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Um dia, Oskar vestiu a pele de um Touro, numa manifestação de rua, para defender o animal (...)
Nesse dia, o Touro disse:
– Sou um animal que tem direito a pastar nos verdes campos e a saciar a minha sede nos ribeiros de águas límpidas (não naqueles que o homem polui). Tenho o direito de viver, pacificamente, o tempo que me foi destinado viver. Não é esse, afinal, o objectivo de todos os seres que nascem? O toureiro diverte-se a espetar-me bandarilhas no costado. E como sangro, santo Deus! E se eu pudesse ou gostasse de espetar bandarilhas no costado de um toureiro? Poderia ser esse um espectáculo igualmente emocionante?
É que não se trata de gostar ou não gostar de touros. De gostar ou não gostar de touradas. De gostar ou não gostar de espectáculos sangrentos, com carnes a serem rasgadas, como os romanos gostavam das lutas entre gladiadores e leões, numa arena que, no final, ficava tingida do vermelho do sangue de animais humanos e de animais não humanos. Trata-se de uma questão puramente civilizacional, de evolução de mentalidades e de comportamentos humanos.
Quais os países civilizados onde ainda se mantêm tradições sangrentas? Apenas nos países do centésimo mundo. Felizmente poucos, mas infelizmente, entre esses poucos, está este nosso país, com uma tradição de cultura inculta, e no qual tive a desventura de nascer. Querem tourear? Toureiem homens contra homens. Criem uma raça de homens de couro bem duro e toureiem-nos. Encham-nos de bandarilhas. Espetem-lhes espadas goela abaixo. Deixem que o seu sangue borbulhe e manche as arenas. Aplaudam, depois, essa tortura. Exaltem os estertores da morte, que é algo muito agradável de se ver!
Ensinem às vossas crianças como é gracioso um espectáculo de tortura, de sangue e de morte. Incutam-lhes a cultura da crueldade contra um ser vivo. É uma prática de seres evoluidíssimos! Horrorizados?! Não se assustem. Isto é o que eu diria se tivesse a mentalidade de um homem inculto. Mas eu sou um Touro, e um Touro tem uma natureza superior à de um homem inculto, por isso, em vez de dizer «toureiem os homens», eu direi: «Abandonem esse ar rude e primitivo de bestas que se babam diante de um espectáculo sangrento, ávidas de beberem aquele sangue borbulhante e ainda quente, e tornem-se HOMENS! Em nome da vida e da harmonia entre todos os seres, eu, o Touro, agradeço».
in «A HORA DO LOBO» livro de Josefina Maller