Em 23 de Fevereiro de 2012, numa carta aberta a D. Manuel Clemente, na altura, Bispo do Porto, dirigi-lhe um apelo, contando com a clemência (implícita no nome) que todos esperamos de um servidor de Deus, para a Causa da Abolição das Touradas em Portugal.
O meu apelo não foi considerado.
Hoje, repetindo as mesmas palavras da carta de 2012, até porque passados todos estes anos, nada mudou em Portugal, a este respeito, continuando-se a torturar seres vivos, para diversão de sádicos, com a bênção da Igreja Católica Portuguesa, reitero o mesmo apelo, agora que D. Manuel Clemente é Cardeal-Patriarca de Lisboa.
Espero que, desta vez, me ouça e interfira, porque o tempo é outro, e é preciso evoluir, mas, principalmente, é preciso sermos clementes para com todas as criaturas de Deus: as humanas e as não-humanas.
Exmo. Sr. D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriaca de Lisboa,
Já, por várias vezes, nos encontrámos em Arouca, em Braga, no último Congresso de Cister, enfim, e pelo que tive oportunidade de observar, fiquei com a impressão de que o Senhor D. Manuel Clemente é um homem inteligente, sensível e zeloso das suas obrigações Cristãs.
Por isso atrevo-me a dirigir-lhe estas linhas, com todo o respeito.
É que sendo eu uma defensora dos Direitos dos Animais, Humanos e Não-Humanos, e estando neste momento envolvida na Causa da Abolição das Touradas em Portugal e no Mundo, não compreendo a posição da Igreja Católica Portuguesa a este respeito, sabendo, como sabemos, que «a Tauromaquia é uma modalidade que assenta em primeira linha na exploração violenta e cruel do touro, sempre, e do cavalo nos programas em que ele é utilizado como veículo do actor tauromáquico e obrigado a tornar-se “cúmplice” da lide, sofrendo ansiedade e esgotamento e arriscando ferimento e morte», segundo a opinião do Dr. Vasco Reis, Médico-Veterinário.
Sabendo, como sabemos, que «a não-violência é a lei da nossa espécie assim como a violência é a lei dos brutos. O espírito jaz dormente no bruto e ele não conhece nenhuma outra lei a não ser a da força física. A dignidade do ser humano requer obediência a outra lei – à força do Espírito!», de acordo com Mahatma Gandhi.
E ainda, sabendo, como sabemos, que «(...) se fazem reclames entusiastas de espectáculos, como as touradas de praça onde por simples prazer se martirizam animais e onde os jorros de sangue quente, os urros de raiva e de dor e os estertores de agonia só podem servir para perverter cada vez mais aqueles que se deleitam com o aparato dessa luta bruta e violenta, sem qualquer razão que a justifique», como refere Adriano Botelho (ilustre cidadão da Ilha Terceira – Açores).
Posto isto, Senhor D. Manuel Clemente, pergunto por que motivo a Igreja Católica é CÚMPLICE desta selvajaria (há muitos padres católicos aficionados), e “abençoa” os torturadores de Touros (vulgo toureiros), antes destes irem para arena massacrar um ser vivo, que tem um ADN semelhante ao humano? Um ser que sofre e sente a dor tal como nós a sentimos?
Não serão o Touro e o Cavalo também criaturas de Deus?
Jesus Cristo ensinaria ao homem a prática da violência sobre os seres vivos? Foi para isso que viria ao mundo?
Escrevo-lhe para solicitar a douta interferência do Senhor D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa, nesta matéria, para que a Igreja Católica Portuguesa tome uma posição pública contra esta barbárie, como é de seu DEVER, até porque se a Igreja interferir, estes massacres acabam por acabar.
Não é de um bom cristão torturar seres vivos para se divertir, mas os torturadores de Touros e Cavalos são cristãos e torturam seres vivos para ganharem dinheiro e divertirem os sádicos.
Penso que o Senhor D. Manuel Clemente, como homem sábio que é, estará de acordo comigo.
Repare-se na cara patética deste “cristão”, na imagem mais acima, que além de torturador é cobarde, e no sofrimento atroz estampado na expressão do Touro, caído no chão, exaurido, dorido, esvaziado da sua dignidade de ser vivo.
São estes ensinamentos que a Igreja pretende que se transmita às crianças?
E a Igreja Católica Portuguesa nada terá a dizer sobre isto?
Isto faz parte de um tempo primitivo e obscuro. Estamos no Século XXI, depois de Cristo. É preciso evoluir, Sr. D. Manuel Clemente.
É preciso colocar Portugal entre os países evoluídos. E a Igreja Católica, tendo a influência que tem no nosso povinho, ainda tão ignorante, tem o DEVER de esclarecer esse povo, e não ser passiva quanto a esta matéria tão cruel, que só desprestigia o Ser Humano.
O senhor D. Manuel Clemente, tal como eu, historiador, saberá que os factos históricos são importantes. A Igreja Católica ficará manchada, para a História, como CÚMPLICE desta barbárie, se não tomar uma posição firme e essencialmente cristã, assim como ficou tristemente enlameada em tantas outras ocasiões, por nada ter feito, como na vergonhosa cumplicidade com as atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial contra os judeus, e nas Santas Cruzadas, e na Santa Inquisição, (apenas para referir os mais conhecidos casos de omissão da Igreja Católica). E é CÚMPLICE quem sabe e nada faz.
Espero que esta minha carta possa servir para acordar a “adormecida” Igreja Católica Portuguesa para esta grave lacuna, do seu apostulado. Os púlpitos são lugares apropriados para passar a mensagem da não-violência contra todos os seres humanos e não-humanos. Não é lugar para se falar de política. É lugar para se falar no que Jesus Cristo nos deixou de mais valioso, o preceito áureo: «não faças aos outros (e nesses outros estão incluídos todos os seres não-humanos) o que não gostas que te façam a ti.» Se todos os homens cumprissem esta simples regra, o mundo seria o lugar ideal para se viver, sem leis, sem governantes, sem polícias, sem armas, sem guerras, sem todos esses horrores, que o animal humano, e apenas o animal humano, inventou.
Porque é preciso acabar de uma vez por todas com esta macabra, patética, sangrenta e sádica prática chamada TOURADA, onde dois magníficos seres vivos (Touro e Cavalo) são barbaramente torturados por psicopatas.
E a Igreja Católica Portuguesa tem o seu quinhão de culpa nisto.
Com os meus melhores cumprimentos,
Isabel A. Ferreira
Fonte:
https://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/87535.html
(Recebido via e-mail)
«Partilho hoje convosco um texto de um querido amigo sobre o Massacre dos Judeus pela Inquisição. Há 510 anos foram mortos 2000-3000 judeus no Largo da Igreja S. Domingos (Lisboa) O actual Teatro D. Maria era a sede da Inquisição na altura. A origem do massacre partiu da comunidade Dominicana da Igreja de São Domingos. Esta igreja ainda hoje tem o Espírito desse passado, que foi “purificado” pelo terramoto e incêndios posteriores. Quem a visita ainda sente a presença de toda esta história e o “cheiro” a carne-sangue-fogo. Visitem esta Igreja e estejam lá (os que conseguirem) em silêncio e reflexão sobre este passado.» Pedro Belo
Texto de Paulo Mendes Pinto
«...Mas o chão cheirava a sangue»
Há uns anos atrás, escrevi, com a Susana Mateus, um pequeno livro sobre o massacre dos judeus em 1506. Passado um tempo de sabático afastamento ao tema duro da morte, regressei através d’O último cabalista de Lisboa de Richard Zimler. Adorei o texto do escritor luso-americano e revivi toda a minha pesquisa feita anos antes, todo o frenesim de escrever o livro, como se de uma “missão” se tratasse.
Há uns dias apanhei um pretexto e fui a S. Domingos, ao espaço onde esse massacre começou há mais de 500 anos. É claro que de 1506 já nada lá podemos encontrar. Tudo é posterior, quer a Igreja dos Dominicanos, quer o Teatro D. Maria, que está mais ou menos onde dantes esteve o Palácio da Inquisição.
Mas o chão cheira a sangue… Como que dando um tom irónico ao local, hoje o largo fronteiro à Ginjinha do Rossio, é dos espaços mais multiculturais da cidade lisboeta. Junto ao Palácio da Independência, como que afirmando que a multiplicidade é a nossa matriz – mesmo para os que a escamoteiam – somam-se os grupos de negros, por vezes em alegre alarde, despreocupados, ou não, em convívio solto que parece multissecular.
Mas não o é, não. Este local foi palco das mais atrozes cenas de violência que podemos imaginar. Não sabemos se morreram 4000 pessoas, judeus, ou se foram menos, uns 2000… enfim, trocos, pequenos pormenores quando se passa o limite do que de exacto o número possibilita.
Nesse dia, vim da Praça da Figueira, onde antes se situava o Hospital de Todos os Santos, instituição que recebeu os bens da Judiaria desmantelada por ordem de D. Manuel aquando do Baptismo Forçado dos Judeus em 1497. Entrei, mesmo junto ao velhinho Braz & Braz no pequeno largo fronteiro à Igreja.
Vi o monumento inaugurado aquando dos Oceanos de Paz, em 2001, com a mensagem do Cardeal Patriarca de Lisboa. De facto, como se matou em nome de Deus!... Vi o mais recente monumento, bilingue, dedicado às vítimas desse 19 de Abril de 1506. Estava com os meus filhos. Contei-lhes tudo.
Entrámos na Igreja que, mais um aspecto irónico, hoje apresenta um tecto como que flamejante, recordando o incêndio que já no século XX a vitimou, mas também, como que rememorando o fogo em que arderam centenas, ou milhares de pessoas às suas portas, sendo que os primeiros mortos desse morticínio foram perpetrados ainda dentro das suas paredes sagradas.
Neste tecto que hoje recorda o fogo, eram pendurados, nos séculos XVI e XVII, os sambenitos com que os sentenciados eram marcados – as vestes rituais que indicavam o crime e a sentença e que, no caso dos “relaxados em carne”, tinha a pintura do rosto do ainda vivo a ser queimado e transformado em morto.
Custou. Ficámos em silêncio. Rodeados por umas dezenas de pessoas - de crentes que, entre o turbilhão do Rossio e a voragem do Martim Moniz, decidira vir orar ou simplesmente recuperar o folgo desse ritmo alucinante da cidade moderna - sentimos o peso de uma solidão indizível. Apenas eu, os meus filhos e a minha companheira, sabíamos que no ar que respirávamos vagueavam as minúsculas partículas de milhares de vivos que contra a sua vontade se transformaram na mais normal cinza.
A cinza, essa, já as águas da chuva-que-tudo-limpa levou para o Tejo, ou não fossem os rios as marcas do esquecimento, os limes que criam barreiras e nos colocam de um lado da margem, dependentes de um barqueiro. Mas a memória, essa não foi por água que foi limpa. Não houve, nem purificação, nem sublimação. É de negação à memória que falo. Sim, esquecimento, na sua mais brutal força.
Quer no Antigo Egipto, quer na Roma Antiga, existiam formas muito bonitas de perpetuar a memória de alguém que morria. Uma delas era pelo nome. Em ambas as culturas, junto aos túmulos, colocavam-se frases e pedir a quem passasse que lesse o nome do morto. Dessa forma, repetindo o nome, dava-se vida.
Hoje, em Lisboa, ainda não conseguimos dar vida a esses nossos mortos que tão aviltantemente foram roubados a este mundo.
Para quando uma lista, um memorial com esses nomes?»
Fonte do texto: http://qeetempus.blogspot.pt/2013/07/mas-o-chao-ja-cheirava-sangue.html