Requiem por uma vida interrompida…
Aquela Mãe abriu uma cova com as próprias mãos, para que o seu filho, que jazia no frio chão da casa, destruída por um inusitado bombardeamento, pudesse ter um lugar para se esconder da crueldade da besta humana…
De súbito, do céu veio um raio mortífero, seguido de uma luz inebriante, que escureceu ainda mais a noite que os envolvia…
Aquela Mãe viu tudo com os seus próprios olhos, marejados de lágrimas. Viu o sangue, que escorria do frágil corpo do seu filho (era apenas um inocente menino…), a tingir as vestes brancas dos anjos, que então vieram resgatar a sua alma…
No chão, jazia apenas o corpo morto da criança, que ela não pudera salvar dos estilhaços, que lhe rasgaram as carnes, ainda tão tenras…
Ouviu-se então um grito, saído das profundezas de uma dor imensa, que ecoou na noite, mais troante do que o ribombar dos mísseis que destruíam a aldeia, e, no entanto, esse grito não foi suficiente para comover os céus…
O menino morreu nos braços que sempre o aconchegaram desde que nasceu…
Ah! tanta ternura, tantos sonhos, tanta vida por viver, e tudo acabou ali, com um débil gemido, sufocado pelo sangue que brotava do seu peito perfurado por um estilhaço…
Aquela Mãe abrira uma cova com as próprias mãos…
Envolveu o corpo do seu filho numa toalha, que bordou com girassóis, e embalou-o suavemente, como se ele estivesse apenas adormecido. E ali ficou um tempo que não soube contar…
O Sol já ia alto.
Lá longe, os tenebrosos sons da guerra faziam tremer as flores do pequeno jardim atrás da casa, onde aquela Mãe abrira uma cova com as próprias mãos…
A dor era tanta que as suas lágrimas acabaram por secar...
O corpo gélido do seu filho, encostado ao seu, entregara-lhe a finitude do ser…
Aproximava-se a hora nona, a hora em que, há 2022 anos, Jesus Cristo morrera pregado numa Cruz, e aquela Mãe sentiu, então, que era chegado o momento de entregar o corpo do seu menino à terra…
E com o coração despedaçado, amaldiçoando os cruéis senhores da guerra, desceu à cova que abrira com as próprias mãos, e brandamente, com medo de o acordar, pousou o corpo do seu filho no chão húmido, daquela que seria a sua última morada, e começou a enterrá-lo, palmo a palmo, sob a terra, até que a noite veio novamente, e uma escuridão profunda envolveu o jardim, e os sons tenebrosos da guerra deram lugar a um estranho silêncio…
© Isabel A. Ferreira (Maio de 2022)