A poetisa Idalete Giga escreveu este conto para a Ana Miguel, neta de uma amiga, e também o dedicou aos meus netos.
Obrigada, amiga Idalete, em meu nome e em nome dos meus netos.
Tomo a liberdade de o dedicar, também, a todas as crianças do Mundo, nesta Páscoa, especialmente às crianças que estão a ser assassinadas, massacradas, violentadas esmagadas, separadas das famílias e dos pais, nas guerras, não só na da Ucrânia, que criaturas abomináveis andam por aí a fazer, em nome da estupidez, porque todas as guerras são estúpidas, nos tempos que correm, porque fazer guerras é um regresso a tempos antigos, em que imperavam mentalidades ainda primitivas, ignorantes, mesquinhas, cruéis, que achavam que só as guerras resolviam os problemas dos Povos. Nada mais falso. É o diálogo, ao redor de uma Távola Redonda, que resolve os problemas entre os Povos, no mundo actual. E nenhuma criança do mundo merece viver os horrores e as crueldades de guerras INSANAS, levadas a cabo por criaturas luciféricas, absolutamente despidas de qualquer sentimento humano.
Todas as crianças merecem o privilégio de sonhar e viver as fantasias próprias da infância, e ninguém, NINGUÉM tem o direito de as privar da VIDA, e ceifar os seus sonhos, as suas fantasias, seja em nome do que for, muito menos em nome de absolutamente NADA.
O desenho de Páscoa, que faz parte da fantasia das crianças, esta época, e que ilustra lustrarei o conto é da autoria do premiado autor de Banda Desenhada, Agonia Sampaio, porque só a ARTE pode resgatar a Essência Humana.
Isabel A. Ferreira
«O lírio branco que queria ser roxo»
para a Ana Miguel
«Num cantinho do jardim quase-mágico da pequena vila de Arcos d´Órion nasceu um lírio branco numa linda manhã de Primavera. Era um lírio solitário, pois não havia mais lírios brancos à sua volta. Havia lírios roxos, mas viviam todos no outro lado do jardim. O pequeno lírio branco vivia mesmo à beira do caminho. Por aqui passavam muitas pessoas, sempre agitadas, sempre a correr de um lado para o outro. Ninguém parava um bocadinho para ver e cheirar o lírio solitário.
Por todo o jardim se ouviam pássaros a cantar e a improvisar ritmos encantatórios. Os melhores cantores eram os melros de bico amarelo. Mas havia também rouxinóis, pintassilgos, e pardais atarefados a construir os seus ninhos. Eram a delícia do lírio branco que passava os dias a ouvir o belo canto dos seus amigos do jardim quase-mágico.
O tempo ia passando e o lírio, um dia, ao olhar para as suas pétalas, viu que começavam a murchar. Então pensou: - deve ser por eu ser branco. Se eu fosse um lírio roxo não murchava assim e podia viver feliz durante toda a Primavera. Quem passasse neste caminho havia de parar um pouco, havia de olhar para mim e beber o meu perfume. E com estes tristes pensamentos começou a chorar convulsivamente.
O sol já tinha nascido e brilhava intensamente beijando toda a terra. O jardim quase-mágico também se ia transfigurando e ficando todo iluminado. O lírio, agora já não se alegrava com o canto dos seus amigos. Continuava a chorar. Então, uma criança que passava no cantinho onde vivia o lírio, ouviu os seus soluços, parou imediatamente e perguntou-lhe:
- Porque estás a chorar lírio branco? –
- Não quero ser branco. Quero ser roxo.
E olhando para aquela criança envolvida em luz que mais parecia um anjo, o lírio deixou de chorar e perguntou-lhe:
- Como te chamas? Onde é a tua casa? És tão linda!
- Chamo-me Lina e venho de muito, muito longe. Venho de Sírius.
- Sírius? Onde fica? É alguma cidade? É bonita?
- É a minha estrela. Sabias, querido lírio, que é a estrela mais brilhante que há no céu? Fica na constelação de Órion.
- Constelação de Órion? Que lindo nome. Mas o que é uma constelação?
- É um grupo de estrelas, umas são muito brilhantes e ficam pertinho umas das outras. Todos os habitantes de Órion são como anjos e fadas. Eu e os meus amigos andamos a viajar por muitas estrelas e nesta Primavera viemos visitar todos os jardins do teu planeta que nós já visitámos muitas vezes. Hoje, desci aqui no cantinho onde vives, porque te ouvi chorar, lírio branco. Porque é que tu queres ser roxo?
E o lírio, que tinha ficado encantado com a casa-estrela de Lina, recomeçou a chorar.
- Quero ser roxo porque as minhas pétalas seriam coloridas e assim, já todas as pessoas haviam de parar aqui para ver a minha cor e cheirar o meu perfume.
- Não chores mais, lírio branco. Tu és lindo! Tenho uma surpresa para ti.
O mês de Abril estava quase no fim. Maio preparava-se para encher de flores o colo da Mãe-Terra. De repente, surgiram muitas nuvens no céu e começou a chover. Ao cair no jardim quase- mágico onde vivia o lírio branco, a chuva transformava-se em pequeninas estrelas prateadas. Então, Lina, a menina vinda de Sírius, ao proteger o lírio daquela chuva intensa, olhou para o céu e viu surgir um arco-íris tão radioso como jamais vira. A chuva parou. Lina olhou ternamente para o lírio e pediu-lhe:
- Lírio branco, olha para o céu. Vês aquele arco-íris com cores tão belas?
- Ah! Sim, Lina, como são belas! Mas como posso eu ter todas aquelas cores nas minhas pétalas brancas?
- Olha querido lírio, tu és mais belo que o lírio roxo que só tem uma cor. Vou confiar-te um segredo. As tuas pétalas brancas escondem dentro de ti todas as cores que estás a ver no arco-íris. São sete: vamos contá-las e dizer os seus nomes.
Então, Lina e o lírio, em uníssono, começaram a contar e a pronunciar lentamente, como uma lengalenga, cada uma daquelas belíssimas cores:
- Um-violeta/, dois-anil/três-azul/, quatro-verde/, cinco-amarelo/, seis-laranja/, sete-vermelho!
Depois de ver estas cores, o lírio ficou tão maravilhado e nem queria acreditar que as continha todas nas suas pétalas brancas.
- Estás feliz, lírio branco? Ainda tenho mais um segredo para te confiar. Cada cor do arco-íris esconde um som musical que tu podes ouvir sempre que quiseres. Todos os sons formam uma linda melodia que se chama a Música do Universo. Basta que olhes para o céu e feches os olhos. Ouvirás sempre esta Música.
Agora tenho de ir visitar outro jardim. Depois vou regressar à minha estrela e levo comigo um bocadinho do teu perfume. Nunca mais te vou esquecer. Adeus, lírio branco! És o lírio mais belo deste jardim que eu transformei num Jardim Mágico. E desapareceu como uma Fada dentro de um globo de luz azul e rosa.
O lírio branco, ao ouvir Lina, ficou muito pensativo e triste ao mesmo tempo por vê-la partir, mas também ficou muito feliz. Agora sabia que tinha dentro das suas pétalas não só as cores do arco-íris, mas também os mais belos sons musicais que existem na Terra e no Universo. Desde aquele dia, nunca mais chorou.
Quando os adultos passavam, sempre apressados, sempre a correr, só viam um lírio branco no cantinho do jardim agora mágico. Quando passavam crianças, todas paravam para ver o lírio branco. Viam as lindas cores do arco-íris e ouviam os sons musicais que as encantavam.
Idalete Giga
Paço de Arcos, 8 de Fevereiro de 2022»