Quarta-feira, 3 de Dezembro de 2014

«Se amam os Cavalos não os montem»

 

Porque simplesmente os Cavalos, seres extremamente sensíveis, não nasceram para ser montados, e sofrem horrores quando os usam para tal...

 

 

(O texto que se segue é de Sônia Teresinha Felipe, doutora em filosofia moral e teoria política pela Universidade de Konstanz, Alemanha, professora da graduação e pós-graduação em filosofia, e do doutorado interdisciplinar em ciências humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil), orienta dissertações e teses nas áreas de teorias da justiça, ética animal e ética ambiental. É pesquisadora permanente do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, Membro do Bioethics Institute da Fundação Luso-americana para o Desenvolvimento, autora de «Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas», Edufsc, 2007, e, «Por uma questão de princípios», Boiteux, 2003. 

 

Sônia T. Felipe

 

«Ama os cavalos? Não os monte! (Drª. phil. Sônia T. Felipe) [20/11/2014]»

 

«Não existe monta sem sofrimento para os Cavalos, quer o montador tenha consciência da agonia e tormento do Cavalo, seja bondoso, ou um psicopata que “ama" tanto o seu cavalo a ponto de odiá-lo e chicoteá-lo quando não consegue fazê-lo entender o que quer.

 

O que importa é o que o corpo e o espírito do cavalo sentem, quando há qualquer "disciplina", "domação", “quebra” e “castigo”. O cavalo sempre sofre. A única forma de ele não sofrer é não ser montado nem encilhado. E, não sendo montado nem encilhado, não há desporto de qualquer tipo: bigas, troikas, corridas em plano raso, vaquejadas, touradas, rodeios, olimpíadas, polo, cavalhadas e tudo o que hoje existe porque o Cavalo paga com a sua dor e não raro com a sua vida o gozo de quem o monta.

 

Quando leio e escrevo sobre a agonia dos cavalos, concentro-me nos cavalos. E faço-o, exactamente, porque quem os monta e lhes passa o freio (o ferro) sobre a língua nunca pensou nem entendeu nada de anatomia e fisiologia de cavalos. Pode até ter tido muita aula prática de equitação, mas não teve luz alguma sobre o que se passa debaixo do seu traseiro bem acomodado sobre o lombo de outro animal, tão ou mais sensível do que aquele que o monta.

 

Se eu escrever uma linha dizendo que há pessoas boazinhas com os cavalos, todas, leia-se, todas as pessoas vão se aconchegar nessa linha. Só existe um tipo de pessoa boa para os cavalos: a que não os monta. A que cuida deles e a deixa viver a seu modo. Rara pessoa humana, rara pessoa equina, a que tem tal chance de vida, em paz, sem a agonia dos ferimentos invisíveis aos olhos de toda gente e também de quem a monta.

 

E os cavalos continuarão a ser montados na manhã seguinte, a ter o ferro cruzando a sua língua na manhã seguinte, a receber chicotadas na manhã seguinte, a ter uma sela amarrada sobre o seu lombo para levar uma sedentária ou um sedentário, por horas, sobre a sua coluna, sofrendo, no galope, cada golpe do peso de quem o monta e da sela que nunca é desenhada para respeitar a singularidade do corpo do animal. O cavalo sofrerá tudo isso na manhã seguinte àquela na qual a pessoa leu algo e se classificou como pertencendo ao grupo das que "amam" cavalos.

 

Quem ama os Cavalos não os monta!

 

Escrevo para o animal. É o meu dever. Quem não coloca freio nem cabresto, não coloca sela, não usa esporas, não usa chicote, quem controla o animal apenas comunicando-se com ele, sem qualquer meio repressivo e doloroso (só os Nevzorov sabem fazer isso!), não precisa de se magoar com o que eu escrevo.

 

E quem faz tudo de mal ao Cavalo em nome do "amor" que tem por ele, deve ir para um analista. Os Cavalos não são seres masoquistas. Se estão com um sádico montado no seu lombo, é porque o sádico é um psicopata, quer tenha consciência de si, quer não. Há muita gente que "ama" o seu cão de estimação. Ama tanto que o condena à prisão perpétua e à solidão. Tranca-o no apartamento sozinho a semana toda, de manhã até à noite, para ter algo vivo à sua espera quando chega  exausto do trabalho ou das noitadas. Isso não é amor. É escravização. É privação. É condenação.

 

Entendo bem a angústia de quem conhece pessoas sem maldade que dizem amar os Cavalos e não querem machucá-los. Mas não tem excepção na equitação e na tracção. Usou freio, rédeas, esporas e chicote, é sessão de sadismo puro. Mesmo que a pessoa não veja toda a dor que causa.

 

E quem está sentado atrás da cabeça do Cavalo não vê a dor dele. E a dor que ele sente dentro da boca é indescritível. E a dor de uma úlcera também é indescritível. E a de uma pata lesada, idem. E a dor do pulmão, pelo esforço extraordinário de puxar uma carga morta ou levá-la sobre a coluna, idem.

 

E exactamente por serem indescritíveis todas as dores do Cavalo é que ele obedece. Porque o seu espírito evoluiu para não gritar de dor, pois, na natureza, o cavalo, assim como a vaca, não recebem ajuda de ninguém quando estão feridos. Pelo contrário, se gritarem de dor os predadores os elegem como alvo na próxima rodada.

 

Então, o Cavalo estrebucha, mastiga o freio nervosamente, balança a cabeça de um lado para o outro, dá ré, recusa-se a seguir, tudo isso porque está doendo demais e ele não tem como avisar ao peso morto sobre as suas costas. Ao peso morto que vive causando toda essa dor a ele sem “sentir” no próprio corpo, porque o corpo do peso morto sente mesmo é prazer em estar lá em cima, seguindo o seu passeio ou fazendo o “seu (?) “desporto” preferido.

 

Não porque tenha gostado da prática ou do peso da gorda e do gordo, da magra e do magro, sentados sobre a sua coluna, é que o cavalo segue. Não. Ele obedece porque é um animal fisiológico. A sua existência é o seu sentir. E ele sente horrores de dores com tudo o que fazem para que ele faça o que não tem interesse ou motivação natural alguma para fazer.

 

E, quando o cavalo obedece, é porque tem memória viva de que uma dor ainda maior virá, caso não siga em frente: uma puxada firme das rédeas, que lhe produzem o choque no sistema dos nervos craniais, uma chibatada sobre as carnes já inflamadas pelas chibatadas do dia anterior, dos minutos anteriores.

 

E, muitas vezes, não é somente na boca que a lesão é manifesta. É nas patas que está uma inflamação. É no lombo, pelo atrito do corpo da montaria impactando com a sela as partes da carne do animal, a cada passo, a cada galope. É no estômago. É no pulmão.

 

Até ao ano de 2008, Alexander Nevzorov (Nevzorov Haute École) ainda montava 5 minutos ao dia, podendo chegar a 15, excepcionalmente. Desde 2008, a monta foi definitivamente abolida das suas práticas. Ele escreve: "The year 2008 was a turning point in the history of the School. This was the year that we fully rejected horseback riding. The horse is not intended for riding even the slightest degree. Not physiologically, not anatomically, not psychologically. I had come a pretty long way to have this realization, and it is based not only on my feelings but first of all on the results of long term research. I understand how difficult is to accept this fact. But the ability to abandon horseback riding is a guarantee of a true, high relationship with the horse. Today horseback riding is a turning point of our history. Now we comprehend and bring into this world another beauty - the beauthy of a conversation with the horse as an equal." The horse crucified and risen, 2011, p. 223. Por quê?

 

Porque as carnes ficam inflamadas. A Lydia Nevzorova é fisiologista. Ela faz os exames de termografia computadorizada nos cavalos, e, pelas imagens coloridas, detecta cada área do corpo inflamada e grau dessa inflamação. Esse exame é muito caro. Só os "cavalos ricos" são examinados para a detecção das áreas de inflamação. E o são apenas quando começam os fracassos nas competições, quando eles não têm mais forças psicológicas para obedecer, apesar da dor das puxadas das rédeas na sua face e boca, ou das chicotadas e esporadas. Quando, apesar de toda essa dor, ainda assim o animal não mais obedece, se o "dono" é rico, então o leva para o exame termográfico computadorizado. E o que Lydia Nevzorova encontra é um corpo inflamado da boca às patas, quando não ao ânus (no caso de choques eléctricos).

 

As fotos são impactantes. Na foto de um Cavalo sem inflamação alguma, a de um não usado para montaria, a imagem do corpo todo aparece em azul, sem manchas luminosas. Os animais montados e lesados nas patas, nos tendões, na nuca, no dorso, nos flancos, aparecem com as lesões todas em cores de ondas longas, mais vivas, evidenciando os machucados invisíveis a olho nu. E esses ferimentos internos estão ali todos os dias nos quais o animal é montado e quem o monta não vê. Todos os dias. Cego pelo seu amor à prática, o equitador nada vê.

 

É um tormento ter o corpo todo inflamado. E ser usado todo o dia para dar a um humano prazeres que só existem à custa dessa dor. E a maldade não é minha, nem do cavalo. E tudo isso sempre foi guardado como segredo, a sete chaves, para que ninguém pudesse abrir os olhos e ver o que está fazendo, quando monta um cavalo. Não está só a montar o animal. Está, literalmente, a levá-lo para mais uma sessão de tortura.

 

Fonte:

https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=10205175596651099&id=1280753559&hc_location=ufi

(Texto transcrito para Língua Portuguesa)

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:28

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Comentários:
De manuel Jorge a 19 de Março de 2016 às 15:58
Olá Isabel! Debato-me desde há algum tempo com a questão do bem estar animal. Não resisti comentar esta publicação pois acho que mete tudo no mesmo saco e é injusto fazê-lo. Lido com animais há muitos anos, principalmente com cavalos. Na verdade os animais tal como nós agem de acordo com a sua motivação. Na verdade os cavalos não gostam de ser montados tal como eu não gosto de carregar com alguém ás costas. No entanto por vezes divirto-me a fazê-lo com os meus filhos, diverti-me imensas vezes enquanto miúdo jogando com os meus amigos e ainda hoje na brincadeira carrego com alguém de vez em quando. Pedir trabalho a um animal não é errado, só o é se o forçar-mos. Se um animal se sente recompensado por ser montado ele passa a aceitar ser montado e fá-lo tranquilamente sem sofrimento. Sim sem sofrimento se for por períodos curtos, se o cavaleiro não for pesado (cerca de 20-25% do peso do cavalo) e sem recurso a eios coercivos tais como embocaduras , xicotes etc. Uma sela não muito apertada, anatómica (tipo treeless ou barebacksaddle) também dará aior conforto ao cavalo e ao cavaleiro. Respeito e admiro quem opta por não montar a cavalo tal como alguém opta por não comer ovos mas eu como ovos de galinhas que vivem em liberdade e da mesma fora monto cavalos sem deles abusar. Não é que seja necessário montá-los mas também não tem que ser algo tão cruel como alguns na verdade pintam e fazem. A maioria das vezes o que está em causa não é o que é feito mas a forma como é feito. Com todo o respeito pelas posições mais radicais em defesa dos animais acho que não devemos colocar tudo no mesmo saco. Um bem haja. Manuel Jorge https://www.facebook.com/manuel.jorge.9828 :)
De Isabel A. Ferreira a 21 de Março de 2016 às 15:56
Olá Manuel Jorge,

Penso que aqui não se mete tudo no mesmo saco.
Aqui fala-se de exploração animal, de escravização animal, de maus tratos.

Os Cavalos são animais magníficos, e se os amamos, gostamos de os ver LIVRES, com as crinas ao vento, a correr pelas planícies. Selvagens e belos.

Eu nunca montaria um Cavalo, nem que fosse, sem sela, sem arreios. O Cavalo, para mim, é um ser divino.

Nós podemos DIZER se gostamos ou não de fazer de cavalinho para os nossos filhos. talbém já fiz.

Agora veja bem: eu nunca saberei se um Cavalo gosta de ser montado. Porque ele nunca mo dirá. E isso é o suficiente para eu não o montar.

E há outro pormenor: nos dias de hoje, com tantos meios de locomoção, que necessidade há de montar um Cavalo?
De Anónimo a 21 de Março de 2016 às 20:43
Isabel eu apenas quis dizer que eu monto os meus cavalos e exploro-os assumidamente mas não de forma abusiva. Os meus cavalos quando os chamo para trabalharem eles vêm correndo, não porque amem serem montados mas porque dessa interacção também obtém o seu retorno. Regra geral são eles que vêm ter comigo, não sou eu que vou ter com eles e preocupa-me que seja felizes. Ser feliz não é ter a vida toda facilitada , ser feliz é um estado emocional que se atinge ou vive em resultado de boas sensações mesmo que elas signifiquem algum esforço ou cedência como é o caso de um cavalo quando nos carrega ás costas. Condeno sim quando se abusa da generosidade da colaboração do animal. Respeito a sua opção de não montar cavalos mas não monta-los não significa que eles sejam mais felizes pois na vida o esforço não significa necessariamente infelicidade desde que esse esforço tenha o seu retorno. A equitação pode e deve ser estimulante para o animal. Condeno todo e qualquer tipo de abuso mas não aceito que pedir trabalho a um animal isso seja sinónimo de maltrato. Bem pelo contrário , muitos animais sofrem e são infelizes porque vivem com falta de estímulo e o trabalho pode ser enriquecedor. Acredite que sim, eu baseio-me em trabalho sério e não apenas em opiniões. A senhora que diz que quem monta cavalos não gosta deles pode ser especialista em ética mas não em comportamento animal.
De Anónimo a 16 de Outubro de 2017 às 22:47
Carissimo, se o seu cavalo se encontra enclausurado numa box 3 por 1,5 e normal que quando lhe abra a cancela ele saia aos saltos e "feliz" da vida...nem so os burros usam palas
De Isabel A. Ferreira a 17 de Outubro de 2017 às 11:00
É criminoso enclausurar um ser que nasceu para ser livre e viver à solta.

Os que montam Cavalos e acham que eles ficam felizes com isso, nunca viram a expressão de dor, de desespero nos olhos deles, porque estão em cima deles e não à frente deles.

O homem predador já nasce com palas incrustadas de tal modo que se torna difícil arrancá-las. E vivem e morrem sem ter visto nada da beleza do mundo.
De Anónimo a 21 de Março de 2016 às 20:55
esqueci de dizer que concordo quando diz que os cavalos devem viver em liberdade. Os meus vivem em liberdade e brincam comigo, montado ou não. Montar os meus cavalos é sinónimo de brincar co eles , aliás quando falo em pedir trabalho a um animal isso deve ser para ele algo conotado com brincadeira, com um jogo do qual sempre se beneficia. Dou aulas de equitação na perspectiva de ensinar precisamente que os cavalos não existem para serem montados mas podemos montá-los não como meios de transporte mas como uma brincadeira sem imposições ou qualquer tipo de coação. Ensino a não sermos invasivos com os animais e ensino a linguagem dos cavalos através da qual eles nos dizem se estão a gostar ou não. Isto é possível Isabel. Só pretendo que a Isabel e todos os que lutam pela causa anial não caiam em extremismos que só afastam mais as pessoas da nossa causa, sim porque esta também é uma causa minha. Fica desde já convidada a conhecer os meus cavalos que vivem livres e corre pra mim sempre que os chamo. Abraço
De Isabel A. Ferreira a 22 de Março de 2016 às 18:04
Como poderei aceitar o seu convite, se não sei quem é?
De Pedro a 1 de Outubro de 2024 às 20:11
Se montar é pecado, Jesus não teria entrado emJerusalém montado num Burrito. Fico felis por ser catolico e cavaleiro de 3 magnificos cavalos.

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