Um belo texto sobre a miséria da condição animal.
Para reflectir…
Um texto de "QUEBRA DO SILÊNCIO"
Perdido. Talvez seja essa a melhor definição para o estado actual dele. Desconhece como chegou àquele antro de tristeza cinzenta. Desconhece se é dia ou de noite: a pequena luz que ilumina o espaço não calendariza o tempo. Só o desprezo pela sua existência grita na intermitência daquela parca luz.
Se tem um nome, não o sabe. Se tem pai ou mãe é algo que também não deve passar-lhe pela cabeça. Ou se calhar passa-lhe, sabe-se lá. É complicado compreender um bicho; torna-se mais fácil desapropriá-lo, na nossa mente, de quaisquer emoções que ele possa sentir. Deste modo o desapego e a despreocupação tornam-se mais fáceis para o nosso coração.
Os seus olhos não discernem o quanto ele já cresceu e o quanto ele é renegado pelo mundo lá fora. Melhor assim, talvez. Melhor ignorar que do outro lado da parede ninguém se questiona sobre ele.
Se ele está bem.
Se ele precisa de alguém.
Se ele precisa de ser retirado daquele abraço gélido e sentir o cheiro da liberdade e o calor do amor puro. Embrulhar-se na erva fresca e respirar o sol.
Ninguém questiona.
E ele não sabe que ninguém questiona.
Melhor assim. Talvez.
Os seus olhos somente vislumbram os seus companheiros, igualmente encafuados em jaulas como a dele. O toque do metal é medúsico, ao ponto de trespassar a pele e petrificar os ossos. A fadiga emocional agita-os, tornando o choro e o lamento num silêncio ensurdecedor. Uma vez por outra aparecem os homens para deixar-lhes alimento, mas nem o mínimo gesto de carinho têm para com eles. Nem a mais pequena atenção. Simplesmente atiram com a comida aleatoriamente e nem nos olhos os encaram. São só bichos. Desconsiderá-los é a máxima consideração que têm por eles.
Uma vez por outra, também, repara que os mesmos homens retiram alguns dos bichos das suas jaulas e levam-nos pelo corredor a uma outra sala, para depois regressarem sem eles. É uma estranheza que lhe arrepia a pele e eriça-lhe o pêlo: uma incógnita que fica por desvendar eternamente e que o perturba.
Ele repara que aqueles que se encontram mais tempo naquela sala é que são os escolhidos para caminharem pelo corredor até serem engolidos pelo desconhecido. Provavelmente alguém veio buscá-los para oferecer-lhes a oportunidade que merecem: a liberdade, que é tão arbitrariamente pintada nas suas expectativas de bicho. A vontade de sentir o sereno Zéfiro que não entra naquele Hades sufocante e tenebroso. E a espera, a tremenda espera sem saber o seu destino. É uma ânsia que o mutila.
Como se disse, ele desconhece se é de dia ou de noite. Conceitos temporais como dias, semanas, meses ou anos não existem para ele.
Mas existem para nós.
Passam, portanto, cerca de quatro meses. A rotina é, finalmente, quebrada: um homem retira-o do seu pequeno espaço e leva-o pelo tal corredor misterioso. Os tons neutros do chão inquietam-no, deixando-o num pânico descomunal. Algo não está certo e ele sente-o. Sente que, afinal, se sair daquela ala, não será a liberdade a recebê-lo de braços abertos: se o fosse, não ouviria o berreiro infernal que se aproxima cada vez mais, num ritmo aterrorizante e descompassado.
Ele tenta soltar-se das amarras que lhe foram colocadas, mas em vão. As mãos que só olham para ele como uma coisa, e não como alguém, apertam-lhe a alma e obrigam-no a prosseguir. A agonia que continua a ouvir começa a sussurrar-lhe ao ouvido, dizendo-lhe que não há escapatória possível.
Ninguém quis saber dele. Ninguém se lembrou de pensar nele, mesmo sem saber da sua existência. Ninguém pensou em salvá-lo. Agora, ele encontra-se no mesmo estado em que estava quando chegou à sala, e que o acompanhou durante aquele tempo todo. Perdido.
Assim que ele chega ao outro lado, o seu destino está irreversivelmente registado. As suas súplicas chorosas ecoam pelo ar até um único golpe silenciá-lo definitivamente. Aos poucos, numa convulsão abismal, a sua vida abandona o corpo. Os seus pequenos olhos fecham-se, derramando a última lágrima que é olvidada por aqueles que o arrastaram até à morte. A compaixão, aqui, é proibida: se ninguém se deu ao trabalho de pensar nele, muito menos aqueles homens têm de fazê-lo. Afinal, é apenas um bicho.
Apenas uma sombra.
Apenas um porco
um bezerro
uma raposa
um cão.
Não importa o animal que pensou. Importa o sofrimento causado.
Na verdade, este texto retrata, de um modo muito amplo e suavizado, aquilo que os porcos passam na indústria pecuária: no entanto, também serve para retratar o que acontece com outros animais explorados no mesmo sector, com os animais que são aprisionados em fazendas de produção de peles e com os animais que foram abandonados e/ou atirados para os canis.
Todos os dias, a cada segundo, milhares de animais morrem porque ainda há quem os coma, quem os vista e quem os veja como lixo urbano. E, com isto, não estou a contabilizar os animais marinhos utilizados para propósitos alimentares e os que são alvo de experiências e de entretenimento.
Todos os dias, diversas almas somem dos seus corpos porque tiveram a triste sina de nascerem como animais não-humanos. A cada piscar de olhos (e só tendo em conta a indústria da carne, do leite e dos ovos) setecentas e trinta e seis vidas foram ceifadas. Cada um de nós pode fazer a sua parte ao abraçar uma filosofia de vida não-violenta.
Ao rejeitar a exploração, a tortura e a morte.
Ao rejeitar que os animais são coisas.
Cada um de nós é uma esperança para esses animais.
Essa esperança só precisa de ser despertada.
Desperte. Viva e deixe viver.
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