… e depois suicida-se…
Estes episódios repetem-se frequentemente, tão frequentemente que nos leva a reflectir sobre o “carácter” destes crimes.
Os caçadores são indivíduos com instintos assassinos. Se não o fossem, não se embrenhavam nos matos, para matarem, cobardemente, por mera diversão, animais inocentes, indefesos e inofensivos, que são surpreendidos e mortos no seu habitat, assim… sem mais nem menos…
(Origem da foto - «Pai atinge filho com tiro de caçadeira em Ponte de Lima»
A caça justificou-se nos primórdios do mundo, quando a Humanidade dava os seus primeiros passos.
O homem primitivo teve necessidade de caçar, para subsistir, como qualquer dos outros animais que com ele partilhavam (e ainda partilham) o planeta Terra.
Mas à medida que foi evoluindo, e ao tornar-se agricultor, a caça deixou de ser uma actividade básica do homem.
Contudo, depois disso, uma parte dessa Humanidade não conseguiu evoluir, e não evoluindo, os instintos primitivos que obrigavam o homem a matar outros animais (mas a matar sem crueldade, como desde sempre o fizeram todos os animais ditos irracionais e carnívoros) permaneceram quase imutáveis, e ainda hoje vemos tribos caçadoras, muito primitivas, que ainda caçam para subsistirem, na selva, onde a civilização ainda não entrou.
Porém, uma parte, dessa parte da Humanidade não evoluída, desenvolveu esses instintos assassinos, e fez da caça um desporto, matando pelo simples prazer de matar. Algo que sempre esteve ligado à realeza, às classes mais altas, por ser “chique” ir à caça…e que depois se estendeu à plebe.
E a partir daqui é que estas histórias trágicas de assassinatos a tiro de caçadeiras começaram a expandir-se.
Quando o instinto assassino lateja nas entranhas de um indivíduo, qualquer pretexto, qualquer contrariedade leva o caçador a matar. E não lhe interessa qual seja o animal. Será o que estiver mais à mão: humano ou não-humano.
Os mais desesperados suicidam-se depois. Os mais cobardes fogem ou deixam-se apanhar, tendo de arcar com a consequência dos seus actos. Mas nada aprendem.
Ora este instinto assassino teria tendência a dissolver-se, caso não fosse a caça uma modalidade desportiva, disfarçada de “necessária para o ecossistema”. Caso os lobbies dos caçadores e o da venda de armas não fossem poderosos e incentivadores deste instinto assassino. Caso os governantes tivessem a coragem de legislar a favor da evolução, da civilização e da cultura culta.
Enquanto não houver consciência, bom senso, responsabilidade e sensibilidade para as questões da Ética Animal, estes crimes continuarão a acontecer, pelas localidades mais atrasadas civilizacionalmente, onde uma boa fatia do povo ainda vive num estádio ainda muito primitivo. Mas não só.
Nem de propósito, ontem estive a ler uma entrevista de Sophia de Mello Breyner ao Jornal de Letras, nº 468, de 25 de Junho de 1991, e a alturas tantas o José Carlos de Vasconcelos (o entrevistador e director do jornal) afirmou:
- O seu pai estava ligado à alta burguesia do Porto.
Ao que Sophia respondeu:
- Mas era uma pessoa muito original. O que gostava era de caçar, da natureza, dos jardins e dos cães.
Agora entendo por que Miguel Sousa Tavares, filho de Sophia e neto do caçador que fazia parte da alta burguesia do Porto, diz o que diz e é o que é em relação à sua apetência por touradas e pela caça, e à sua aversão pelos animais não-humanos.
Alguém que gosta da caça, mas também da natureza, de jardins e de cães, não pode ser original. Será outra coisa, será tudo, menos original. Que Sophia me perdoe.
Alguém que goste de caçar, não pode gostar da Natureza, da qual os animais caçados fazem parte. Alguém que goste de caçar não tem a noção do ser cósmico. Alguém que goste de caçar está reduzido a uma dimensão meramente terrena, ainda pouco evoluída, pertença à burguesia, à realeza ou à plebe.
Quem não respeita um animal não-humano, não respeitará o animal humano, e muito menos respeitará a si próprio.
E então os títulos de matanças surgem como cogumelos em matas húmidas:
- Homem mata pais e avó a tiro de caçadeira (Montemor-o-Velho)
- Mata ex-militar a tiro de caçadeira (Vinhais)
- Pai atinge filho com tiro de caçadeira (Ponte de Lima)
- Desavença termina com dois tiros de caçadeira (Alcochete)
- Jovem de 18 anos baleado a tiro de caçadeira (Almancil)
- Foi provocado em casa e matou rival com tiro de caçadeira (Santiago do Cacém)
- Jovem morto a tiros de caçadeira (Ferreira do Alentejo)
- Tragédia com morte a tiros de caçadeira (Mafra)
- Mata mãe a tiro de caçadeira (Paderne)
Estes são apenas alguns dos inúmeros títulos que podemos encontrar numa busca, no Google. Reparem nos nomes das localidades onde estes crimes foram cometidos. Não vos dizem nada?
Até quando os caçadores e as suas caçadeiras vão andar por aí a matar animais humanos e não-humanos, apenas porque o instinto de matar, seja quem for (coelho, raposa, perdiz, javali, cão, gato, pai, mãe, filho, irmão, avós, vizinho, mulher) fala mais alto do que qualquer outro instinto mais humano?
Isabel A. Ferreira
Eis o magnífico ser, em toda a sua plenitude e dignidade, antes de ir para a arena
Esta será a primeira de algumas Cartas Abertas que tomarei a liberdade, como cidadã que tem o direito à indignação, de dirigir a determinadas entidades, que têm o dever moral de zelar pelo bem-estar de todos os seres, mas não zelam. Estão quietas, no seu canto, porque nada fazem que contribuia para melhorar a sociedade, tornam-se cúmplices da barbárie que reina no nosso País, e fazem dele um País muito abaixo do desejável, na questão da Ética Animal, não só por questões económicas, mas também por uma acentuada ignorância, que é necessário banir.
EM NOME DA CULTURA, DA CIVILIZAÇÃO E DA ÉTICA ANIMAL
Exmo. Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos-Veterinários Portugueses:
Como médico veterinário, ninguém melhor do que V. Exa. saberá sobre o sofrimento e a dor que um animal não-humano sente ao ser barbaramente molestado, ou simplesmente quando fica doente e necessita de cuidados médicos.
Porque sempre convivi com animais, sei do sofrimento deles, quando apanham SIDA, quando têm cancro de mama, quando ficam diabéticos, quando têm problemas renais, quando partem uma perna, quando têm um tumor maligno, quando cegam, quando se intoxicam, enfim, eu sei do sofrimento deles, e não sou médica-veterinária.
V. Exa., tal como eu, sabe perfeitamente que o corpo de um animal não-humano tem as mesmas características do de um animal humano. E um sistema nervoso central. Logo sentem a dor e sofrem tal como nós.
Não é verdade?
Posto isto, e sendo verdade que um animal da envergadura de um Touro, sofre atrocidades antes, durante e depois da “lide”, e tendo em conta que massacrar Touros numa arena é uma prática selvagem e inadequada a um povo que se quer civilizado, pois pressupõe o mais absoluto desprezo pela vida de um ser inocente, que é encurralado, torturado lentamente e morto perante um público insensível, sádico e sórdido, incapaz de ver a cruel e trágica realidade, mascarada de um espectáculo enganosamente alegre, vistoso e colorido, venho sugerir a V. Exa. que tome uma posição pública, perante o Governo Português, como é de sua obrigação, como cidadão e como médico-veterinário, e dê o seu contributo para que se limpe o nosso País desta nódoa negra, que não dá prestígio nem ao País, nem aos veterinários portugueses, que perante a tortura e a crueldade exercida sobre animais sencientes, que sofrem horrores às mãos de cobardes predadores, nada fazem, tornando-se, deste modo, cúmplices dessa crueldade.
Para terminar, Sr. Bastonário, e muito a propósito, deixo-o com a resposta de Voltaire a Descartes, no seu Dicionário Filosófico:
«Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Talvez porque tenho o dom de falar julgas que tenho sentimento, memória, ideias! Pois bem, Calo-me. Vês-me entrar em casa, aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembro tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei sentimentos de aflição e prazer, e que tenho memória e conhecimento? Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o seu dono e procura-o por toda a parte, com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e por fim encontra no gabinete o seu ente querido, a quem manifesta a sua alegria através de latidos, saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para te mostrarem as veias mesentéricas dele. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Reponde-me maquinista, teria a Natureza “encaixado” nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objectivo algum? Terá nervos para ser um animal insensível? Não inquines à Natureza tão impertinente contradição».
O resto, Sr. Bastonário, deixo à consciência de V. Exa..
Respeitosamente,
Isabel A. Ferreira
(Cidadã portuguesa, com direito à indignação, consigndao na Constituição da República Portuguesa)
Eis o que resta do magnífico ser, depois de cobardemente massacrado na arena, por criaturas desumanas, cruéis e insanas.
Ver aqui a Exposição da "arte" tauromáquica