Quarta-feira, 24 de Janeiro de 2024
A tua vida poderia ter sido breve, mas perdura na obra que deixaste.
Eras Poeta, e os Poetas são imortais.
Hoje quero celebrar-te e já não tenho palavras, porque ao longo dos últimos 15 anos, desde que partiste para as estrelas, em 22 de Novembro de 2008, gastei todas as palavras para te homenagear.
Hoje vou repetir-me.
Mas que importância tem isso, desde que esteja a celebrar-te?
***
A António Monteiro dos Santos devo o meu conhecimento e afecto que me ligou a Vila do Conde, à sua História, aos seus Poetas, a José Régio e família (o irmão Apolinário, e sobrinhos com quem privei). A Vila do Conde, para onde fui dar aulas, no ano lectivo de 1973/74, na Escola Frei João de Vila do Conde, era ainda Bacharel.
Mais tarde, já como Correspondente dos Jornais «O Primeiro de Janeiro» e «O Comércio do Porto» conheci António Monteiro dos Santos, na Biblioteca Municipal de Vila do Conde, onde fui buscar o conhecimento das coisas daquela cidade.
Ele era um poço de saber. Um excelente paleógrafo. Pedi-lhe ajuda para que me introduzisse na História da cidade, da sua gente, dos seus hábitos, e o que A. Monteiro dos Santos me ensinou fez-me apaixonar por «Vila do Conde espraiada/entre pinhais, rio e mar!» (José Régio)
Depois vieram os seus livros de Poesia: «Por Ti Pintei a Lua» e “Se Eu Fosse Dono da Vida», sob o nome de Dário Marujo, «um nome que cheira a docas, um nome que cheira a cais», um nome que vem do tempo em que era Marinheiro, filho de um mar de gaivotas»…
A. Monteiro dos Santos, no Diana Bar (Póvoa de Varzim), à mesa onde José Régio costumava sentar-se e escrever os seus poemas.
Até sempre, meu amigo!
Isabel A. Ferreira
Segunda-feira, 22 de Novembro de 2021
Era o dia 22 de Novembro de 2008.
E o Poeta morreu.
Retrato de A. Monteiro dos Santos, por TEREZA
Na véspera tinha estado no Hospital de Vila do Conde a visitá-lo. A última visita. O último adeus. Ele estava numa espécie de coma, já envolto naquela luz que orienta as almas no caminho até ao outro lado.
Não sei se me ouviu, mas despedi-me dele com “um até um dia, amigo, e que encontres a serenidade que tanto procuraste em vida”.
É sempre muito triste despedirmo-nos de alguém que parte.
A António Monteiro dos Santos devo o meu conhecimento e afecto que me ligou a Vila do Conde, à sua História, aos seus Poetas, a José Régio e família (o irmão Apolinário, e sobrinhos com quem privei). A Vila do Conde para onde fui dar aulas, no ano lectivo de 1973/74, na Escola Frei João de Vila do Conde, era ainda Bacharel.
Mais tarde, já como Correspondente dos Jornais «O Primeiro de Janeiro» e «O Comércio do Porto» conheci António Monteiro dos Santos, na Biblioteca Municipal, onde fui buscar o conhecimento das coisas de Vila do Conde.
Ele era um poço de saber. Um excelente paleógrafo. Pedi-lhe ajuda para que me introduzisse na História da cidade, da sua gente, dos seus hábitos, e o que Monteiro dos Santos me ensinou fez-me apaixonar por «Vila do Conde espraiada/entre pinhais, rio e mar!» (José Régio).
Depois veio a Poesia: «Por Ti Pintei a Lua» e “Se Eu Fosse Dono da Vida», sob o nome de Dário Marujo, «um nome que cheira a docas, um nome que cheira a cais», um nome que vem do tempo em que era Marinheiro, “filho de um mar de gaivotas»…
É de “Se Eu Fosse Dono da Vida”, com uma pintura (de Carlos Touguinhó) o poema «Até Onde» com que direi uma vez mais: «Até um dia, amigo»…
«ATÉ ONDE»
Até onde nos vai levar
Esta poesia? Se for feia e agreste
Como rigoroso dia de Inverno
O mais certo é que nos leve
À profundeza do inferno.
Se dor quente como o Verão,
Se cair nos lábios como mel,
Se souber a mosto,
Se for radiosa,
Como o sol de Agosto,
Se for nossa
Se falar de nós,
Se for sem véu,
Há-de levar-nos ao céu.
***
Lamento que Vila do Conde ainda não tenha celebrado este seu Poeta.
Isabel A. Ferreira
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Domingo, 22 de Novembro de 2020
Passam hoje 12 anos sobre a morte de A. Monteiro dos Santos (paleógrafo e investigador) ou Dário Marujo, o Poeta (24 de Janeiro de 1944 - 22 de Novembro de 2008).
Um Homem do Saber, de Saberes feito, que deu um precioso contributo para a História de Vila do Conde e de Eça de Queiroz. E escreveu versos. Era Poeta.
No entanto, Vila do Conde esqueceu-se dele.
Mas eu não me esqueci, porque éramos amigos. E os amigos não se esquecem. Ao seu Saber recorri infinitas vezes, para poder servir Vila do Conde, com rigor, como correspondente de imprensa.
Hoje, recordá-lo-ei com dois poemas, que me dizem muito: um nasceu de mim, o outro foi-me dedicado.
A. Monteiro dos Santos junto à tapeçaria assinada por José Régio, que durante muitos anos ornamentou o Gabinete do Presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde (Foto tirada por mim, em 19 de Setembro de 1994).
Meu caro e saudoso amigo,
Não foi muito o tempo que tiveste para viver, mas foi o suficiente para te tornar imortal, através da tua poesia, do teu saber, da obra que deixaste...
Nenhuma pergunta havia que não deixasses sem resposta. Eras uma espécie de enciclopédia ambulante. Viveste entre os livros, trabalhaste entre os livros. Soubeste utilizar esta circunstância da melhor maneira. Serviste vila do conde através do teu Saber.
Mas também foste Poeta. Nasceste Poeta.
Assinavas os teus livros de poemas com o nome de Dário Marujo, um nome do qual eu não gostava. E um dia perguntaste-me porquê? E eu respondi: «Porque o teu nome cheira a docas, cheira a cais…».
E logo ali, naquele preciso momento, nasceu o poema com que abriu o seu primeiro livro de poesia intitulado Se eu Fosse o Dono da Vida… (de 1997), e que aqui reproduzo, com saudade…
O Meu Nome
O meu nome cheira a docas,
O meu nome cheira a cais,
De partida e de chegada.
Filho de um mar de gaivotas,
Colhidas nos vendavais.
O meu nome é maresia,
O meu nome é mar salgado,
É filho da alegria,
O meu nome é sem pecado.
É filho de um mar chão,
E também de um mar bravio,
Que trago na minha mão.
O meu nome é desafio,
O meu nome cheira a docas,
O meu nome cheira a cais,
Marujos em mastros reais,
No tempo das caravelas,
Filho do Sol, da chuva, do vento,
Tenho-o escrito nas velas,
Desta nau do pensamento,
O meu nome é panamá,
Corpete, manta de seda,
Farda branca, imaculada,
É jersey e é alcaxa,
Farda de azul-escuro,
É estóico, é lutador.
Nos lábios sempre uma trova,
No coração um Amor.
Desta doçura não fujo,
Meu nome é DÁRIO MARUJO.
*
Depois de ouvir este belo poema, fiquei a entender e a gostar do nome Dário Marujo, inspirado nos seus tempos de juventude, quando era marinheiro…
*
Recordo aqui também, aquele dia em que por ocasião do meu aniversário (também em Janeiro, a uns escassos dias do teu dia), quando a nossa amizade estava já consolidada, tu começaste a oferecer-me a prenda mais bonita que alguém pode receber: um poema.
E o poema que se segue foi o primeiro de muitos que me dedicaste, para me presenteares no dia do meu aniversário:
À Isabel A. Ferreira, no dia do seu aniversário natalício
Se te dói o desgosto que tens
Por campear a maldade,
Por reinar a estupidez,
Por vingar a ingratidão;
Se te dói a mudez de outras almas
Que apenas têm cabeça
Para acenar,
Sem pensar;
Se te agride a bajulice,
Ser humano feito bicho,
Sanguessuga, chupa-sangue,
Invertebrado e malvado,
Rastejante, feito cobra,
Todo feito de manobra.
Se o velhaco te dói mais
Que o maior celerado...
(Eu sei o quanto te dói,
Te magoa, te punge,
Te fere e te entristece)
Aceita
A minha receita:
...
Ergue a tua fronte
Acima do NADA.
Sê mais forte que essas doninhas
Que enxameiam ao teu redor.
Fazendo isto, tu serás mulher
E ninguém será mais do que tu
E serás tu mais que qualquer!
A. Monteiro dos Santos/ Janeiro de 1988
*
Ah! meu amigo, apesar de passados todos estes anos, ainda me dói os desgostos e continuo rodeada de doninhas. Porém, nunca deixei de seguir a tua receita, sempre de fronte erguida e acima do nada que me rodeia. Só assim tenho conseguido sobreviver.
Vila do Conde, tua terra natal, e minha terra do coração, já não é a mesma sem a tua presença, a presença de um amigo verdadeiro, daqueles que já não se fazem... e que me guiava pela riqueza histórica vila-condense…
Estejas onde estiveres, continuo a oferecer-te esta rosa amarela (símbolo do nosso grupo de poetas), a rosa que fotografaste no pequeno jardim, da pequena rotunda, em 2 de Maio de 1994, junto à antiga Biblioteca Municipal, hoje o Arquivo de Vila do Conde.
Continuarei a dizer-te: até sempre amigo!
Continuarás connosco, porque os Poetas são eternos.
Isabel A. Ferreira
Segunda-feira, 22 de Novembro de 2010
Dário Marujo, no «Cantinho dos Poetas» da Cervejaria "Vela Atlântica" (Póvoa de Varzim) , no V Encontro dos Poetas da "Página Jovem», do "Cantinho do Nicolau", do Jornal «O Comércio do Porto» (Foto: Isabel A. Ferreira)
(Na passagem do segundo aniversário da sua morte)
22 de Novembro de 2008/22 de Novembro de 2010
A notícia não me apanhou de surpresa. Mas doeu.
O meu amigo havia partido.
Mas deixou-nos os seus versos.
E é com um verso dele, do livro «Se Eu Fosse Dono da Vida...» que lhe grito cá de baixo:
«Comandante! Não me esqueci de ti! E do contributo que deste à tua tão querida terra – Vila do Conde; e ao Clube do Poetas da Página Jovem, do “Cantinho do Nicolau”.»
***
Fazer Versos
Há os que dizem
Que só fazem versos
Quando estão tristes,
Melancólicos, solitários,
Deprimidos, infelizes,
Enfaixados na saudade,
Calcados, amargurados.
Eu, por mim, sou ao contrário:
Só escrevo versos
Quando estou alegre,
Quando me sinto amado,
Quando estou feliz,
Contente, radiante,
Quando sou amante.
Por isso, os meus versos,
Os feitos com o coração,
Tão poucos são,
E no tempo tão dispersos...
***
Até sempre, amigo!
© Foto e texto Isabel A. Ferreira
Domingo, 24 de Janeiro de 2010
Copyright © Isabel A. Ferreira 2010
A. Monteiro dos Santos, na Caravela «Boa Esperança», atracada em Vila do Conde, recordando o seu tempo de marinheiro, o que deu origem ao seu pseudónimo de poeta - Dário Marujo
Parabéns a você/ Nesta data querida/ Muitas felicidades/ Muitos anos de vida...
Hoje é dia de festa/ Cantam as nossas almas/ Ao Monteiro dos Santos/ Uma salva de palmas!...
Como gostaria, caro amigo, de poder cantar assim, hoje, dia em que completarias 66 anos de vida. Não foi muito o tempo que tiveste para viver, mas foi o suficiente para te tornar imortal, através da tua poesia, do teu saber, da tua obra...
Nenhuma pergunta havia que não deixasses sem resposta. Eras uma espécie de enciclopédia ambulante. Viveste entre os livros, trabalhaste entre os livros. Soubeste utilizar esta circunstância da melhor maneira.
Mas também foste Poeta. Nasceste Poeta.
Lembro-me de que por ocasião do meu aniversário (também em Janeiro, a uns escassos dias do teu dia), quando a nossa amizade estava já consolidada, tu começaste a oferecer-me, a prenda mais bonita que alguém pode receber: um poema.
Se estivesses vivo, hoje, estarias, com certeza, a escrever um poema para me ofereceres daqui a uns dias. Como não estás entre nós fisicamente, e como não podes lançar palavras, daí, onde acredito que vivas, vou homenagear-te, aqui, muito emocionadamente, com o primeiro poema que me dedicaste, já lá vão muitos anos... Um poema que nunca ninguém leu, a não ser eu.
À Isabel A. Ferreira, no dia do seu aniversário natalício
Se te dói o desgosto que tens
Por campear a maldade,
Por reinar a estupidez,
Por vingar a ingratidão;
Se te dói a mudez de outras almas
Que apenas têm cabeça
Para acenar,
Sem pensar;
Se te agride a bajulice,
Ser humano feito bicho,
Sanguessuga, chupa-sangue,
Invertebrado e malvado,
Rastejante, feito cobra,
Todo feito de manobra.
Se o velhaco te dói mais
Que o maior celerado...
(Eu sei o quanto te dói,
Te magoa, te punge,
Te fere e te entristece)
Aceita
A minha receita:
...
Ergue a tua fronte
Acima do NADA.
Sê mais forte que essas doninhas
Que enxameiam ao teu redor.
Fazendo isto, tu serás mulher
E ninguém será mais do que tu
E serás tu mais que qualquer!
A. Monteiro dos Santos/ Janeiro de 1988
*
Ah! meu amigo, apesar de passados todos estes anos, ainda me dói desgostos e continuo rodeada de doninhas. Porém, nunca deixei de seguir a tua receita, sempre de fronte erguida e acima do nada que me rodeia. Só assim tenho sobrevivido.
Vila do Conde, tua terra natal, e minha terra do coração, já não é a mesma sem a tua presença, a presença de um amigo verdadeiro, daqueles que já não se fazem...
Estejas onde estiveres, ofereço-te esta rosa amarela (símbolo do nosso grupo de poetas), a rosa que fotografaste no pequeno jardim, da pequena rotunda, junto à antiga Biblioteca Municipal, hoje o Arquivo, em Vila do Conde.
Até sempre amigo!
Continuarás connosco, porque os Poetas não morrem nunca.
Isabel A. Ferreira
Segunda-feira, 24 de Novembro de 2008
Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
(A. Monteiro dos Santos declamando um dos poemas do seu primeiro livro
«Se eu fosse dono da vida…» no Salão Nobre da antiga
Biblioteca Municipal de Vila do Conde)
Ao meu amigo António Monteiro dos Santos, Poeta vila-condense, falecido no passado dia 22 de Novembro (2008), dediquei esta crónica, publicada no Jornal «A Voz da Póvoa»:
As Laranjeiras Florescem no Inverno…
A tarde caía. A frágil luz de fim de dia dourava a paisagem, e eu ali estava, diante daquelas velhas pedras cobertas de musgo e hera, tentando buscar, num passado longínquo, episódios bucólicos, talvez nunca vividos, mas que se fixaram no meu subconsciente, como se eu tivesse, realmente, pertencido a outras épocas.
Nunca entendi este meu fascínio por muros velhos, rodeados de silvas, que o tempo guardou religiosamente como autênticas relíquias, mudos testemunhos de vidas passadas.
Foi então que, por entre o silêncio que sempre invade os lugares ermos, distingui, nitidamente, o chilreio dos pássaros, que se recolhiam algures, ali perto. Por momentos, julguei-me para além do meu mundo, distante do meu planeta, numa qualquer galáxia prodigiosa, povoada por seres silenciosos.
Continuei a olhar aquelas ruínas, junto ao rio, cujas águas entoavam um cântico, baixinho, como que embalando os arbustos que habitavam as suas margens.
Nesta busca, quase louca, de recordações-fantasmas, o meu olhar pousou sobre uma laranjeira solitária, salpicada de frutos redondos e amarelos, a qual nascera ali, naquele lugar, inacessível a mãos vorazes, por isso, se mantinha ainda virgem.
Sentei-me então num daqueles muros que outrora serviram de abrigo provavelmente a algum senhor feudal e, ao olhar aquela laranjeira, veio-me à memória recordações bem mais recentes: a minha convivência com um Poeta que não se assumia como tal, talvez por modéstia, talvez por indefinição, que me disse:
«Deus, ao fazer a Natureza, cometeu um grande erro: criou as laranjeiras para florescerem no Inverno, e não no Verão, quando o calor abrasa e sabia bem refrescar-nos com os saborosos bagos da laranja…».
Sorri.
Estas não eram palavras do passado. Ouvia-as recentemente, da boca desse Poeta, meu amigo, quando filosofávamos acerca de Deus e das coisas do mundo e da vida.
*
Assim como as velhas pedras, os muros cobertos de musgo e hera, e as ruínas rodeadas de silvas, me cativam, e nelas tento buscar um passado que sinto pertencer-me, talvez por fazerem parte das minhas raízes, das minhas origens, também os Poetas têm o dom de me conduzir em batéis dourados, fazendo-me percorrer recantos do meu subconsciente, nunca dantes percorridos, porque só os Poetas conseguem atingir o inatingível.
A tarde sumia-se. A imensa laranja solar deslizava por detrás do arvoredo, enquanto as outras laranjas, as verdadeiras laranjas, continuavam a enfeitar aquela arvorezinha solitária, coberta agora de uma luz que me fez lembrar a de um belo quadro de Monet.
Senti a aragem fresca que fazia baloiçar, de mansinho, a folhagem dos eucaliptos e pinheiros que se agigantaram ao redor das ruínas, e fazia as águas do rio cantar mais atrevidamente.
Não tive qualquer desejo de saborear aqueles frutos que Deus, tão generosamente, criara para saciar a sede dos caminheiros errantes, no Inverno.
Talvez o Poeta tivesse razão. Talvez aquelas laranjas pudessem ser mais apreciadas no Verão, quando o Sol escaldasse e o corpo queimasse por dentro.
Porém, se Deus criou as laranjeiras para florescerem no Inverno, algum motivo secreto imperou.
Naquele instante, as ruínas, junto ao rio, deixaram de ter importância. Fixei o meu olhar sobre aquela arvorezinha salpicada de amarelo, e tudo o que desejei, então, foi encontrar a razão para a existência das laranjas, no Inverno. Se eu conseguisse decifrar o mistério, talvez o Poeta, meu amigo, mudasse de ideias e se reconciliasse com Deus.
*
Começava a escurecer. Aquele recanto à beira-rio transformou-se num lugar tenebroso. Lá no alto, surgiu a primeira estrela. Mais adiante, a Lua espreitou por detrás de uma nuvem e mirou-se, vaidosa, nas águas do rio.
Era tarde. Precisava de retirar-me. Aquelas ruínas, sob a luz do luar assustavam-me. Aproximava-se a hora do passeio dos fantasmas, e eu continuava sem encontrar qualquer argumento que pudesse contentar o Poeta.
Dir-lhe-ia apenas que tentei.
Afinal, que diferença faz as laranjeiras florescerem no Inverno, desde que cumpram, honestamente, a missão que o Criador lhes confiou?... O que importa é a autenticidade dos seres, tudo o resto é mera ficção científica.
Deixei aquele lugar ermo, aquelas ruínas cobertas de musgo e hera, despedi-me do rio, da Lua e daquele forte odor a terra húmida, onde a verde erva cresce em liberdade (o que sempre me deixou a sensação de lhe pertencer – à terra).
Num outro dia, talvez, eu ali volte e recomece a busca das minhas raízes, que sei mergulhadas num passado tão antigo como aquelas pedras que deixei à beira-rio.
Antes de retirar-me, porém, murmurei baixinho, só para a noite: «Ó Poeta, meu amigo, deixa que as laranjeiras saciem a tua sede, no Inverno. No Verão tu tens a água fresca das fontes que brotam dos montes, junto aos lugares da tua infância».
O eco das minhas palavras fez chegar a minha mensagem ao meu amigo, que na outra margem do rio, fazia poemas à Lua, junto às ruínas de um outro passado.
E naquela noite, pareceu-me sentir no ar, o aroma fresco das flores de laranjeira.
*
O Poeta a que me refiro neste texto é A. Monteiro dos Santos que vai hoje a enterrar, no cemitério do Monte, em Vila do Conde. Assinava os seus livros de poemas com o nome de Dário Marujo, um nome do qual eu não gostava. E um dia ele perguntou-me porquê? E eu respondi-lhe: «Porque o seu nome cheira a docas, cheira a cais…».
E logo ali nasceu o poema com que abriu o seu primeiro livro de poesia intitulado Se eu Fosse o Dono da Vida… (de1997), e que aqui reproduzo, com saudade…
O Meu Nome
O meu nome cheira a docas,
O meu nome cheira a cais,
De partida e de chegada.
Filho de um mar de gaivotas,
Colhidas nos vendavais.
O meu nome é maresia,
O meu nome é mar salgado,
É filho da alegria,
O meu nome é sem pecado.
É filho de um mar chão,
E também de um mar bravio,
Que trago na minha mão.
O meu nome é desafio,
O meu nome cheira a docas,
O meu nome cheira a cais,
Marujos em mastros reais,
No tempo das caravelas,
Filho do Sol, da chuva, do vento,
Tenho-o escrito nas velas,
Desta nau do pensamento,
O meu nome é panamá,
Corpete, manta de seda,
Farda branca, imaculada,
É jersey e é alcaxa,
Farda de azul-escuro,
É estóico, é lutador.
Nos lábios sempre uma trova,
No coração um Amor.
Desta doçura não fujo,
Meu nome é DÁRIO MARUJO.
*
Depois de ler este belo poema, fiquei a entender e a gostar do nome Dário Marujo.
A. Monteiro dos Santos havia sido marinheiro, na sua juventude.
Até sempre, amigo Dário Marujo!
Até sempre!...
Isabel A. Ferreira