«O Papa Francisco lamentou hoje que algumas pessoas sintam compaixão pelos animais, mas depois mostrem indiferença perante as dificuldades de um vizinho, numa reflexão sobre o conceito de "piedade" durante uma audiência geral na Praça de São Pedro.»
Foi profundamente lamentável esta insinuação do Papa Francisco, a quem dedico um afecto especial, e por isso mesmo, fiquei magoada.
Ao ler as palavras atribuídas ao Papa Francisco, nem quis acreditar, pois parecia que estava a ouvi-las da boca de um aficionado ferrenho de tauromaquia, o qual diz exactamente a mesma coisa, quando tenta desacreditar os anti-touradas.
Mas pensem bem: qual de nós sentiria compaixão por um animal não-humano, e desprezaria um animal humano, ainda que fosse um carrasco, se este precisasse de ajuda?
Eu, sendo católica não-praticante, já o fiz. (Sou não-praticante por discordar de muitas posições da Igreja Católica).
É que sendo a piedade uma das mais preciosas faculdades da alma humana, como bem a descreveu Leon Tolstoi, o Sábio, tal como as outras faculdades da alma humana, ou nascemos com elas, ou não as aprendemos em nenhuma escola da vida.
O Papa Francisco falava perante dezenas de milhares de pessoas, numa audiência jubilar, cerimónia que se realiza num sábado por mês, e alertou que não se deve confundir a piedade com a comiseração hipócrita, que consiste apenas numa emoção superficial, que não se preocupa com o outro.
Pois não haverá ninguém mais hipócrita do que a Igreja Católica, no que respeita à prática da piedadezinha e caridadezinha, salvo raras excepções, que as há, e que merecem todo o meu respeito.
E foi então que Francisco, o Papa, fez esta pergunta insólita: «Quantas vezes vemos pessoas que cuidam de gatos e cães e depois deixam sem ajuda o vizinho que passa fome?»
Como disse, Sua Santidade Papa Francisco? Alguma vez alguém que cuida de gatos e cães deixou de dar de comer a quem tem fome, ainda que esse faminto seja um miserável predador de animais não-humanos?
Se um necessitado vizinho, aficionado de touradas, estiver a morrer de fome, por piedade, qualquer defensor de animais matar-lhe-ia a fome, com toda a certeza. Sem pensar duas vezes.
Ou estarei a medir todos os defensores de animais, pela minha medida?
E disse mais o Papa Francisco, que me desiludiu, com este seu pensamento:
«Não se pode confundir compaixão pelos animais, exagerando no interesse para com eles, enquanto se fica indiferente perante o sofrimento do próximo». Isto é exactamente o que dizem os aficionados, quando não têm argumentos para defender a tortura, e querem atacar os anti-touradas.
Quantos de nós, defensores dos animais não-humanos, já não ouvimos isto, da boca de aficionados de touradas?
E na onda de despropósitos em que vagueou, o Papa Francisco disse a quem o ouvia que, para Jesus, «sentir piedade é partilhar a tristeza, mas ao mesmo tempo agir na primeira pessoa para transformá-la em alegria».
Não, Papa Francisco. Para Cristo sentir piedade não é apenas isto. Não foi isto que retirei dos ensinamentos de Cristo.
Para Cristo, «sentir piedade é colocarmo-nos no lugar do outro, e não fazer ao outro o que não gostaríamos que nos fizessem a nós». E esse outro, para Cristo, é qualquer das criaturas de Deus, incluindo os animais não-humanos.
E se o Papa (e todos os Padres da Igreja) em vez de dizer o que disse, repetisse infinitamente este princípio máximo de todas as religiões, o mundo seria um paraíso: «Não faças aos outros, o que não gostarias que te fizessem a ti».
Foi este ensinamento que Cristo nos deixou, e ao qual a Igreja Católica faz ouvidos de mercador.
Eu, que abomino touradas e predadores de animais não-humanos, por piedade, já ajudei aficionados e predadores de animais não-humanos nas suas misérias.
Que moral teria eu, para lutar pelo que luto, se fosse tão desumana como os desumanos predadores de animais não-humanos?
Até um assassino merece um prato de comida. Ou não? Ou deixamos morrer à fome os prisioneiros, os condenados à morte pela justiça dos “homens”?
Ao condenado à morte é-lhe oferecido o maior manjar, como último pedido.
Por que haveria os defensores de animais não-humanos recusar um prato de comida a um vizinho faminto, ainda que fosse um desalmado?
Este mundo, por vezes, não me parece um mundo. Parece-me um buraco negro, onde até um representante de Deus comete os seus erros.
Por fim, o Papa Francisco apelou ao cultivo da piedade, sacudindo de cima de si próprio a indiferença que impede cada um de reconhecer o sofrimento dos outros.
Do que se esqueceu Francisco de dizer foi que nesses outros também estão incluídos os animais não-humanos, também criaturas de Deus, a que a Igreja Católica não dá o mínimo valor, nem defende, como defendia São Francisco de Assis, permitindo as maiores barbaridades, em Portugal, em Espoanha, em França e em mais cinco países sul-americanos, onde se pratica a tortura de Touros, com a bênção da Igreja Católica.
E isso não é nada, nada, mas mesmo nada cristão.
Será apenas católico, apostólico, romano?
Isabel A. Ferreira
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