos.
Sabemos que em Portugal (e infelizmente por todo o mundo, até naqueles países que se julgam muito civilizados) os animais não-humanos são bastamente maltratados, com uma crueldade assombrosa. Massacrados friamente. Fazem deles objectos de diversão. Tudo devido a uma profunda ignorância que por aí escorre, viscosamente.
A Igreja Católica tem o dever de ensinar ao seu “rebanho” os ensinamentos de Cristo. É dos púlpitos que esses ensinamentos devem sair, porque o que o Padre diz, é a palavra de Deus. Não é o que dizem?
A mensagem de Jesus era de amor e compaixão por todos os seres criados pelo Pai, contudo não há nada de amoroso ou misericordioso no modo como os ditos seres humanos tratam os animais não-humanos, que vivem vidas miseráveis e morrem mortes violentas, cruéis e sangrentas. Jesus pede bondade, misericórdia, compaixão, e amor por toda criação de Deus.
E é isto que também tem de ser ensinado nos púlpitos.
Albert Schweitzer, que como D. José Policarpo sabe, foi um teólogo, músico, filósofo e médico alemão, nascido na Alsácia, diz: «A Ética Animal é concordante com o princípio da não-violência de Jesus Cristo».
Albert Schweitzer tinha perfeita consciência das inconsequências e das lacunas expressas pelas concepções do Cristianismo oficial. Diz ele: «Aquilo que há dezanove séculos se apresenta neste mundo como Cristianismo não passa de um esboço cheio de fraquezas e erros, não o Cristianismo total, emanado do espírito de Jesus.»
Concordo plenamente com este teólogo.
São estes ensinamentos que os Padres devem transmitir nos seus púlpitos. Ensinar os ignorantes não será uma obra de misericórdia?
Por isso, D. José Policarpo, com todo o respeito, penso que é chegada a altura de a Igreja Católica tomar uma posição pública, junto ao Governo Português, relativamente ao Massacre de Touros (vulgo Tourada) – a nódoa negra da nossa Sociedade – e começar, nos seus púlpitos, a ensinar ao povo (àquele que aplaude tal "espectáculo" degradante, despido de qualquer valor humano e primitivo), que maltratar, massacrar cruelmente animais não-humanos, sejam quais forem, em arenas, em circos, corridas de cavalos, lutas de cães, de galos, mesmo dentro dos próprios lares (o caso dos abandonos de animais, ditos de estimação) nada condiz com os ensinamentos de Cristo.
Os animais existem por si próprios. Não para “servir” o homem-predador. São também criaturas de Deus.
O filósofo britânico Jeremy Bentham argumenta que «a capacidade de sofrer, e não a capacidade de raciocínio, deve ser a medida que nos conduza ao respeito, ao modo como tratamos os outros seres. Se a habilidade da razão fosse critério, muitos seres humanos, incluindo bebés e deficientes mentais, teriam também de ser tratados como "coisas"...»
O filósofo deixa-nos este famoso e sábio excerto, para que possamos nele reflectir: «A questão não é: Eles pensam? Ou: eles falam? A questão é: eles sofrem...»
D. José Policarpo, a Igreja Católica moderna não pode ser cúmplice desta barbárie (como já foi, noutras épocas, cúmplice de outras barbáries, que ficaram como nódoas das mais negras, na História da Igreja Católica).
Respeitosamente,
Isabel A. Ferreira
(Cidadã portuguesa com direito à indignação)
Touro, depois de "lidado", em frente ao Campo Pequeno (Lisboa). Ver link:
http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/38589.html
Isabel A. Ferreira