Terça-feira, 10 de Fevereiro de 2015

Carta aberta ao senhor doutor Marcelo Rebelo de Sousa

 

Posso entender o não-saber, numa pessoa que não teve acesso à Cultura Culta.

Mas jamais o compreenderei em alguém que teve o privilégio de frequentar uma Universidade.

 

MARCELO.jpeg

 

Exmo. Senhor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa,

 

Ouvi V. Excelência, um destes dias, na sua rubrica do telejornal da TVI, dar os parabéns aos forcados de Santarém, pela passagem do aniversário daquele grupo.

 

Confesso que, apesar de saber que V. Excelência é um aficionado assumido, de selvajaria tauromáquica (constando na lista dos que ficarão perpetuados no Livro Negro da Tauromaquia em Portugal, o que lhe retira todo o prestígio que poderia ter, e não tem), nunca imaginei que tivesse a baixeza de vir a público dar os parabéns a um bando de cobardes que tortura touros, já moribundos, em grande sofrimento e agonia, para “deleite” de um punhado de sádicos, quando tinha o dever de combater esta ignomínia.

 

Não saberá o senhor doutor Marcelo Rebelo de Sousa que a selvajaria tauromáquica faz parte da “coltura” dos broncos, é a “arte” dos broncos, é a “tradição” dos broncos e a “identidade cultural” dos broncos?

 

Não saberá V. Excelência que a selvajaria tauromáquica é um costume bárbaro, herdado dos bárbaros espanhóis de antanho, e absolutamente rejeitada pela sociedade moderna, civilizada e culta?

 

Sempre me intrigou o facto de “personalidades” (felizmente um número insignificante), que tiveram acesso à Cultura Culta, estarem envolvidas em algo que faz parte do que de mais vil existe no ser dito “humano”: a crueldade, a maldade, a impiedade, a insensibilidade, a falta de empatia para com seres indefesos, inocentes e inofensivos. O facto de gostarem de ver um ser vivo a ser torturado cobardemente, barbaramente. Gostarem de ver rasgar-lhes as carnes, e o sangue a jorrar das feridas que dilaceram o corpo e a alma que também eles têm.

 

Tenho feito esta pergunta a muitas dessas “personalidades” e até hoje nenhuma foi capaz de me dar uma resposta lógica e racional para um comportamento apenas compreensível (mas ainda assim inaceitável) em gente de muito baixo nível cultural, moral e social.

 

Ainda não tinha tido oportunidade de fazer a pergunta a V. Excelência.

 

Aqueles “parabéns” inusitados feriram a minha sensibilidade e fizeram a ocasião.

 

Por que é que um homem que frequentou o Ensino Superior; é membro da Junta Directiva da Fundação da Casa de Bragança, desde 1994; é Licenciado em Direito e doutor em Ciências Jurídico-Políticas; é professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde exerceu as funções de presidente do Conselho Directivo, do Instituto da Cooperação Jurídica, do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas e do Conselho Pedagógico; e que foi também professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa; professor catedrático convidado da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, bem como da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa; foi negociador do ante-projecto da Faculdade de Direito da Universidade de Bissau e presidiu à Comissão Instaladora da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, e é doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto; foi dirigente do PSD; como é que um homem que se diz católico é aficionado de selvajaria tauromáquica, como se nunca tivesse tido a oportunidade de evoluir?

 

Posso perguntar a V. Excelência o que está por detrás de uma mente (que poderia ser brilhante, mas não é) para ter uma atitude absolutamente inexplicável à luz da mais básica racionalidade?

 

Vossa Excelência terá conhecimento de que a “indústria” da crueldade e da violência gratuitas sobre animais inocentes, indefesos e inofensivos enfrenta em todo o mundo civilizado uma grande contestação moral, e a sua actividade sangrenta e obscura suscita, nos tempos que correm, grande repulsa ética, social e cívica, não só em Portugal como em todo o mundo?

 

Saberá Vossa Excelência que apoiar a selvajaria tauromáquica, em pleno século XXI da era cristã, contra toda a evidência imparável da evolução necessária e inerente a um país em que apenas uma minoria (muito, muito minoria...) inculta e ignorante persiste em perpetrar uma prática que horroriza, é negada e afasta quase 90% da população portuguesa, que não só repudia esta “diversão” de broncos, como todas as outras práticas que se baseiam em maltrato de animais, como circos, lutas, caça e pesca desportivas, tiro aos pombos…, é passar a si próprio um atestado de inferioridade mental?

 

Vossa Excelência saberá que a selvajaria tauromáquica não tem mais lugar numa sociedade civilizada, e que o ser humano evoluiu no sentido de cada vez mais respeitar o sofrimento e a vida dos animais não humanos (uma vez que animais somos todos nós) e, por esse motivo, essa selvajaria tem vindo a ser repudiada e proibida em muitas cidades e regiões, nos (apenas) nove países (entre 193) onde tal barbárie ainda é permitida por governantes que ficaram cristalizados num passado muito remoto?

 

Vossa Excelência saberá que a selvajaria tauromáquica é, de facto, uma actividade bárbara que não serve absolutamente nenhum interesse do ser humano, e de um País, mas apenas o ego doentio de uma minoria inculta e nociva às sociedades modernas, que insiste em alimentar e perpetuar um “gosto” mórbido, desassisado e sádico de se divertir à custa do sofrimento atroz de um animal herbívoro, que nasceu para pastar tranquilamente nos prados?

 

Vossa Excelência desconhecerá que a selvajaria tauromáquica promove a violência gratuita, deseduca as crianças que a elas assistem, inclusive provocam-lhes traumas (estudos psiquiátricos provaram-no com grande clareza), representam uma afronta à ciência, que já demonstrou e provou sobejamente que os Touros e os Cavalos são animais sencientes e conscientes tal como nós, animais humanos?

 

Vossa Excelência não saberá que em 7 de Julho de 2012, um grupo de neurocientistas de renome internacional, declarou pela Universidade de Cambridge que todos os mamíferos, aves, répteis e outros animais de várias espécies, além de serem sencientes têm também consciência? Quer isto dizer, que têm plena noção do que se passa à sua volta e que, tal como o animal humano, têm a capacidade de experimentar sofrimento físico e emocional, como dor, tristeza, medo, stress, pânico, mas também alegria, amor e emoção. Ver o link:

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511936-declaracao-de-cambridge-sobre-a-consciencia-em-animais-humanos-e-nao-humanos

 

Vossa Excelência terá conhecimento de que a UNESCO, em 1980, declarou a tauromaquia como «a terrível e venal arte de torturar e matar animais em público, segundo determinadas regras. Traumatiza as crianças e adultos sensíveis. A tourada agrava o estado dos neuróticos atraídos por estes espetáculos. Desnaturaliza a relação entre o homem e o animal, afronta a moral, a educação, a ciência e a cultura"?

 

Porquê, sendo Vossa Excelência um homem com formação “superior” acoita na sua bagagem humana, algo tão desumano, tão cruel, tão sangrento e tão do foro da psicopatia como é a selvajaria tauromáquica?

 

Conseguirá Vossa Excelência ter uma explicação lógica e racional para esse seu gosto mórbido pela tortura de seres vivos? Pelo sangue? Pelo sofrimento? Uma atitude que nem o mais sábio dos sábios compreende?

 

Vossa Excelência é considerado um homem inteligente. 

 

Mas há dois tipos de inteligência: a inteligência luminosa e a inteligência tenebrosa.

 

Será V. Excelência uma inteligência tenebrosa? Não quero crer. Mas se é, será algo que se pode remediar. Pois se desconhecia todas estas alegações, agora já sabe. E tem oportunidade de optar.

 

E pretende V. Excelência candidatar-se a Presidente da República Portuguesa?

 

Aguardando que Vossa Excelência possa fazer a diferença, e dar-me a gentileza de uma resposta racional que justifique a crueldade exercida gratuitamente sobre um ser vivo para que V. Excelência possa aplaudir, envio-lhe os meus cumprimentos, que só não são os “melhores” porque V. Excelência, por enquanto, não os merece.

 

Isabel A. Ferreira

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 18:09

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