Episódio 1
Sou marginal. Sim, mas não por me ter deixado escorrer para as margens da vida, ou corromper pelo poder. Sou marginal apenas porque vivo à margem dessa vida e desse poder. Aliás, de todos os poderes. Livre como um cavalo selvagem à solta numa ilha virgem.
Apresento-me: Antonino Boaventura. Um criado às vossas ordens. Ex-diarista d’O Virónorte, outrora um jornal de muito prestígio, a nível nacional, hoje em franca decadência, uma vez que em nome dos novos valores democráticos, datados dos finais do segundo milénio depois de Cristo, se vendeu a uma dama chamada Política, e perdeu-se entre as fitas do seu avental, só cá para nós, cheiinho de nódoas, que nenhuma água e sabão consegue limpar.
Licenciei-me em Engenharia de Letras Mortas, um curso que surgiu na sequência de uma Reforma Governamental e que, na altura, me pareceu extremamente interessante e útil, até porque era uma novidade. Como sabem, os Reformadores do Ensino Português entretêm-se a inventar cursos dos mais geniais, com dois objectivos: primeiro, o de manterem os jovens desocupados ocupados durante quatro anos, para depois, logo que (de) formados, ficarem desocupados novamente, por tempo indeterminado; segundo, para justificarem os montantes (termo que vem de montanha) recebidos mensalmente, para pensarem, sentados à secretária (reparem que eu não disse, sentados em cima da secretária), pois também os há. Porque é fino. Está na moda. É chiquérrimo, como diria a Dadá Careta, a notável mais colunável do nosso país.
Mas obviamente, isto não se aplica à Licenciatura em Engenharia das Letras Mortas, que é um curso com uma extraordinária saída profissional, chegando a proporcionar-me um trabalho profícuo, tão profícuo que me levou ao desemprego. Mas esta é uma história que não interessa nada, como diria uma grande senhora da nossa televisão.
Apresentado o protagonista, falemos do nosso País.
De ventanas viradas para o oceano, é um território pequeno, mas onde tudo é de grande dimensão, a começar pelo mar que nos banha, que é imenso. Depois vem o resto: a ignorância colossal que envolve determinadas mentes; a enorme cegueira mental dos que podem e mandam; a desordem governamental é considerável; é interminável a hipocrisia; é opulento o cinismo; são soberbas as injustiças; enormes são as mentiras; e desmedidas são também as manipulações e as cumplicidades... Tudo em grande! Apenas o Antonino Boaventura, este criado às vossas ordens, é pequeno, como o País. Não em estatura, evidentemente. Digo pequeno no sentido de... pequeno. Isso mesmo! Entenderam perfeitamente.
Mas por hoje, chega. Regressarei para falar das gentes deste país pequeno, onde todas as coisas são de grande dimensão.
Isabel A. Ferreira