II Parte
Dom João VI – Como um Príncipe Valente Enganou Napoleão e Salvou o Reino de Portugal e o Brasil
(Contestação do livro «1808», de Laurentino Gomes)
(2ª edição corrigida e aumentada)
© Isabel A. Ferreira
(Este texto não pode ser reproduzido, no todo ou em parte, por qualquer processo mecânico, fotográfico, electrónico, ou por meio e gravação, nem ser introduzido numa base de dados. Difundido ou de qualquer forma copiado para uso público ou privado, além do uso legal como breve citação em artigos e críticas, s em a prévia autorização por escrito da autora)
(Imagem © J. A. Ferreira)
3
DE COMO UM PEQUENO REINO SE FEZ IMPÉRIO, E DE COMO DETERMINADAS CIRCUNSTÂNCIAS FAZEM TODA A DIFERENÇA
Apesar de ter um território pequenino, durante os séculos XV e XVI, Portugal foi uma potência mundial económica, social e cultural, constituindo-se o primeiro e o mais duradouro império colonial, facto de que posso não orgulhar-me grandemente, pois não sou, de todo, adepta da colonização imposta. No entanto, não é da inteligência ignorar o passado, como se ele nunca tivesse existido.
Descobrir terras, caminhos marítimos, dar novos mundos ao mundo, sim, é louvável para um pequeno povo. No entanto, a imposição de uma outra cultura, de uma outra religião, de outros costumes e da escravidão, aos povos descobertos, considero que foi uma crueldade desmedida. A mesma crueldade que consideraria se Portugal, hoje, fosse invadido por extremistas islâmicos e me obrigassem a vestir a burka (burca ou burga é uma versão radical do xador, uma veste feminina que cobre todo o corpo da mulher, até o rosto e os olhos), ou me obrigassem a virar para Meca, várias vezes ao dia.
Apesar de poder contestar o passado (é um direito que me assiste) devo aceitar que os tempos eram outros, o pensar das gentes era outro, os contextos eram outros, e portanto os Portugueses fizeram o que fizeram, tal como todos os outros povos conquistadores de terras e de gentes.
Ao ler o livro «1808», porém, fica-se com a sensação de que os Portugueses foram os únicos povos a colonizar, a escravizar e a impor uma cultura e uma religião aos indígenas, que viviam nas terras descobertas; fica-se com a amarga sensação de que os Portugueses eram os mais feios, os mais porcos, os mais maus (apossando-me do título de um filme de 1976, do realizador Ettore Scola), e os mais ignorantes do mundo.
Às fontes que Laurentino Gomes consultou, maioritariamente inglesas e de viajantes ocasionais, para a descrição das partes mais desprestigiantes da nossa corte e do nosso Príncipe Dom João e de Dona Carlota Joaquina, deve dar-se um valor relativo. Se visitássemos a cidade italiana de Nápoles, em Maio de 2008 (cujo povo, por circunstâncias várias, decidiu despejar todo o lixo na rua) e descrevêssemos o que vimos, sem abordar essas tais circunstâncias, daqui a duzentos anos, alguém diria que o povo de Nápoles não tinha bons hábitos de higiene, quando, em toda a Europa, já todos eram muito civilizados.
As coisas ditas fora do seu contexto soam a aleivosia.
Não ponho em causa a veracidade dos factos mais desprestigiantes para Portugal, descritos no livro «1808». Dom João era feio? Dona Carlota Joaquina era horrorosa? Sim, e daí? Quanta gente feia há por aí a reinar, a governar e a governar-se? Ser feio não é defeito, é uma circunstância. Nem todos nascem belos. E o que é feio para uns pode até ser bonito para outros. A beleza é um conceito subjetivo. E a feiura, a obesidade, as roupas mal talhadas ou a vida privada (a não ser que haja depravação) não devem ser motivo para incluir numa crítica que se queira fazer à política de um governante.
Dom João e Dona Carlota Joaquina não foram muito dotados pela natureza. E que culpa têm eles? A beleza não se põe na mesa. Não foram felizes? Como poderiam ser, se o casamento deles foi uma imposição? Os seus hábitos de higiene não eram recomendáveis? Como poderiam ser, nas circunstâncias da época? Raros seriam aqueles que teriam hábitos higiénicos recomendáveis, num tempo em que não havia redes de saneamento eficientes. Esta era uma carência generalizada, e ver-se livre dos dejectos humanos era uma tarefa bastante preocupante e difícil, naquela época, em todos os palácios do mundo.
No livro «1808», fala-se, de um modo escarnecedor, do ataque de piolhos, a bordo dos barcos, e que obrigaram as damas da corte a raparem o cabelo, incluindo Dona Carlota. Fala-se no aspecto paupérrimo com que Dom João e a mulher e toda a comitiva se apresentaram, ao desembarcarem no Rio de Janeiro, em 1808. É preciso ter em conta que naquela época não se viajava propriamente em paquetes de luxo. A água para beber, nos barcos, era escassa, imagine-se para tomar banho ou lavar a roupa, a bordo! Foram quase três meses e meio no meio do mar. Uma vez mais as circunstâncias não eram as ideais, para que a corte desembarcasse em boa forma, com belas vestes, a cheirar a alfazema ou a perfumes franceses.
Isto servia para qualquer corte do mundo. Os hábitos de higiene eram parcos em todas as cidades da Europa, dita civilizada. A Londres dessa época era tão ou mais suja do que Lisboa. As ruas de Paris, cidade maravilhosa, “cidade luz”, eram imundas, e ainda hoje, não se apresenta com grandes asseios. Em 1992, quando lá estive, vi cidadãos de “boa figura” a levarem as baguettes (um pão comprido) desembrulhadas, debaixo do sovaco, literalmente, uma vez que muitos deles (homens) vestiam t-shirts sem mangas. E enquanto me passeava no Champ de Mars, sujei os sapatos, várias vezes, nos abundantes dejectos de cães, espalhados pelos caminhos do jardim.
Os reis das cortes europeias da época de Dom João VI também comiam os franguinhos assados com as mãos. Era o que dava mais jeito. Atiravam os ossos para o chão. Limpavam as mãos à roupa. Nem todos. Concordo. Depois de Luís XIV, na corte de Versalhes as coisas mudaram, e foi imposta uma certa etiqueta, mas na generalidade comia-se com as mãos. Ainda hoje vemos coisas do género, cometidas por gente que se diz muito elegante. No entanto, apesar da sumptuosidade do palácio, nele não havia quartos de banho. Logo, o chiquíssimo Luís XIV também usava um penico, tal como Dom João VI, ou outro qualquer rei ou rainha da época, ou qualquer comum mortal. Por isso, é um tanto descabido que Laurentino Gomes motejasse de um modo acintoso sobre o facto de Dom João VI usar um penico, que era levado palácio fora, para ser despejado. Era assim, em todos os palácios, em todas as casas nobres, por toda a Europa.
No entanto, há um outro pormenor que, embora não absolva Dom João VI da sua “falta de maneiras”, pode justificar essas atitudes menos próprias de um Príncipe Regente, candidato a Rei. É que ele não foi educado para ser rei. Como já referi, os príncipes herdeiros do trono tinham uma educação refinada, apropriada à sua condição de futuro rei. Ora Dom João não estava destinado a ser rei, logo, não se perdia muito tempo com as maneiras dos príncipes “menores”, e eles acabavam por proceder como o comum dos mortais, uns mais, outros menos. Tudo seria uma questão de personalidade.
Ainda um outro pormenor, este de carácter íntimo: quando uma pessoa não é bonita, nem feliz, sentirá vontade de se refinar, de se enfeitar (para quê? para quem?)? Dom João não nasceu para ser rei. Dom João não nasceu belo. Dom João não se casou por amor àquela menina espanhola que lhe impingiram. Dom João era displicente. Sim. Que motivos teria para não ser? As forças das circunstâncias fizeram-no Príncipe Regente e, mais tarde, Rei, e a idade do “refinamento” já havia passado. A existência era um fardo demasiado pesado para ele, que teve outro sonho de vida.
Depois foi para o Brasil. Uma terra quente, que torna as pessoas molengonas. É por isso que se diz que os Brasileiros, os Africanos, os Algarvios não gostam muito de trabalhar. São preguiçosos. Não será bem assim. O calor não é muito compatível com o trabalho. É verdade. Contudo, há grandes fortunas no Brasil. E estão nas mãos de quem? Dos Brasileiros, Brasileiros de gema? Não. Estão nas mãos dos estrangeiros, entre eles, muitos Portugueses. O calor, a esses, não afectará? Talvez esta particularidade da preguiça se deva à motivação.
Quem são afinal os Brasileiros?
No dia 22 de Abril de 1500, Pedro Álvares Cabral chega a Terras de Vera Cruz, mais tarde de Santa Cruz, e depois da exploração do pau-brasil, terras do Brasil. E quem vivia nessas Terras de Vera Cruz? Povos indígenas, com uma cultura própria e muito rica. Diz-se no livro «1808» que «os Portugueses achavam-se superiores aos indígenas e, portanto, deveriam dominá-los e colocá-los ao seu serviço». Não eram apenas os Portugueses que assim pensavam. Os Ingleses, os Franceses, os Holandeses, os Espanhóis, todos os povos colonizadores daquela época, pensavam o mesmo e fizeram o mesmo, com os povos que encontraram nas terras que foram ocupando. São todos condenáveis, à luz dos nossos valores actuais. Porém, naquela época, era assim que se pensava e agia. Por isso se diz que o mundo vai evoluindo, e que o Homem deve aprender com os erros do passado, para construir um futuro melhor. Porém, uma coisa é o que se diz, outra coisa é o que se faz, e o que poderia ser evolução não tem passado de retrocesso.
Além disso, o que dizer hoje dos Brasileiros (já lá não mandam os Portugueses há duzentos anos) que invadem a terra dos indígenas, matam-nos, queimam as suas aldeias, para lhes “roubarem” a madeira, e com isso, devastam a Floresta Amazónica, que está em perigo?
Portanto, às fontes inglesas, utilizadas no livro «1808» que falam do modo desumano como os Portugueses trataram os indígenas e mais tarde os escravos africanos, devemos acrescentar o modo como todos os povos colonizadores (Ingleses incluídos) tratavam cruelmente os seus escravos e os povos indígenas das respectivas colónias. Pelo que lemos no livro, esta parte é tratada como se apenas os Portugueses fossem os “piores do mundo”. No entanto, em questão de maldade, nenhum povo colonizador é isento de culpa.
Bem sei que o livro é sobre factos históricos portugueses com ligação ao Brasil, mas ainda assim, naquela época, Portugal era Portugal e as suas circunstâncias, inevitavelmente aglutinadas às circunstâncias dos restantes reinos do mundo.
Ora os Portugueses chegaram ao Brasil e já lá havia índios e índias, ao que parece irresistíveis. Depois vieram os negros e as também irresistíveis negras de África. Com a abertura dos portos, foram chegando uns e outros europeus. Mais tarde, chegaram os refugiados das grandes guerras europeias: judeus alemães, russos, polacos. Vieram também os italianos, os gregos, os japoneses. Enfim, eles e elas irresistíveis, e eis que temos hoje brasileiras e brasileiros lindíssimos, fruto dessa união de povos.
Os Brasileiros não sentem orgulho das suas origens? Penso que não haverá nenhum brasileiro actual, que não seja descendente de algum europeu, ou africano, ou asiático, ou americano… Brasileiros puros, encontrá-los-emos apenas, talvez, entre os indígenas, chamados índios, que não se misturaram com os colonos ou com os imigrantes que chegaram mais tarde.
Porquê, então, essa aleivosia contra os Portugueses?
Os actuais Norte-americanos têm uma história análoga à dos Brasileiros. Os Ingleses e, mais tarde, um povo já nascido nos Estados Unidos da América do Norte o que fizeram com os indígenas? O que fizeram com os escravos africanos? O que são hoje as suas ex-colónias? O que é hoje a África do Sul, ocupada primeiramente pelos muito civilizados Holandeses, e depois pelos também muito gentlemen Ingleses?
***
4
DE COMO A MÁ UTILIZAÇÃO DAS PALAVRAS PODE DISTORCER REALIDADE
O jornalista Laurentino Gomes, no seu livro «1808», utilizou o termo fuga ao referir-se à viagem do Príncipe Dom João para o Brasil. Tem todo o direito de o fazer, e, aliás, nem sequer foi o primeiro a dizê-lo. Há historiadores portugueses que o dizem. Porém, se quisermos escrever História com imparcialidade, significando isto atermo-nos simplesmente aos factos históricos, tal qual eles se nos apresentam, sem fazer nenhum juízo de valor e afastando a nossa ideologia política (um anti-monárquico tem a tendência para desprezar todo o legado da monarquia; um esquerdista tem a tendência para dizer mal de tudo o que fez Oliveira Salazar; e por aí adiante), ficamos com uma outra visão da História.
Se analisarmos, a frio, os factos da época em que Dom João viajou para o Brasil, com a sua corte, nunca diríamos que ele fugiu porque teve medo de Napoleão. Ele encontrava-se entre a espada, a parede e um usurpador de reinos, atrás dessa parede. De um lado os Ingleses (a espada), seus aliados de sempre, embora interesseiros (veja-se as condições impostas por eles em troca da sua protecção na viagem para o Brasil: abrir os portos brasileiros, apreensivos que estavam os Ingleses com o Bloqueio Continental decretado por Napoleão). Do outro lado, uma grandiosa Espanha (a parede) interessada no nosso pequeno território e nas terras do nosso grande império, e que tinha acabado de trair Portugal na chamada Campanha do Rossilhão. E por detrás dessa parede, o usurpador de reinos (Napoleão) que acabara de assinar o tratado de Fontainebleau, através do qual repartia o reino de Portugal pela França e pela Espanha.
Se Portugal se submetesse a Napoleão e aderisse ao Bloqueio Continental perderíamos o nosso país, e as esquadras britânicas (as maiores e melhores da época) apossar-se-iam da Ilha da Madeira, de Cabo Verde, do Brasil e das colónias africanas, que possivelmente jamais nos seriam restituídas. E talvez também ficássemos à mercê dos Franceses, dos Espanhóis, dos Holandeses e de quem mais andava pelo mundo a engordar os seus reinos.
Então, o que fazer? Embora à custa do sacrifício e da grande preocupação do povo, Dom João fez uma retirada estratégica (penso que esta expressão é a que melhor corresponde à decisão do Príncipe) utilizando, para tal, uma arma muito conveniente: a astúcia. Dizendo que sim a Napoleão, dizendo que sim, aos Ingleses. Vacilou? Quem não vacilaria em tal situação? O que pretendia empreender era uma verdadeira e arriscada aventura. Podiam perecer todos nas águas profundas do oceano, e com eles, Portugal afundar-se-ia também. Contudo, sair do país era algo que merecia o risco. Em jogo estavam um reino, uma dinastia, um império. Se resultasse, nem tudo estaria perdido.
No último parágrafo do capítulo 1, «A Fuga», Laurentino Gomes escreve «que havia uma terceira alternativa para D. João: ficar em Portugal, enfrentar, ao lado dos Ingleses, Napoleão, mesmo correndo o risco de perder o trono e a coroa. Os factos mostrariam mais tarde que as hipóteses de sucesso eram grandes, mas em 1807 essa opção não estava ao alcance do inseguro e medroso príncipe regente. Incapaz de resistir e enfrentar um inimigo que julgava ser muito mais poderoso…». Claro que não! Ninguém sabia que o poderoso exército de Napoleão estava depauperado. É muito fácil, a todo este tempo de distância, dizer que se Dom João tivesse ficado, se Dom João tivesse resistido… Acontece que a História não se faz com ses. Era preciso tomar uma decisão rapidamente. Dom João tomou-a, não porque fosse incapaz de resistir e enfrentar um inimigo que julgava poderoso, mas porque um valor mais alto se levantou: o da preservação do seu reino, do seu império colonial, e a continuidade da sua dinastia.
Quando Laurentino Gomes se refere a Dom João como o inseguro e medroso príncipe, que injustiça! Inseguro, sim, talvez, pelos motivos já expostos. Mas medroso? Que injúria! Um homem tímido, que não nasceu, nem foi educado para ser rei e que deixa a sua terra e parte para poder salvar o seu reino, não é propriamente um medroso. É alguém que sabe jogar com as peças que tem, e no final, consegue dar um “xeque-mate” a Napoleão, o mais poderoso homem da época.
O capítulo 2, com o título «Os Reis Enlouquecidos» é muito curioso, porque tenta justificar a loucura da rainha, depois de, no subtítulo, tê-la chamado de louca sem qualquer rodeio. E o que fica são as primeiras impressões. Bem, o certo é que as doenças mentais tanto afectam a realeza como os plebeus. E uma doença é de lamentar em quaisquer dos casos. Não é aceitável colocar na berlinda, assim cruamente, alguém que não tem culpa da sua alienação, provocada por doença mental.
Num determinado parágrafo, que começa com uma citação do historiador pernambucano Manoel de Oliveira Lima, diz-se: «Se lançarmos os olhos para a Europa de 1807…». Sim, o que vemos? Reis, dinastias, imperadores, quase todos subjugados a Napoleão. Nesse rol não consta o nome de Portugal. O pequenino país, encostadinho ao mar, com um grande gigante por vizinho (o rei de Espanha andava a mendigar em solo francês a protecção de Napoleão – diz-se no livro), não está nessa lista de subjugados. E mais se diz que Dom João VI era medroso. Neste livro, usa-se e abusa-se demasiado, do indeciso e medroso Dom João. Muito injustamente. A História não pode fazer-se utilizando este tipo de argumento. O que interessa fundamentalmente são os actos e as suas consequências, e nuns e noutros verificou-se que Dom João, apesar da indecisão, ousou seguir em frente. Não se acovardou.
É preciso dizer, igualmente, que o reinado de Dom João VI decorreu numa época de grandes mudanças não só em Portugal como no mundo, e teve o azar de ser um joguete e vítima da longa luta da Inglaterra contra Napoleão, durante o Consulado e o Império deste.
O que Dom João VI teve de enfrentar durante a sua regência e o seu reinado fizeram dele não o covarde descrito no livro «1808», mas o corajoso monarca que conseguiu ultrapassar todas as dificuldades, sem deixar cair o reino.
Depois das tentativas fracassadas para um impraticável equilíbrio entre a França revolucionária e a Inglaterra imperialista, eis que Portugal vê-se a braços com o despontar vertiginoso da Revolução Francesa e a inevitável guerra europeia; com o Tratado de Fontainebleau (que dividia Portugal entre a França e a Espanha), ignorando que Portugal não era terra de ninguém: Portugal era um reino governado por um rei; com o Bloqueio Continental; com a campanha do Rossilhão, durante a qual os portugueses foram traídos pela Espanha; com a guerra com a Espanha e a perda de Olivença; com as invasões francesas ao território português em 1808, 1809 e 1810; e com a transferência da corte portuguesa para o Brasil (1808-1821) elevado a reino em 1815.
Isto foi «a derrocada de um mundo e o nascimento de outro. Nada mais foi igual depois da Revolução Francesa e da imposição do imperialismo de Napoleão».
Mais tarde Dom João VI teve de enfrentar ainda: as conspirações liberais de 1817 (em Portugal e no Brasil); a vitória liberal de 1820; o regresso da corte a Portugal (1821) instada pelas Cortes de Lisboa; a independência do Brasil (1822 – Dia do Fico (9 de Janeiro) e o Grito do Ipiranga pelo Príncipe Dom Pedro, a 7 de Setembro); o Juramento da Constituição de 1822; a Vila-Francada em 1823 (movimento militar promovido por Dom Miguel, com a cumplicidade de sua mãe, Dona Carlota Joaquina); e no ano seguinte, 1824, a Abrilada, também fomentada por Dona Carlota Joaquina.
Como já foi referido, em 1807, Dom João decidiu pela transferência da corte portuguesa para o Brasil, evitando ser aprisionado com toda a família real e o governo, tornando possível manter a autonomia portuguesa a partir do Rio de Janeiro. Manteve assim também o Brasil em poder de Portugal, embora isto o tivesse feito mais dependente em relação à Inglaterra, com a imposição da abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional e o tratado Luso-Britânico de 1810, desastroso para a economia portuguesa, embora (ou por isso mesmo) decisiva para o progresso e a independência brasileira.
A ideia de que a Família Real Portuguesa fugiu para o Brasil é derrubada pelo facto de, na época, o território brasileiro pertencer a Portugal. O que realmente ocorreu foi a transferência da sede da Corte para outra parte do Reino.
Na minha pesquisa, vários foram os termos que encontrei para designar a saída de Dom João de Portugal para o Brasil: transferência, retirada, deslocação da corte...
Jaime Cortesão chegou mesmo a chamar-lhe “emigração”.
Damião Peres (um dos grandes historiadores portugueses que também consultei) considerou-a uma tomada de posição de esclarecido senso político.
Eu adoptei a teoria da retirada estratégica.
Dom João teve visão de estadista e esta retirada foi uma manobra política inteligente para enfrentar a hegemonia napoleónica.
Dom João era um homem de tácticas: protelar as soluções era uma dessas tácticas, segundo alguns autores, e essa atitude foi muitas vezes confundida com “covardia”. Porém, ao analisarmos sem preconceitos ou ideias predefinidas estas hesitações de Dom João, poderemos considerá-las “prudência” e não “covardia”.
Outros consideraram-no despreparado para governar.
O certo é que, no Brasil, o governo de Dom João VI tomou notáveis medidas, as que se impunham, para manter a colónia, introduzindo-lhe novos ventos que sopraram em direcção ao progresso: liberou a actividade industrial em 1808; criou o Banco do Brasil em 12 de Outubro de 1808; declarou uma autonomia administrativa em 1815; fundou a Biblioteca Real e a Imprensa Régia, as Academias Militar e da Marinha e um hospital militar; criou uma fábrica de pólvora no Rio de Janeiro e o ensino superior (duas escolas de medicina), pois até então Portugal nunca permitira a fundação de uma universidade na colónia, ao contrário da Espanha nos seus domínios da América espanhola; criou o Jardim Botânico e a Academia das Belas Artes; abriu ao tráfico uma rede de estradas que se estendeu a quase todo o Brasil; concedeu protecção aos transportes marítimos que estabelecessem relações directas entre a colónia e os grandes centros europeus; fez um largo apelo ao trabalho dos estrangeiros, para suprir o mais possível, por motivos de ordem humanitária, o esforço do escravo; prosseguiu a obra de fixar em povoações um grande número de elementos indígenas; e procurou explorar de uma maneira mais inteligente os vários recursos do país.
Seria esta a obra de um homem covarde? Dom João VI, que morreu a 10 de Março de 1826, protagonizou o momento da entrada de Portugal na contemporaneidade.
E isso não foi coisa pouca.
No capítulo 3, do «1808», intitulado «O Plano», começa-se logo por referir algo espantoso: «A invasão iminente de Portugal pelas tropas de Napoleão Bonaparte obrigou o príncipe regente Dom João a optar pela fuga». Logo a seguir tecem-se considerações que, na realidade, correspondem a factos históricos já aqui referidos.
Portanto, não se entende por que motivo se escolheu os termos obrigou e novamente a fuga, para relatar a retirada estratégica de Dom João. Napoleão não obrigou Dom João a fugir de coisa alguma. Pelo contrário, Napoleão queria, isso sim, obrigar Dom João a ficar e a submeter-se ao seu poder. Era mais um reino que engrossaria o seu já tão grande império. Dom João recusou tal humilhação. Nenhum outro rei ousou desobedecer aos ultimatos de Napoleão, mas Dom João sim. E uma tal ousadia não combina com o termo medroso, que tão insistentemente é utilizado por Laurentino Gomes para caracterizar o Príncipe Regente. A invasão iminente de Portugal por Napoleão, apenas acelerou a tal retirada estratégica, há muito reflectida.
No final deste capítulo, Laurentino Gomes utiliza uma fonte, uma vez mais, inglesa, Sir Charles Oman, que não sei onde foi buscar a seguinte informação: «Não há exemplo na história de um reino conquistado em tão poucos dias e sem grande resistência como Portugal em 1807 (…) Era um testemunho não apenas da fraqueza do governo português, mas também do poder que o nome de Napoleão inspirava nessa época».
Em primeiro lugar, o reino não foi conquistado, no sentido literal do termo. O reino foi ocupado pelos franceses, ocupação essa, facilitada pelas ordens de Dom João que, tendo nomeado um Conselho de Regência, para o substituir na sua ausência, ordenou-lhe que recebesse os Franceses como amigos, para evitar represálias. E assim foi feito. Junot chegou a Portugal com as suas tropas esfarrapadas e foi recebido amigavelmente.
Ora isto não tem nada a ver com conquista, nem com fraqueza do governo português. Tem a ver, uma vez mais, com uma estratégia astuciosa, por parte de Dom João, que pensava no todo-poderoso exército francês. Contudo, os Franceses chegaram muito debilitados, e encontraram um povo que, desmotivado, os acolheu placidamente, por ordem régia. Aqueles, tendo deste modo a vida facilitada, instalaram-se no reino, como se o reino lhes pertencesse. Mas por pouco tempo. As revoltas contra a “ocupação” francesa foram-se multiplicando por todo o país, e não tardou que os Franceses fossem corridos de Portugal, com o auxílio, evidentemente dos Ingleses, sem o qual tal feito não teria sido possível.
Aqui, uma vez mais, é necessário ter em conta as circunstâncias. Os Portugueses encontravam-se sem rei nem roque, mas ainda assim, conseguiram resistir, e Portugal não caiu nas mãos dos Franceses. Isto é um feito que não é para qualquer um.
Apesar de Napoleão inspirar poder não impediu que os Portugueses não se lhe rendessem. Três vezes a França invadiu Portugal, três vezes foi escorraçada. Da segunda invasão, pelo general Soult, as fontes históricas dizem que este «reconhecendo a inutilidade da resistência, fugiu desordenadamente e abandonou Portugal». Isto, sim, é uma fuga, no sentido prático da palavra. Fugiu, com medo de que o destroçassem.
***
5
DE COMO UM IMPÉRIO DITO DECADENTE CONSEGUE SOBREVIVER E IMPOR-SE ENTRE IMPÉRIOS PODEROSOS
No capítulo 4, «O Império Decadente», uma vez mais Laurentino Gomes não contextualizou as circunstâncias que conduziram a essa decadência. Em todas as épocas, todos os impérios passaram por períodos de decadência, pelos mais variados motivos. Diz-se que não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe. Isto aplica-se aos impérios. A todos os impérios. A todos os usurpadores. A todos os colonizadores. E Portugal não fugiu à regra.
Portugal era, sim, um país pequeno, com poucos recursos, mas cheio de gente valorosa. Não fosse isso, não teríamos conseguido sobreviver às inúmeras investidas de Espanha, e o império colonial português (embora não me orgulhe desta “coisa” de império colonial, mas não posso ignorá-lo, porque fez parte de um passado que foi comum a outros povos colonizadores – Ingleses, Espanhóis, Franceses, Holandeses, e que em questão de “civilização” não foram “melhores” do que os Portugueses) não se teria mantido durante tanto tempo, o que não será também motivo de orgulho, mas enfim, faz parte da nossa História.
O que é motivo de orgulho é que desde a sua fundação, Portugal viu-se envolvido em incontáveis guerras e batalhas, para manter a sua autonomia, e as vitórias foram, de longe, muito mais numerosas do que as derrotas. O que significa que o pequeno e ignorante povo (no dizer de fontes facciosas) não era assim tão pequeno, tão ignorante e tão desprovido de predicados.
«De todas as nações da Europa, Portugal continuaria a ser, no início do século XIX, a mais católica, a mais conservadora e a mais avessa às ideias libertárias que produziam revoluções e transformações em outros países». Lê-se no livro «1808».
Ora, é preciso ter em conta, uma vez mais, a situação geográfica de Portugal, a orelha da Europa. De um lado o mar imenso, ao qual, mesmo os intelectuais, os nobres, os cultos, os estudiosos, não tinham um acesso fácil, naquela época. Do outro lado a Espanha, o nosso único país vizinho, com o qual estávamos quase sempre em guerra defensiva; um território que, por vezes, era perigoso atravessar sem escolta, e que tinha de ser percorrido de carruagem, a cavalo ou a pé, para se chegar à cidade luz ou ao centro da Europa. Não era fácil, na época. Daí o quase isolamento de Portugal. O que podia fazer um povo encravado entre o mar e uma Espanha hostil, naqueles tempos, quando uma carta que se escrevesse a alguém demorava meses a chegar ao seu destino? As notícias das revoluções, quaisquer que fossem (políticas, sociais, culturais, religiosas) chegavam ao conhecimento dos Portugueses, quase só quando tinham acabado. Como poderiam eles beber, tão rapidamente quanto os outros países, os novos tempos que iam surgindo numa Europa em evolução?
Estou convicta de que o atraso que Portugal sempre manteve em relação aos restantes países da Europa, numa época em que os meios de comunicação eram precaríssimos, assenta nestas duas barreiras físicas: a grande e profunda extensão das águas do oceano Atlântico e a imensa terra de Espanha. Basta olhar para o mapa da Europa, para se ter uma visão global desse posicionamento, desfavorável a um contacto mais assíduo de Portugal com a nova realidade europeia.
Então o que restava fazer? A Igreja, que foi Poder na Europa, durante a Idade Média, poder que foi perdendo com o avançar do Iluminismo, em Portugal teve a oportunidade de se instalar e perdurar, precisamente porque o povo se “acomodou” a um destino condicionado pela já referida situação geográfica. A Revolução Francesa e mais tarde o regime napoleónico não chegaram propriamente a criar raízes em Portugal, mas também na Espanha. No século XVI, quando o Protestantismo circulava já pela Europa, na Península Ibérica não entrou com a força com que vingou em outros países europeus. Por isso, não admira que a vida social portuguesa (mas também a espanhola) «se pautasse pelas missas, procissões e outras cerimónias religiosas», conforme se diz no livro. Isto aconteceu não porque os Portugueses fossem mais beatos do que os restantes povos europeus. Não foi em Portugal que nasceram as grandes Ordens Religiosas que dominaram a vida na Europa, durante séculos. Na Espanha, na França, na Itália, a Igreja sempre teve uma influência dominante, tão dominante ou mais do que em Portugal.
Além disso, desde tempos longínquos, quando a vida se torna difícil, o povo tem a tendência para recorrer ao transcendente. O apego à religião não é um fenómeno exclusivamente português. É preciso ter em conta os contextos em que as religiões se impõem. Ainda hoje vemos que é fácil “impingir” uma crença a alguém que está moralmente frágil.
Diz-se neste capítulo que Antero de Quental, poeta e escritor Português, ao analisar o quadro desolador da metrópole e da sua vizinha Espanha, no século XVIII, disse: «Saímos de uma sociedade de homens vivos, movendo-se ao ar livre, e entramos num recinto acanhado e quase sepulcral, com uma atmosfera turva pelo pó dos livros velhos, e habitado por espectros de doutores».
Bela prosa. Gosto de Antero. No entanto seria necessário situar este texto, para quem não conhece o percurso do poeta. De onde teria saído Antero? Onde teria entrado Antero? Talvez possamos imaginar que Antero tenha chegado a Portugal, vindo da luminosa Paris. Porém, também é preciso dizer que Antero era socialista, republicano, revolucionário, um inconformado, anti-monárquico, e sobretudo muito pessimista em relação às coisas do seu país (era um homem bastante depressivo, o que o levaria ao suicídio), tudo aspectos muito curiosos e necessários para analisar as suas palavras. E é do pessimista ver o mundo através de vidros esfumados, que não deixam ver a claridade.
Laurentino Gomes arremata este episódio com o seguinte: «Embora Quental tenha incluído a Espanha no rol do atraso, Portugal era, dos dois países, de longe o mais decadente e o mais avesso à modernização dos costumes e ideias». E isto não é justo que se diga. Portugal até poderia ter sido, pelos motivos já expostos (o da situação geográfica) o mais decadente dos dois países, naquela época precisa, mas não era e nunca foi avesso à modernização, nem evolução dos costumes e ideias. Poderia referir aqui uma infinidade de exemplos, que contrariaria essa ideia, e que daria para escrever um outro livro, no entanto, direi apenas que Portugal, depois de um período caótico que se seguiu às invasões francesas, e de uma crescente influência da economia inglesa sobre os mercados portugueses (os ingleses cobravam o seu preço, pelo apoio que dispensavam aos Portugueses) viveu um período de “renascimento”.
Em 1851 o Marechal Duque de Saldanha estabeleceu uma nova era política em Portugal, através de um golpe de estado que ficou conhecido por Regeneração, o qual tentou recuperar Portugal do atraso económico e tecnológico em que estava afundado. E foi razoavelmente bem-sucedido, nas áreas dos transportes, da exploração agrícola e da indústria.
O problema do atraso de Portugal foi sempre um problema de posição geográfica e de sobrevivência. Durante longos anos, e muito frequentemente, teve de defender o seu território das investidas da vizinha Espanha. Ora, as guerras não se fazem sem armas, sem exércitos, e para tal é preciso um fundo de maneio. E quando um povo é pequeno e com poucos recursos, a prioridade vai para a sobrevivência e como se defender dos invasores. A cultura, a ciência, as artes têm de aguardar melhores oportunidades. Contudo, ainda assim, os Portugueses são grandes na Literatura, na Poesia, na Engenharia, nos inventos. E também na Arte, basta dar uma vista de olhos pelos «Tesouros Artísticos de Portugal», livro coordenado e orientado pelo Dr. José António Ferreira de Almeida, professor catedrático de História de Arte. Aí vemos toda a riqueza artística de um Portugal, que, nesta matéria, não fica abaixo de nenhum outro país, considerado “grande”, “civilizado”, evoluído”.
A fonte Lilia Schwarcz, citada no «1808», diz a determinada altura: «Portugal contentava-se em sugar as suas colónias de maneira bastante parasitária». E a Inglaterra? E a França? E a Espanha? E a Holanda? Não “sugavam” as suas colónias de modo parasitário? Faça-se um périplo pelas ex-colónias desses países e veja-se o que foram enquanto colónias, e o que são hoje, como países livres. Sobre isto não será necessário dizer muito mais, uma vez que as evidências falam por si.
No entanto, também é necessário sublinhar que as colónias eram território dos colonizadores. Não eram dos povos nativos. É errado? É. Mas assim era, naquela época.
Mais adiante lemos que o nosso rei Dom José I, pai de Dona Maria I, foi um rei fraco, no entanto seria preciso explicar a origem dessa fraqueza. Ele era tão fraco como alguns reis Ingleses, Franceses, Espanhóis. O famoso rei Henrique VIII (que ainda era mais obeso do que Dom João VI) tinha, em escala muito maior, a mesma fraqueza de Dom José I – ambos não podiam ver umas saias. A filha deste, Dona Maria I, era tão beata como tantas outras rainhas e princesas da época. Da maneira como os factos são apresentados no livro «1808», quem não conhece nada de História Mundial fica com a sensação de que apenas os portugueses eram uns fracos, uns ignorantes, uns ociosos, uns aproveitadores, uns misseiros, uns papa-hóstias. E isso é injusto, embora admita que em meados do século XIX, Portugal ainda era muito conservador, em relação aos outros países da Europa. Mas não nos esqueçamos das barreiras físicas e da necessidade de sobrevivência e de nos defendermos da poderosa Espanha.
Em Portugal havia muitas igrejas e mosteiros? Claramente. Mas é preciso que se tenha em conta o seguinte: Portugal, nos tempos da sua fundação, era uma terra por desbravar. Então, Dom Afonso Henriques, nosso primeiro Rei (1128-1185) entendeu, e muito bem, entregar terras aos monges brancos – que entretanto andavam pela Europa a espalhar cultura e espiritualidade – para que as desbravassem, cultivassem, colonizassem e nelas construíssem os seus mosteiros.
«Fixada em Portugal desde o século XII, a Ordem de Cister acompanhou a formação do território e a afirmação política da primeira dinastia. Estendendo progressivamente os seus mosteiros nas regiões centro e norte graças à especial protecção régia, os monges brancos contribuíram de forma decisiva para a colonização e desenvolvimento das vastas áreas que ocuparam, aplicando técnicas agrícolas inovadoras e intensivas e, sobretudo, uma grande disciplina de organização do espaço. Os conjuntos monásticos, que seguiam métodos de implantação e distribuição espacial muito semelhantes, revelam também partidos arquitectónicos e construtivos afins, o que lhes confere um inegável ar de família. Muitos deles conservam, ainda hoje, importantes espólios artísticos que incluem azulejaria e pintura, talha dourada, ourivesaria, escultura e outros testemunhos da evolução da arte portuguesa ao longo dos últimos séculos. É, no entanto, a privilegiada relação com a paisagem que os torna, aos nossos olhos, singulares. Se os mosteiros de Cister conseguiram transformar as envolventes, mercê do desbravamento de terras e da planificação de engenhosos sistemas hidráulicos, com encanamento e encaminhamento de caudais, construção de enormes condutas subterrâneas ou regularização das margens de rios e ribeiras, eles fazem actualmente parte integrante de unidades paisagísticas mais vastas, às quais dão um valor acrescido que importa preservar e valorizar». (Fonte do Instituto Português do Património Arquitectónico – IPPAR).
A esta vertente prática, juntou-se evidentemente o aspecto espiritual, que entre os Cistercienses era (e ainda é) vivido de um modo intenso.
Outras Ordens (religiosas e militares) foram-se implantando, e todas elas, umas mais do que outras, tornaram-se importantes para o desenvolvimento de Portugal. É evidente que nem tudo foi bom. A Igreja Católica ultrapassou os limites da sua missão evangelizadora. O tempo da implantação do Tribunal da Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício, instituição criada em 1231 pelo Papa Gregório IX (e não pelos Portugueses) e todas as nefastas consequências que daí advieram, não é tempo de boa memória. Contudo, essa não foi uma exclusividade portuguesa. Na Espanha, na Itália, na França (veja-se a conhecida história de Joana d’Arc), a Inquisição deixou marcas profundíssimas de grande violência e crueldade. Em 1834, a implementação do Liberalismo em Portugal determinou a expulsão das ordens religiosas e consequente confiscação dos seus bens e propriedades. Entretanto, para trás, ficaram uma infinidade de mosteiros e igrejas, que hoje fazem parte do rico património português (evidentemente os que não estão em ruínas), e um razoável legado religioso e espiritual.
Sim, temos Nossa Senhora de Fátima. Mas os Franceses têm Nossa Senhora de Lourdes e Santa Joana d’Arc; Itália, Santa Catarina de Sena; o Brasil, Nossa Senhora Aparecida; Espanha, Nossa Senhora do Pilar; a América Latina, Nossa Senhora de Guadalupe, enfim, cada país com os seus Santos e devoções.
Os excessos da Igreja Católica deixaram marcas negras em Portugal, como no resto do mundo, mas se não fosse a Igreja Católica, a Cultura europeia, hoje, não seria o que é, uma vez que foram os padres, os homens mais cultos da Idade Média, que preservaram a cultura greco-romana, através do ensino e da cópia de manuscritos (o monge copista chegou a ser um cargo importante dentro dos mosteiros) num tempo anterior a Gutenberg, que teria nascido por volta da década de 1390, e morreu a 3 de Fevereiro de 1468.
Nem tudo foi bom. Não! Mas o que foi bom permaneceu até aos dias de hoje. E o que foi mau, não foi esquecido, e esperamos que não volte a acontecer. Estar alerta, é outra das funções da História.
© Isabel A. Ferreira
(Continua)
(I Parte)
http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/dom-joao-vi-como-um-principe-valente-485068
(III Parte)
http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/contestacao-ao-livro-1808-de-laurentino-487321
(IV Parte)
http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/dom-joao-vi-como-um-principe-valente-489691