Um excelente texto da autoria de António Barreto, publicado no Jornal Público, e que deve ser divulgado até à exaustão, por oferecer aos Portugueses uma visão extremamente lúcida acerca das lamentáveis declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, sobre as "indemnizações" a dar a pessoas que já estão mortas e enterradas, pelo menos há seis séculos, e que foram vítimas de pessoas que já estão enterradas também há vários séculos, umas, e outras, há vários anos.
Recebi o texto via e-mail.
Aproveito para felicitar António Barreto, que muito admiro, por uma lucidez que vai rareando em Portugal.
Isanbel A. Ferreira
Haja, em Portugal, quem seja racional e tenha a coragem de dizer as verdades, tal como elas se apresentam a olhos que vêem e a ouvidos que ouvem.
Texto de António Barreto, recebido via e-mail.
Isabel A. Ferreira
Por António Barreto
Pelo carácter atrabiliário e irascibilidade adolescente. Pela palavra gratuita, pela moral que muda, pela crueldade, pela hipocrisia: muitas destas pessoas não deviam ter acesso a postos de comando.
Podemos ter a certeza: neste caso da TAP, dos respectivos antecedentes e das devidas sequelas, há, entre os seus intervenientes, um ou vários malfeitores. O problema consiste em saber se são todos ou só alguns.
Podemos ter outra certeza: há, neste processo, um ou vários mentirosos. Falta saber se são todos ou só alguns.
É ainda certo que há alguém a preparar um roubo, a cometer uma fraude, a obter algo indevidamente, a tentar assassinar politicamente alguém, a liquidar um adversário e a destruir quem sabe segredos. Só não sabemos se é só um, se são vários ou se são todos os intervenientes.
Sabemos também que estão envolvidos titulares de cargos políticos, altos funcionários do Estado e altíssimos responsáveis da Administração Pública, universo este que pode incluir um primeiro-ministro, vários ministros e ex-ministros, diversos secretários de Estado e ex-secretários de Estado, chefes de gabinete, adjuntos, assessores, auditores jurídicos e administradores de empresas públicas. Uma vez mais, não sabemos se todos ou só alguns têm culpas e responsabilidades.
É seguro que algo está em causa, mais importante do que um computador, dois socos, três bofetadas e uma ameaça de agressão. Num ministério como este, das Infra-Estruturas, é difícil encontrar documentos confidenciais muito sérios. Também num país como o nosso, não é crível haver segredos de Estado vitais, ainda por cima gravados no computador de um adjunto! Muito dinheiro, muitos interesses, enormes favores e imensas negociações: eis o que pode estar em causa.
Temos diante de nós a coreografia ou o cenário perfeito da mentira: do mesmo acontecimento, dos mesmos factos, com os mesmos protagonistas, existem pelo menos duas versões contraditórias, dois elencos factuais diferentes e opostos e evidentemente dois perpetradores.
Um bando em funções de Estado, instituições supostamente respeitáveis, departamentos governamentais com responsabilidades, deputados eleitos e representantes directos dos cidadãos, empresas públicas, escritórios de advogados famosos, salteadores de capitais internacionais, funcionários de Estado obrigados a limpar as estrebarias e empresas internacionais de consultadoria estão atarefados à volta de um ministério. Este, por sua vez, ocupa-se de tudo quanto é importante na economia futura do país: aviões, aeroportos, comboios, caminho-de-ferro, portos fluviais e marítimos, grandes pontes, energia, rede eléctrica nacional, barragens e centrais térmicas e mais, tanto mais, em duas palavras, quase tudo, nas mãos de um ministro… É isso que está em causa! São decisões de muitos milhares de milhões! São os marcos da economia futura do país. É o maior investimento de que há memória e de que haverá crónica no futuro! É isso que está em causa, não é um computador, um telemóvel, uma ameaça contra quatro mulheres, um murro de um homem, uma grosseria de um ministro, um engano de um telefonema…
Já se percebeu que houve mentira, traição, ciúme, engano, ameaça, violência e abuso. Mas porquê? O que estava em causa realmente? Dinheiro? Interesses estrangeiros? A companhia de aviação? O aeroporto? O lítio? Os comboios e o TGV? A rede eléctrica nacional? As “renováveis”? Uma coisa parece certa: para que os intervenientes se tenham deixado enredar em cenas ridículas próprias de telenovela, é necessário estarem de acordo sobre um ponto: o silêncio sobre o essencial. Fica-nos a certeza de que este silêncio e a zanga têm origem num passado de cumplicidade.
Ao longo deste processo, pelo que se sabe, alguns ou todos se portaram mal, abusaram de poder e de funções, mentiram, esconderam, ameaçaram, agrediram, roubaram, destruíram, quebraram, negaram, tentaram liquidar, apagaram documentos, “limparam” telemóveis e computadores, sonegaram provas, esconderam fontes e acusaram falsamente outras pessoas. Todos? Só alguns? Quem?
Raramente, nestas décadas que levamos de democracia, se atingiu um ponto tão baixo de miséria moral, de atentado político, de vilania, de imoralidade e de sem vergonha! Há gente que, por bem menos, reside actualmente na penitenciária, em Custóias ou em Pêro Pinheiro. Raramente como agora a justiça portuguesa esteve tanto em causa. Raramente como agora o Estado de direito esteve tão ameaçado.
Na máfia, nos gangs de Nova Iorque, entre oligarcas de Moscovo, nas redes de tráfico de droga, no mercado do sexo e de trabalhadores clandestinos, nos serviços de imigrantes, no comércio de armamento, nos arranha-céus de magnates do petróleo ou nos resorts dos bilionários dos metais raros, há procedimentos parecidos com aqueles que se adivinham neste processo. Com a diferença de montantes e de pessoas envolvidas, com certeza. Mas com uma similitude moral indiscutível.
Parece a República dos Garotos. Pelo que se julgam superiores e infalíveis. Pela superioridade moral de que crêem usufruir. Pela inteligência sistémica com que tratam as estratégias de longo prazo e nada entendem da vida real. Pelo desprezo com que avaliam os outros, a opinião pública e os eleitores. Pelo modo como substituem as regras e as leis pelos seus gestos, os seus gostos e os seus valores. Pelo seu carácter atrabiliário e pela irascibilidade adolescente. Pela palavra gratuita, pela moral que muda, pela crueldade constante, pelo cinismo indisfarçável e pela hipocrisia como hábito e regra: por estes e outros atributos, estas pessoas, algumas destas pessoas, muitas destas pessoas não deveriam ter acesso a postos de comando, nem ter a capacidade de influenciar a vida de outros. Estamos perante pessoas que só têm regras claras e precisas: eles próprios, os seus amigos, os seus partidos, as suas famílias, as suas empresas e as suas auréolas de glória narcisista que designam por interesse público. Estes Garotos divertem-se com o mal dos outros, brincam e desprezam os inferiores e os menos dotados, odeiam e perseguem os superiores e mais capazes. E têm enorme consideração por si próprios.
«Como é possível que alguns ministros capazes, alguns governantes decentes, alguns altos funcionários competentes, alguns deputados honestos e alguns profissionais honrados se deixem enlamear por estes Garotos? Nunca se perceberá a razão pela qual académicos probos, professores dedicados, engenheiros competentes, autarcas responsáveis, sindicalistas empenhados, intelectuais com sentido moral da vida e políticos ciosos do bem comum se deixam envolver nesta história a todos os títulos tão sórdida.»
O autor é colunista do PÚBLICO
O título desta publicação é meu, mas faço minhas as palavras que José Cerca escreveu no seu Facebook ontem às 11:44
«DEMOLIÇÃO DO PADRÃO DOS DESCOBRIMENTOS!
Afinal, há por aí mais Mamadou Ba! Um deles é Ascenso Simões, deputado do PS que defende a demolição do Padrão dos Descobrimentos.
A liberdade de expressão não se pode confundir com insulto à História de Portugal e com uma crassa ignorância aos feitos heróicos dos nossos antepassados.
Por isso a Real Associação de Lisboa já emitiu um comunicado a condenar tal proposta:
"A Real Associação de Lisboa não pode deixar de manifestar um profundo espanto com as declarações do deputado Ascenso Simões que, tendo sido eleito por um partido actualmente no poder, defende a demolição do Padrão dos Descobrimentos, património da cidade de Lisboa e uma das suas imagens com maior notoriedade, que evoca feitos históricos dos nossos antepassados, constituintes da história e identidade portuguesas." »
Fonte: https://www.facebook.com/photo/?fbid=10215261144681935&set=a.1133116028121
E tal como diz António Barreto:
Abram este link, para ler o que diz este sociólogo a respeito do desrespeito que por aí grassa, pela História, por Portugal e pelos Portugueses, sim, porque nem todos os Portugueses cultivam ou se deixam deslumbrar pela estupidez!
Isabel A. Ferreira
Recebi, via e-mail, um comentário de Maria Manuela Cruto e Silva, a propósito do texto de António Barreto, publicado no Jornal Público, sob o título «Ainda não vimos nada!», que, neste Blogue já teve milhares de visualizações, e pode ser consultado neste link:
https://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/ainda-nao-vimos-nada-960476
Um comentário que subscrevo, tal como subscrevi as palavras lúcidas e iluminadas de António Barreto.
... se nada fizermos para impedir que destruam a nossa História...
«Não há dúvida de que o nosso Mundo caminha a passos largos para a sua destruição e para o fim da Civilização tal como a conhecemos hoje, da História como a aprendemos e amamos e de que nos orgulhamos, dos Princípios e Valores que até agora estruturaram as nossas vidas. Se não for no meu tempo, será no tempo do meu filho e, certamente, no tempo de vida do meu neto. Angustio-me por eles. Não consigo augurar nada de bom ou de edificante para o Futuro. Sem Grandeza Moral, nem Ideais e sem Respeito pelos Direitos de todos e de cada um, como se viverá e o que se poderá alcançar? Decerto que não a Felicidade ou a Paz.
Se nada fizermos, sonhamos agora os últimos sonhos. Há palavras como Honra, Dignidade, Palavra, Verticalidade e tantas outras que já deixaram de existir para muitos de nós e a estes muitos mais se seguirão.
Somos chamados, mais uma vez, a defender o que é nosso! E temos muito a defender! Somos grandes, somos enormes, somos PORTUGUESES!
(Maria Manuela Cruto e Silva)
***
Obrigada, pelo seu comentário, Manuela, e não podia estar mais de acordo consigo. Mas existe um problema: os Portugueses andam a dormir. Não mexem uma palha para mudar o rumo que o País está a levar.
Daí que o que diz António Barreto poderá acontecer, não haja qualquer dúvida.
E Portugal desaparecerá do mapa, como País fundado por Dom Afonso Henriques, e passará a ser um pedaço de terra cercada de estupidez por todos os lados.
Sim, é preciso defender, urgentemente, o que é nosso. Ser patriota nunca fez mal a nenhum País. Se não formos nós a defender a nossa Pátria, a nossa Cultura, a nossa Língua, a nossa História, a nossa dignidade de Povo Português, quem defenderá? Como diz o poeta e filósofo alemão, Friedrich Schiller «Não vale nada um Povo que não sabe defender a honra da sua Pátria».
Isabel A. Ferreira
ATERRADORA PROFECIA JÁ EM DESENVOLVIMENTO!
Uma profecia feita com a lucidez e o realismo de António Barreto. A LER com atenção e a PARTILHAR, pois é deveras preocupante e já se encontra em desenvolvimento na Europa e no Mundo.
António Barreto no jornal Público sobre a revisão da História.
Ainda não vimos nada! (José Cerca)
Por António Barreto
Republicanos, corporativistas, fascistas, comunistas e até democratas mostraram, nos últimos séculos, que se dedicaram com interesse à revisão selectiva da História, assim como à censura e à manipulação.
14 de Junho de 2020
É triste confessar, mas ainda estamos para ver até onde vão os revisores da História. Uma coisa é certa: com a ajuda dos movimentos anti-racistas, a colaboração de esquerdistas, a covardia de tanta gente de bem e o metabolismo habitual dos reaccionários, o movimento de correcção da História veio para ficar.
Serão anos de destruição de símbolos, de substituição de heróis, de censura de livros e de demolição de esculturas. Até de rectificação de monumentos. Além da revisão de programas escolares e da reescrita de manuais.
Tudo, com a consequente censura de livros considerados impróprios, seguida da substituição por novos livros estimados científicos, objectivos, democráticos e igualitários. A pujança deste movimento através do mundo é tal que nada conseguirá temperar os ânimos triunfadores dos novos censores, transformados em juízes da moral e árbitros da História.
Serão criadas comissões de correcção, com a missão de rever os manuais de História (e outras disciplinas sensíveis como o Português, a Literatura, a Geografia, o Meio Ambiente, as Relações Internacionais…), a fim de expurgar a visão bondosa do colonialismo, as interpretações glorificadoras dos descobrimentos e os símbolos de domínio branco, cristão, europeu e capitalista.
Comissões purificadoras procederão ao inventário das ruas e locais que devem mudar de nome, porque glorificam o papel dos colonialistas e dos traficantes de escravos. Farão ainda o levantamento das obras de arte públicas que prestam homenagem à política imperialista, assim como aos seus agentes. Já começou, aliás, com a substituição do Museu dos Descobrimentos pelo Memorial da Escravatura.
Teremos autoridades que tudo farão para retirar os objectos antes que as hordas cheguem e será o máximo de coragem de que serão capazes. Alguns concordarão com o seu depósito em pavilhões de sucata. Outros ainda deixarão destruir, gesto que incluirão na pasta de problemas resolvidos.
Entretanto, os Centros Comerciais Colombo e Vasco da Gama esperam pela hora fatal da mudança de nome.
Praças, ruas e avenidas das Descobertas, dos Descobrimentos e dos Navegantes, que abundam em Portugal, serão brevemente mudadas.
Preparemo-nos, pois, para remover monumentos com Albuquerque, Gama, Dias, Cão, Cabral, Magalhães e outros, além de, evidentemente, o Infante D. Henrique, o primeiro a passar no cadafalso. Luís de Camões e Fernando Pessoa terão o devido óbito. Os que cantaram os feitos dos exploradores e dos negreiros são tão perniciosos quanto os próprios. Talvez até mais, pois forjaram a identidade e deram sentido aos mitos da nação valente e imortal.
Esperemos para liquidar a toponímia que aluda a Serpa Pinto, Ivens, Capelo e Mouzinho, heróis entre os mais recentes facínoras. Sem esquecer, seguramente, uns notáveis heróis do colonialismo, Kaúlza de Arriaga, Costa Gomes, António de Spínola, Rosa Coutinho, Otelo Saraiva de Carvalho, Mário Tomé e Vasco Lourenço.
Não serão esquecidos os cineastas, compositores, pintores, escultores, escritores e arquitectos que, nas suas obras, elogiaram os colonialistas, cúmplices da escravatura, do genocídio e do racismo. Filmes e livros serão retirados do mercado.
Pinturas murais, azulejos, esculturas, baixos-relevos, frescos e painéis de todas as espécies serão destruídos ou cobertos de cal e ácido. Outras comissões terão o encargo de proceder ao levantamento das obras de arte e do património com origem na África, na Ásia e na América Latina e que se encontram em Portugal, em mãos privadas ou em instituições públicas, a fim de as remeter prontamente aos países donde são provenientes.
Os principais monumentos erectos em homenagem à expansão, a começar pelos Jerónimos e pela Torre de Belém, serão restaurados com o cuidado de lhes retirar os elementos de identidade colonialista. Os memoriais de homenagem aos mortos em guerras do Ultramar serão reconstruídos a fim de serem transformados em edifícios de denúncia do racismo. Não há liberdade nem igualdade enquanto estes símbolos sobreviverem.
Muitos pensam que a História é feita de progresso e desenvolvimento. De crescimento e melhoramento. Esperam que se caminhe do preconceito para o rigor. Do mito para o facto. Da submissão para a liberdade.
Infelizmente, tal não é verdade. Não é sempre verdade. Republicanos, corporativistas, fascistas, comunistas e até democratas mostraram, nos últimos séculos, que se dedicaram com interesse à revisão selectiva da História, assim como à censura e à manipulação.
E, se quisermos ir mais longe no tempo, não faltam exemplos. Quando os revolucionários franceses rebaptizaram a Catedral de Estrasburgo, passando a designá-la por Templo da Razão, não estavam a aumentar o grau de racionalidade das sociedades. Quando o altar-mor de Notre Dame foi chamado de Altar da Liberdade caminharam alegremente da superstição para o preconceito.
E quando os bolchevistas ocuparam a Catedral de Kazab, em São Petersburgo e apelidaram o edifício de Museu das Religiões e do Ateísmo, não procuravam certamente a liberdade e o pluralismo. E também podemos convocar os Iconoclastas de Istambul, os Daesh de Palmira ou os Taliban de Bamiyan que destruíram símbolos, combateram a religião e tentaram apropriar-se tanto do presente como do passado.
Os senhores do seu tempo, monarcas, generais, bispos, políticos, capitalistas, deputados e sindicalistas gostam de marcar a sociedade, romper com o passado e afastar fantasmas. Deuses e comendadores, santos e revolucionários, habitam os seus pesadelos. Quem quer exercer o poder sobre o presente tem de destruir o passado.
Muitos de nós pensávamos, há cinquenta anos, que era necessário rever os manuais, repensar os mitos, submeter as crenças à prova do estudo, lutar contra a proclamação autoritária e defender com todas as forças o debate livre.
É possível que, a muitos, tenha ocorrido que faltava substituir uma ortodoxia dogmática por outra. Mas, para outros, o espírito era o de confronto de ideias, de debate permanente e de submissão à crítica pública.
O que hoje se receia é a nova dogmática feita de novos preconceitos. Não tenhamos ilusões.
Se as democracias não souberem resistir a esta espécie de vaga que se denomina libertadora e igualitária, mergulharão rapidamente em novas eras obscurantistas.»
Fontes:
https://www.publico.pt/2020/06/14/opiniao/opiniao/nao-vimos-nada-1920419
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10213756651270540&set=a.1133116028121&type=3&theater
Faço minhas as palavras de António Barreto.
Está nas nossas mãos limpar a Assembleia da República do caruncho que fez ninho no hemiciclo.
Nesta minha recente viagem, encontrei um Portugal dominado por uma mediocridade viscosa, por um analfabetismo degradante e por uma inacreditável ignorância optativa, consequência da política retrógrada dos que governam Portugal a julgar que todos os Portugueses são parvos.
É nessa pretensa parvoíce que António Costa aposta. Por isso, há que aniquilar essa expectativa.
(Isabel A. Ferreira)
Um excelente texto, escrito em bom Português, para reflectirmos o actual estado do país, através da actual comunicação social (com dignas excepções), vendida ao poder político, numa total e vergonhosa vassalagem.
Informa-se apenas o que interessa aos governantes, aos políticos, aos partidos; fala-se incorrectamente, e legenda-se ainda pior, ou seja, na versão mais inculta da Língua Portuguesa.
Faço totalmente minhas, todas as palavras de António Barreto.
António Barreto (Sociólogo português)
(Origem da imagem: Internet)
«É simplesmente desmoralizante. Ver e ouvir os serviços de notícias das três ou quatro estações de televisão é pena capital. A banalidade reina. O lugar-comum impera. A linguagem é automática.
A preguiça é virtude. O tosco é arte.
A brutalidade passa por emoção. A vulgaridade é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que é genuíno. A submissão ao poder e aos partidos é democracia. A falta de cultura e de inteligência é isenção profissional.
Os serviços de notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos no mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro, não se quer ou não se sabe trabalhar na redacção, porque não há quem estude nem quem pense.
Os alinhamentos são idênticos de canal para canal. Quem marca a agenda dos noticiários são os partidos, os ministros e os treinadores de futebol. Quem estabelece os horários são as conferências de imprensa, as inaugurações, as visitas de ministros e os jogadores de futebol.
Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um directo. Figurão no aeroporto, comboio atrasado, treinador de futebol maldisposto, incêndio numa floresta, assassinato de criança e acidente com camião: sai um directo, com jornalista aprendiza a falar como se estivesse no meio da guerra civil, a fim de dar emoção e fazer humano.
Jornalistas em directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é o directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de um só fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da estupidez.
É absoluto o desprezo por tudo quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos mortos e algum terrorismo pelo caminho. As questões políticas internacionais quase não existem ou são despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e artísticas, são esquecidas. Quase não há comentadores isentos, ou especialistas competentes, mas há partidários fixos e políticos no activo, autarcas, deputados, o que for, incluindo políticos na reserva, políticos na espera e candidatos a qualquer coisa!
Cultura? Será o ministro da dita.
Ciência? Vai ser o secretário de Estado respectivo.
Arte? Um director-geral chega. Repetem-se as cenas pungentes, com lágrima de mãe, choro de criança, esgares de pai e tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela privacidade. Não há decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em directo. Tudo supostamente por uma informação humanizada, quando o que se faz é puramente selvagem e predador. Assassinatos de familiares, raptos de crianças e mulheres, infanticídios, uxoricídios e outros homicídios ocupam horas de serviços.
A falta de critério profissional, inteligente e culto é proverbial.
Qualquer tema importante, assunto de relevo ou notícia interessante pode ser interrompido por um treinador que fala, um jogador que chega, um futebolista que rosna ou um adepto que divaga.
Procuram-se presidentes e ministros nos corredores dos palácios, à entrada de tascas, à saída de reuniões e à porta de inaugurações. Dá-se a palavra passivamente a tudo quanto parece ter poder, ministro de preferência, responsável partidário a seguir. Os partidos fazem as notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno partido de menos de 10% comanda canais e serviços de notícias.
A concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia for comentada por cinco ou seis representantes dos partidos, há pluralismo! O mesmo pode repetir-se três ou quatro vezes no mesmo serviço de notícias! É o pluralismo dos papagaios no seu melhor!
Uma consolação: nisto, governos e partidos parecem-se uns com os outros. Como os canais de televisão.»
Origem do texto:
http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/antonio-barreto/interior/as-noticias-na-televisao-5407534.html
Um excelente texto, escrito em Bom Português, para reflectirmos o actual estado do país, através da actual comunicação social (com dignas excepções), vendida ao poder político-partidário, numa total e vergonhosa vassalagem.
Informa-se só o que interessa aos governantes, aos políticos, aos partidos; fala-se incorrectamente, e legenda-se ainda pior, ou seja, na versão mais inculta da Língua Portuguesa.
Faço totalmente minhas, todas as palavras de António Barreto.
António Barreto (Sociólogo português)
(Origem da foto: Internet)
Texto de António Barreto
AS NOTÍCIAS NA TELEVISÃO
«É simplesmente desmoralizante. Ver e ouvir os serviços de notícias das três ou quatro estações de televisão é pena capital. A banalidade reina. O lugar-comum impera. A linguagem é automática.
A preguiça é virtude. O tosco é arte.
A brutalidade passa por emoção. A vulgaridade é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que é genuíno. A submissão ao poder e aos partidos é democracia. A falta de cultura e de inteligência é isenção profissional.
Os serviços de notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos no mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro, não se quer ou não se sabe trabalhar na redacção, porque não há quem estude nem quem pense.
Os alinhamentos são idênticos de canal para canal. Quem marca a agenda dos noticiários são os partidos, os ministros e os treinadores de futebol. Quem estabelece os horários são as conferências de imprensa, as inaugurações, as visitas de ministros e os jogadores de futebol.
Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um directo. Figurão no aeroporto, comboio atrasado, treinador de futebol maldisposto, incêndio numa floresta, assassinato de criança e acidente com camião: sai um directo, com jornalista aprendiza a falar como se estivesse no meio da guerra civil, a fim de dar emoção e fazer humano.
Jornalistas em directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é o directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de um só fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da estupidez.
É absoluto o desprezo por tudo quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos mortos e algum terrorismo pelo caminho. As questões políticas internacionais quase não existem ou são despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e artísticas, são esquecidas. Quase não há comentadores isentos, ou especialistas competentes, mas há partidários fixos e políticos no activo, autarcas, deputados, o que for, incluindo políticos na reserva, políticos na espera e candidatos a qualquer coisa!
Cultura? Será o ministro da dita. Ciência? Vai ser o secretário de Estado respectivo.
Arte? Um director-geral chega. Repetem-se as cenas pungentes, com lágrima de mãe, choro de criança, esgares de pai e tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela privacidade. Não há decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em directo. Tudo supostamente por uma informação humanizada, quando o que se faz é puramente selvagem e predador. Assassinatos de familiares, raptos de crianças e mulheres, infanticídios, uxoricídios e outros homicídios ocupam horas de serviços.
A falta de critério profissional, inteligente e culto é proverbial.
Qualquer tema importante, assunto de relevo ou notícia interessante pode ser interrompido por um treinador que fala, um jogador que chega, um futebolista que rosna ou um adepto que divaga.
Procuram-se presidentes e ministros nos corredores dos palácios, à entrada de tascas, à saída de reuniões e à porta de inaugurações. Dá-se a palavra passivamente a tudo quanto parece ter poder, ministro de preferência, responsável partidário a seguir. Os partidos fazem as notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno partido de menos de 10% comanda canais e serviços de notícias.
A concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia for comentada por cinco ou seis representantes dos partidos, há pluralismo! O mesmo pode repetir-se três ou quatro vezes no mesmo serviço de notícias! É o pluralismo dos papagaios no seu melhor!
Uma consolação: nisto, governos e partidos parecem-se uns com os outros. Como os canais de televisão».
Origem do texto:
http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/antonio-barreto/interior/as-noticias-na-televisao-5407534.html