Terça-feira, 30 de Setembro de 2025

Na terra de touros e de toureiros, Vila Franca de Xira, «Sim, é uma questão de civilização», texto do jornalista Octávio dos Santos, publicado no PÚBLICO, em 2019, infelizmente ainda muito actual

 

A tauromaquia é uma actividade que repugna as pessoas que já evoluíram, que vivem no século XXI d. C., numa Europa constituída por mais ou menos 50 países (dependendo dos critérios geográficos e políticos), onde apenas em três países os governantes continuam a apoiar legalmente esta aberração medieval: Espanha, Portugal e sul de França. Mundialmente, entre 193 países, eram oito países, e hoje são apenas sete (a Colômbia já aboliu esta prática selvática), resta na América Latina a Venezuela, Peru, Equador, México, e na Europa Espanha, sul de França e Portugal

Não é uma vergonha?

É ! obviamente.

O Jornalista Octávio dos Santos, enviou-me um texto que escreveu em 2019, sobre esta matéria, considerando que eu pudesse estar interessada, uma vez que estamos em sintonia na aversão que sentimos em relação a algo tão cruel, como a tortura de Touros.

Obviamente que estou sempre interessada nos textos que pessoas evoluídas escrevem sobre práticas retrógradas apoiadas por governantes retrógrados.

É esse texto que passo a transcrever, na íntegra, agradecendo ao Octávio dos Santos o facto de mo ter enviado.

Isabel A. Ferreira

 

***

Sim, é uma questão de civilização

Octávio dos Santos.png

Por Octávio dos Santos 

 

Graça Fonseca, a actual ministra da Cultura do actual (des)governo de Portugal, poderá ter cometido no final do ano passado, pouco depois de tomar posse, e em menos de um mês, três gaffes de âmbito comunicacional… e cultural. Ou não? Digamos que ela «apostou numa tripla», mas em vez de «um», «xis» e «dois» foi «não», «talvez» e «sim»: não, o Museu de Évora não fica a sul do rio Sado; talvez que seja bom não ler jornais portugueses durante quatro dias – já que vários mais não são do que pasquins propagandísticos e, ainda por cima, cheios de aberrações ortográficas; e, sim, a tauromaquia é uma questão de civilização… ou, mais concreta e correctamente, de falta dela. E ninguém será mais culpado pela manutenção e até agravamento desta peculiar forma de obscurantismo no nosso país do que Jorge Sampaio, que em 2002, enquanto Presidente da República, pugnou publicamente pela «re-legalização», que se concretizou, da variante mais ofensiva, mais degradante, da «festa brava» que é a morte do touro na arena, em Barrancos e não só.   

Tema verdadeiramente fracturante no nosso país, a tauromaquia assume especial importância no Ribatejo; e, nesta região, há um concelho em especial que se tem auto-prejudicado por privilegiar reiteradamente essa actividade: o de Vila Franca de Xira. Como que antecipando a controvérsia desencadeada pelas declarações de Graça Fonseca quatro meses depois, em Junho a Turismo de Portugal informou a câmara municipal de que não apoiaria institucionalmente a festa do Colete Encarnado, a mais importante da sede do município, e que se realiza no primeiro fim-de-semana de Julho. Sendo a edilidade vilafranquense presidida, desde 1998, pelo Partido Socialista, primeiro por Maria da Luz Rosinha e depois por Alberto Mesquita, pode-se afirmar que se tratou de uma significativa desfeita, uma sonora desconsideração, mesmo que indirecta, por parte do Largo do Rato a uma das suas mais fiéis «sucursais». A persistente defesa que uma figura tão grada do PS como Manuel Alegre faz da tauromaquia não poderá conter para sempre a inevitável, e desejável, erosão da adesão àquele vergonhoso «espetáculo» - porque nele se espeta efectivamente. Porém, nem a humilhação institucional sofrida às mãos dos seus próprios «camaradas» parece conter a dedicação e o entusiasmo dos aficcionados de Vila Franca de Xira, que querem dar o próximo passo na «consagração» cultural da tourada: criar um museu. Neste momento aquela cidade alberga dois: o (seu) Museu Municipal, com, obviamente, um carácter concelhio; e o Museu do Neo-Realismo, de âmbito nacional (e até internacional), inaugurado na cidade sede do concelho em 2007 depois de alguns anos de indecisão sobre se deveria ficar em Alhandra (onde decorre a acção, inspirada em pessoas e em acontecimentos reais, de «Esteiros» de Soeiro Pereira Gomes), então originando uma polémica em que também se envolveu Eduardo Prado Coelho, que defendeu em 2000, nas páginas do Público, a localização em VFX sem total conhecimento dos factos, tendo eu confrontado-o sobre isso igualmente neste jornal.

 

Mais do que um Museu da Tauromaquia, justificar-se-ia que Vila Franca de Xira tivesse, se não a sede, pelo menos um pólo ou delegação de um eventual – e também surpreendentemente controverso – Museu das Descobertas. Porquê? Por dois factos principais. Primeiro, foi em Alhandra, isto é, dentro do território que hoje corresponde ao município de Vila Franca de Xira, que nasceu Afonso de Albuquerque… que dá nome, curiosamente, à praça onde se situam os paços do concelho de VFX (na placa respectiva, antiga, ainda está «Affonso»!); em 2015, ano em que se assinalaram os 500 anos da morte do «César do Oriente», realizou-se, por minha iniciativa, um colóquio (na Biblioteca Nacional e no Palácio da Independência, complementado por uma mostra na Torre do Tombo) dedicado ao grande soldado, marinheiro, conquistador, diplomata; convidada desde o início para participar na evocação da efeméride, a Junta de Freguesia de Alhandra, liderada pelo seu presidente, Mário Cantiga, homenageou em 2018 o mais ilustre filho da terra com a inauguração de uma pintura mural perto do Tejo, junto à qual foi colocada uma placa comemorativa cujo texto foi escrito por mim após honroso convite daquela autarquia ribeirinha. Segundo, foi de Vila Franca de Xira que partiu a expedição comandada por Bartolomeu Dias que viria a dobrar o Cabo das Tormentas. 

 

 No entanto, não é só nas navegações do passado distante que os habitantes do concelho de Vila Franca de Xira podem encontrar o seu maior motivo de orgulho; nas do passado próximo e do presente, também. Em 2018 assinalaram-se os 100 anos da fundação das Oficinas de Material Aeronáutico em Alverca, «apenas» a mais antiga base aérea portuguesa em funcionamento constante, e uma das mais antigas do Mundo – e que merece(ra)m uma exposição no Núcleo Museológico de Alverca, mais um trabalho de uma equipa liderada pela sua coordenadora, Anabela Ferreira, que vale a pena visitar. Nas OGMA, hoje uma das três maiores empresas do concelho (as outras duas são a Cimpor, em Alhandra, e a Central de Cervejas, em Vialonga), não só se fabrica(ra)m e repara(ra)m aviões: também foi o espaço de descolagem e de aterragem de voos para, e de, outros pontos do Mundo, da América, África, Ásia, vários com carácter pioneiro. E foi também o local inicial do Museu do Ar, cuja sede seria transferida para Sintra porque, da parte da câmara municipal de VFX, desde pelo menos meados da década de 80 – eu estava então no jornal regional Notícias de Alverca, que desenvolveu uma campanha de sensibilização para o problema – foi evidente a negligência da autarquia em encontrar uma solução que permitisse a expansão do museu e a sua (total) permanência em Alverca. Mas, lá está, não era em Vila Franca de Xira propriamente dita e não era sobre touros e toureiros nem sobre Alves Redol, pelo que não era um espaço prioritário.

 

Este concelho poderia ser um caso de estudo pelas contradições, pelo desperdício de oportunidades, pelas indefinições. Que se notam, curiosamente, também a um nível gráfico: depois de anos em que o símbolo do município foi uma vela, estilização da de um barco antigo recuperado que é utilizado para passeios no Tejo, 2019 viu a aplicação de uma nova «identidade visual» assente no conceito «ligações fortes» e que tem como elemento central a ponte Marechal Carmona, talvez o maior ex-libris do concelho. É verdade que uma (boa) imagem institucional é um instrumento fundamental numa actividade conducente a um maior desenvolvimento assente na atracção de novos moradores, investidores e turistas. Todavia, nenhuns arranjos estéticos serão suficientes para atenuar, e muito menos apagar, o impacto negativo, na percepção pública em geral e na comunicação social em particular, de actos inéticos de tortura de animais para diversão de uma muito pequena minoria.

Público, 2019/2/8 

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 15:41

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