Sexta-feira, 27 de Dezembro de 2013

Em 2008, um tribunal de Lisboa proíbe a RTP de emitir a "44ª." corrida TV" - O que é que o governo português não entendeu nessa mensagem claríssima, para não acatar essa proibição?

 

Tourada: programa violento capaz de influir negativamente na formação da personalidade de crianças e adolescentes – conclusão de um tribunal, em 2008

 

De 2009 a 2013 o que aconteceu?

 

As escolas taurinas portuguesas continuaram a ensinar a “arte” de torturar bezerros ao vivo e a cores, a crianças algumas delas menores de seis anos…

 

 

 

 
 
 

Estava-se em 2008, e uma providência cautelar interposta pela ANIMAL foi julgada procedente pela 12.ª Vara Cível de Lisboa – 1.ª Secção, em sentença notável do tribunal, numa acção judicial pioneira da ANIMAL para restringir a exibição televisiva de touradas pela RTP, com vista a prevenir os perigosos efeitos deseducativos do visionamento de touradas para crianças e adolescentes e a mensagem de aceitação da violência contra animais como algo de normal e aceitável que estas enviam.

 

Este procedimento cautelar interposto pela ANIMAL fundou-se, desde logo, no disposto no n.º 4 do artigo 27.º da Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho (Lei da Televisão), que estabelece que "quaisquer [...] programas susceptíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade das crianças ou de adolescentes, devem ser acompanhados da difusão permanente de um identificativo visual apropriado e só podem ser transmitidos entre as 22 horas e 30 minutos e as 6 horas". Como consequência desta decisão, a RTP está ordenada pelo tribunal a abster-se de emitir a "44.ª Corrida TV" nos termos em que a tinha programada e a tem anunciado.

 

A sentença proferida foi verdadeiramente notável, deixando apurada como matéria de facto provada um conjunto de alegações avassaladoras contra a exibição televisiva de touradas e contra os perigos que esta representa – justamente pela violência contra os animais que exibe, glorificando-a.

 

Ouvidas as testemunhas arroladas pela ANIMAL – contando-se entre estas testemunhas dois psicólogos clínicos e um biólogo e professor universitário de etologia (ciência que estuda o comportamento animal) –, o tribunal deu como provado que o visionamento de touradas televisionadas é, pelo menos, susceptível de ter uma influência negativa e deseducativa na construção e no desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes, transmitindo-lhes a mensagem de que torturar um animal, fazer disso espectáculo e exibi-lo televisivamente (entrando estas imagens e esta mensagem pela "casa de crianças e adolescentes adentro" e em horários televisivos perfeitamente acessíveis a uns e outros) é aceitável e normal.

 

A ANIMAL alegou – e o tribunal deu como provado – que o visionamento de touradas, especialmente quando exibidas na televisão em horário irrestrito, expõe crianças e adolescentes a um processo de dessensitização relativamente ao sofrimento dos animais (e também ao sofrimento de humanos), sendo a inflicção de sofrimento ali apresentada como um espectáculo legítimo, aparentemente artístico, em que a tortura de animais é louvada como esteticamente apreciável e moralmente neutra, e cuja respeitabilidade é tão grande, que aquele espectáculo chega a ser emitido televisivamente e a horas irrestritas – de fácil acesso a crianças e adolescentes (sendo exemplo disso as 17h, hora para a qual estava programada a exibição desta tourada).

 

O tribunal deu também como provado que, ao mesmo tempo que o Estado Português, através dos manuais escolares aprovados pelo Ministério da Educação, incorpora no conjunto curricular de mensagens educativas e formativas nos vários níveis de ensino a mensagem de que as crianças e os adolescentes devem respeitar e proteger os animais e a natureza, contraditoriamente, o Estado não só autoriza ainda a prática de touradas – o que vai contra as mesmas mensagens educativas veiculadas nos manuais escolares e que constituem tema de tantos trabalhos de turmas e alunos por todo o país na disciplina de "área projecto" –, como também, através da estação de televisão estatal, exibe espectáculos de violência contra animais como é o caso das touradas, e fazendo-o a qualquer hora, transmitindo, assim, a mensagem negativa e absolutamente inversa ao que nas escolas se procura ensinar.

 

Neste contexto, o tribunal deu como provado que estas mensagens contraditórias geram confusão no quadro de valores que se pretende incutir às crianças, condenando, nas escolas, os maus tratos a animais, enquanto promove e glorifica, na televisão, esta violência. Ficou também provado que, dando-se o processo de aprendizagem essencialmente por imitação de comportamentos, as crianças e os adolescentes poderão ser susceptíveis de virem a imitar os comportamentos violentos que vêem glorificados nas touradas e que aí são apresentados como sinais de heroísmo, bravura e arte – não obstante o facto de serem comportamentos cruéis para com os animais.

 

Segundo Rita Silva, Vice-Presidente da ANIMAL, "No Ocidente, os países onde os animais são mais mal tratados e onde há uma maior indiferença das populações relativamente ao sofrimento dos animais são, por norma, países onde existe actividade tauromáquica permitida pelo Estado. Portugal é um desses casos, sem dúvida alguma, sendo um país onde ainda hoje os animais se encontram fortemente desprotegidos e onde ainda não são vistos, de um modo geral, com respeito.

 

Isso deve-se, sem dúvida alguma e em grande parte, ao facto do Estado permitir que em qualquer centro de qualquer cidade ou vila do país vários touros e outros animais sejam expostos a uma tortura extrema, com contornos de crueldade assustadores, no contexto de corridas de touros e outras práticas tauromáquicas que são promovidas e acolhidas como espectáculos e cuja popularidade é estimulada.

 

Nos últimos dez anos, sobretudo, a popularidade das touradas decresceu brutalmente em Portugal, fruto de campanhas a favor dos direitos dos animais, e, com isso, tem-se dado também o avançado declínio económico desta indústria sanguinária.

 

Os portugueses já não querem que as touradas possam acontecer em Portugal e querem que Portugal seja um país onde os animais sejam bem tratados e mais fortemente protegidos.

 

Mas o Estado não tem reflectido isso através das suas decisões e a RTP, desde logo, tem tido um papel vergonhoso ao insistir em promover e difundir um espectáculo deplorável que devia ser já proibido e que, pelo menos, deveria estar completamente vedado de ser promovido ou difundido pelas estações de televisão.

 

Não é de todo aceitável que estas, particularmente a RTP, continuem a insistir no processo de dessentização que faz com que os portugueses ainda hoje não tenham tanta empatia para com os animais e os seus direitos quanta deviam ter.

 

Esta decisão judicial notável e absolutamente pioneira no mundo virou, agora, uma importante página da história da abolição das touradas e esperamos que a RTP e outras entidades retirem daqui as devidas conclusões".

 

O tribunal ordenou à RTP que se abstivesse "de transmitir no próximo dia 08 de Junho de 2008, pelas 17.00 horas, a 44.ª Corrida TV, a partir da Praça de Touros Celestino Graça, fora do período compreendido entre as 22.30 horas e as 06.00 horas, e sem a difusão permanente de um identificativo visual apropriado, a sinalizar tratar-se de um programa susceptível de influir de modo negativo na personalidade das crianças ou de adolescentes".

 

Como elemento de dissuasão, o tribunal condenou a RTP, "em caso de infracção do disposto [...] [na sentença], numa sanção pecuniária compulsória, de € 15.000,00 (quinze mil euros)", além de ter notificado a RTP do previsto no artigo 391.º do Código de Processo Civil, que estabelece que "incorre na pena do crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada".

 

Miguel Moutinho, Presidente da ANIMAL, afirmou que "neste momento, tanto quanto a ANIMAL conseguiu apurar, já não surge no site da RTP, em RTP.pt, qualquer referência, em termos de programação, à 44.ª Corrida TV. Acreditamos que a atitude certa que a RTP deveria tomar seria a de não voltar a emitir quaisquer touradas.

 

Trata-se de um espectáculo que foi considerado violento e

inadequado para crianças e adolescentes por um tribunal. Trata-se de uma actividade profundamente condenável que já não tem aceitação social em Portugal, mas colhe, isso, sim, repulsa e contestação. Trata-se de algo que representa o que há de pior na maneira como os humanos vêem e tratam os outros animais.

 

Fonte:

http://blogdosbichos.blogs.sapo.pt/887288.html

 

***

O que dizer depois disto?

 

- Primeiro, que a RTP não aprendeu nada com esta decisão histórica de um tribunal.

 

- Segundo, que o governo português também não aprendeu nada com os fundamentos que levaram este tribunal a proferir esta sentença.

 

- Terceiro, apresentar touradas nas televisões às cinco da tarde ou à meia-noite, para os aficionados, tanto faz: as crianças, filhas de aficionados, vêem as touradas nem que seja às quatro horas da manhã.

 

- Quarto, se VER touradas na televisão, é, segundo o parecer deste tribunal «susceptível de ter uma influência negativa e deseducativa na construção e no desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes, transmitindo-lhes a mensagem de que torturar um animal é aceitável e normal» o que dizer quando numa escola pública o toureio É ENSINADO a crianças, algumas menores de seis anos, com bezerrinhos a SEREM TORTURADOS a cores e ao vivo, com instrumentos perfurantes?

 

O que terá a dizer a 12.ª Vara Cível de Lisboa – 1.ª Secção, a este respeito?

 

Em Portugal existirão LEIS que protegem as crianças do homem predador?

publicado por Isabel A. Ferreira às 19:32

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