Quinta-feira, 15 de Outubro de 2009

«O Amor Acontece» - Filme de Richard Curtis

 

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2009
 
Quando os Portugueses são humilhados e ninguém se insurge contra essas humilhações 
(Parte I)
 
Vem esta crónica na sequência da que dediquei a Maitê Proença, e a propósito de duas situações com que me vi envolvida recentemente, e me deixaram igualmente indignada.
Casualmente, num fim-de-semana em que me apetecia ver um filme leve, na televisão, para terminar relaxadamente um dia que fora demasiado fatigante, passei pelo Canal Hollywood e estava a iniciar precisamente o filme O Amor Acontece, tradução portuguesa do original Love Actually, de Richard Curtis (um roteirista neo-zelandês, naturalizado britânico – e isto é importante frisar).
Deixei-me ficar ali. O filme (já de 2003, mas eu ainda não o tinha visto) era uma comédia ligeira, falava de amor (que é algo sempre aliciante), uma das actrizes até era a nossa Lúcia Moniz, e um dos actores o Rodrigo Santoro, o sedutor Frei Malthus, da excelente e recomendável série brasileira Hilda Furacão, enfim, tinha ingredientes em dose suficiente para me cativar, e deixar pregada a um sofá.
Ora o filme contava uma série de histórias de amor, em tempo de Natal, época em que o ar fica misteriosamente impregnado de uma contagiosa benquerença, que, infelizmente, logo se esvai com o chegar de um novo ano, até que aconteça um outro Natal.
Peripécias daqui, peripécias dali, infidelidades, amores cruzados, amores tímidos, o enredo do filme decorria normalmente. A nossa Lúcia Moniz foi trabalhar como empregadinha doméstica, para uma casa alugada por um escritor chamado Jamie (o actor Colin Firth) enquanto este escrevia um livro. A Lúcia (Aurélia, no filme), era uma jovem bonita, atraente, meiga, educada, suave, limpinha, um pouco tímida, que coloria os dias tristonhos do escritor, deixando entrever que entre eles o amor andava no ar.
Quando este teve de deixar a casa, para seguir a sua vida, Aurélia foi dispensada. Ele, gentilmente, conduziu-a até ao bairro onde ela morava, um bairro demasiado sombrio para tão mimosa menina. Esta, ao despedir-se, dá-lhe um beijo na boca, que o deixou boquiaberto, pois era um rapaz tímido. Mas enfim, até aqui, nada a dizer. Tudo perfeitamente normal.
Entretanto, se não estou em erro, esta cena da separação dos dois acontece quase no final do filme. Enquanto os outros casais vão se recompondo, Jamie, a caminho do aeroporto, tem um rebate de consciência, pois Aurélia não lhe sai do pensamento. Decide então reconsiderar e ir procurá-la ao bairro onde a deixou. «Aurélia, onde fica a casa de Aurélia?». Perguntou. Lá lhe disseram. Bateu a uma porta. Abriu-lha um homem anafado, de aspecto besuntão, grosseirão, de fralda de fora, daqueles que até podem existir por aí, mas não são de modo algum o protótipo do homem português.
Quem era então este homem? O pai da Aurélia, em pessoa.
Jamie, que entretanto, por artes e artimanhas, aprendera a falar português, logo ali pediu para casar com a filha. O portuguesinho, embasbacado, pois não era todos os dias que um gentleman pedia a mão das filhas, chamou a que tinha mais à mão, aparecendo então uma mocetona, obesa, feia, horrorosa, grosseirona como o pai, descabelada, desdentada, oleosa, enfim, uma figurinha de fugir, o que também poderá existir por aí, mas não é, de todo, o protótipo da mulher portuguesa.
Ao ver tal criatura, Jamie apressou-se a dizer que não era aquela a sua amada, mas a Aurélia. Onde estava a Aurélia? Nestes entretantos, descendo as escadas, foi se aproximando a restante família de Aurélia, toda ela um pavor: porca, feia, grosseirona.
A Aurélia? Estava a trabalhar num restaurante. Era empregada de mesa. A família (toda) indicar-lhe-ia o caminho. E lá foram, beco fora, em procissão, Jamie e o pai grosseirão da Aurélia à frente, e atrás a irmã obesa, a mãe obesa, e demais família, todos com o aspecto mais seboso que possa imaginar-se.
Uma família portuguesa? Não, com certeza. Uma caricatura desprezível, sim.
Chegados ao restaurante, lá estava Aurélia, radiosa, linda, delicada como uma flor, o que destoava completamente da tal família sebosa. A discrepância era tal que se ficava com a ideia de que dentro de uma pocilga foi possível florescer uma rosa imaculadamente branca.
Aonde quero chegar?
Uma vez mais os Portugueses foram humilhados num filme realizado por um britânico (não interessa se naturalizado ou não). Um filme que teve sucesso, e que transmitiu uma péssima imagem dos Portugueses. Já com a série Os Tudors (do roteirista também britânico Michael Hirst) passada na RTP1, Portugal foi enxovalhado, como sendo um povo sebento, de poucas maneiras, enfim, os britânicos (entre outros) têm a ideia de que os portugueses são feios, porcos, maus e ignorantes, e fica tudo por aí, pois ninguém os contradiz.
(Recorde-se aqui o livro «1808» do jornalista brasileiro Laurentino Gomes, que foi por mim contestado, e os Portugueses, salvo raras excepções, passaram por cima do preconceito do jornalista, transformando-o num best-seller, e ignoraram igualmente o meu atrevimento, ao contestá-lo.)
Ora em relação à Lúcia Moniz, esta deveria ter-se recusado determinantemente a interpretar aquela personagem, tendo como família uma gente tão sebosa. Aceitava o papel, sim, se o realizador se desse ao trabalho de pesquisar melhor o protótipo das famílias portuguesas que emigram. Em mil, uma caracterizar-se-á, por ventura, como a que foi retratada no filme, porém, a personagem Aurélia, nunca poderia ser aquela menina mimosa e delicada, mostrada no filme, e que vicejou numa família tão pocilguenta.
Já a RTP1 deveria ter recusado comprar e passar Os Tudors, no pequeno ecrã, como forma de protesto contra a ignorância daqueles que têm ideias erradas e fixas, sobre o povo português, que ao que vejo, perdeu o brio e tem vergonha de ser patriota, isto é, tem vergonha de amar o seu país – Portugal. Que vergonha há nisto? Esses portugueses, ou melhor, esses portuguesinhos, que se envergonham de ser Portugueses não merecem ser filhos do pequeno e belo território que os viu nascer.
Voltando àquela noite...
Nessa noite, eu, que queria descontrair-me com um filme leve, irritei-me à brava.
Como se tudo isto não bastasse, e ainda no seguimento dos maus-tratos a que os portugueses estão sujeitos, por parte dos estrangeiros que ignoram tudo sobre o que fomos e o que somos (nem o mínimo sabem, mas nós sabemos o mínimo sobre o Quirguistão), e mesmo por parte dos Portugueses que não reagem a esses maus-tratos (e é por isso que o estudo da HISTÓRIA, banido das nossas escolas, é premente), poucos dias depois, aconselharam-me a ler um livro que foi publicado pela Civilização Editora (edição de Portugal) em 2007, intitulado «O Português Que Nos Pariu», da jornalista brasileira Angela (sem circunflexo) Dutra de Menezes, e sobre o qual o jornal O Globo (Brasil), comentou ser «um dos dez melhores livros do ano».
Porque isto tem muito que se lhe diga, deixarei o comentário desta obra para a segunda parte de Quando os Portugueses são humilhados e ninguém se insurge contra essas humilhações...
 
publicado por Isabel A. Ferreira às 14:48

link do post | Comentar | Ver comentários (4) | Adicionar aos favoritos

Mais sobre mim

Pesquisar neste blog

 

Dezembro 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

«O Amor Acontece» - Filme...

Arquivos

Dezembro 2024

Novembro 2024

Outubro 2024

Setembro 2024

Agosto 2024

Junho 2024

Maio 2024

Abril 2024

Março 2024

Fevereiro 2024

Janeiro 2024

Dezembro 2023

Novembro 2023

Outubro 2023

Setembro 2023

Agosto 2023

Julho 2023

Junho 2023

Maio 2023

Abril 2023

Março 2023

Fevereiro 2023

Janeiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Agosto 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Fevereiro 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Setembro 2021

Agosto 2021

Julho 2021

Junho 2021

Maio 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Novembro 2020

Outubro 2020

Setembro 2020

Agosto 2020

Julho 2020

Junho 2020

Maio 2020

Abril 2020

Março 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Dezembro 2019

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Direitos

© Todos os direitos reservados Os textos publicados neste blogue têm © A autora agradece a todos os que os divulgarem que indiquem, por favor, a fonte e os links dos mesmos. Obrigada.
RSS

AO90

Em defesa da Língua Portuguesa, a autora deste Blogue não adopta o Acordo Ortográfico de 1990, nem publica textos acordizados, devido a este ser ilegal e inconstitucional, linguisticamente inconsistente, estruturalmente incongruente, para além de, comprovadamente, ser causa de uma crescente e perniciosa iliteracia em publicações oficiais e privadas, nas escolas, nos órgãos de comunicação social, na população em geral, e por estar a criar uma geração de analfabetos escolarizados e funcionais. Caso os textos a publicar estejam escritos em Português híbrido, «O Lugar da Língua Portuguesa» acciona a correcção automática.

Comentários

Este Blogue aceita comentários de todas as pessoas, e os comentários serão publicados desde que seja claro que a pessoa que comentou interpretou correctamente o conteúdo da publicação. 1) Identifique-se com o seu verdadeiro nome. 2) Seja respeitoso e cordial, ainda que crítico. Argumente e pense com profundidade e seriedade e não como quem "manda bocas". 3) São bem-vindas objecções, correcções factuais, contra-exemplos e discordâncias. Serão eliminados os comentários que contenham linguagem ordinária e insultos, ou de conteúdo racista e xenófobo. Em resumo: comente com educação, atendendo ao conteúdo da publicação, para que o seu comentário seja mantido.

Contacto

isabelferreira@net.sapo.pt