Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
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Tudo começou naquele dia em que Pepino despertou para o mundo, enquanto observava alguns meninos que, mais além, brincavam, corriam, saltavam, riam. Como eram felizes! Estavam no recreio da escola. Tinham amigos e, com certeza, uma família.
Sentado à soleira da porta do seu barraco, Pepino interrogava-se:
— Porquê será diferente comigo? Não tenho com quem brincar. Ninguém me leva à escola. O que estará errado em mim?
Depois de muito reflectir, Pepino chegou à conclusão de que talvez não fosse tão bonito como os outros meninos, nem tão esperto, nem tão inteligente, por isso, era ignorado. E ignorante. Pensava ele.
Contudo, não me parece que Pepino seja ignorante. Ele apenas não sabe das coisas. E se não vai à escola, como pode aprender? Seria necessário resolver este seu problema. É então que Mindinho surge na sua vida, de uma forma inesperada, que não estou autorizada a contar.
Mindinho sorriu-lhe, e Pepino garantiu-me que esse foi o primeiro sorriso da sua vida. Que sensação maravilhosa! Um sorriso só para ele!
Pepino tinha agora um amigo, assim já podia, pelo menos, conversar. E não havia tempo a perder. Aproveitando a circunstância de não estar mais só, Pepino abriu as portas do seu limitado mundo, até então fechadas, e saiu a correr por aí, de mãos dadas com Mindinho, e correram, correram durante um tempo sem tempo, até chegar a um lugar muito bonito, cheio de árvores, montes, prados e vales. Cansados de tanto correr, resolveram sentar-se no cimo de um pequeno outeiro.
— Que lugar estranho este! Tão silencioso! Tão misterioso! – observou Pepino.
— Não, Pepino. Não há mistério nenhum. É um lugar como tantos outros. Tu é que estás habituado a ficar sentado à soleira da porta do teu barraco, a ver o mundo passar e não te dás conta da existência de outros lugares. Para ti, o mundo é a tua rua e o pouco que vês diante dela… – disse Mindinho.
Rua? Na verdade Pepino não morava bem numa rua. Não havia mais casas, além do seu barraco, noutra altura um casebre, o único que, há uns dois Invernos atrás, resistiu a um temporal diluviano, quase de fim-de-mundo.
O restante casario transformou-se em ruínas, e a vizinhança procurou outras paragens, ali ficando apenas Pepino e a sua mãe, que trabalhava como mulher-a-dias, nas casas das senhoras da cidade. E quase não a via, apenas já muito à noitinha, quando ela chegava com um saco de plástico, onde trazia comida. Vinha sempre cansada. Era mulher de poucas falas. Raramente respondia às perguntas de Pepino. Este sabia que o pai estava preso há uns três anos, por causa de ter roubado um... Pepino já nem se lembrava o quê. E da sua vida nada mais sabia.
Eram muito pobres. Não tinham água, nem electricidade, e Pepino nem sabia que havia televisão ou computadores. O seu mundo limitava-se à soleira da porta do seu barraco, a ver os meninos a brincarem no recreio de uma escola, que existia mais adiante, e além, do outro lado da colina, Pepino observava a cidade das mil luzinhas, onde nunca tinha estado. Imaginava-a apenas, por entre o casario que via ao longe, e à noite, através das tais mil luzinhas. Seriam mais. Mas Pepino não sabia contar. Olhava para elas e acreditava que havia dois céus: um lá em cima, coberto de estrelas, e outro cá em baixo, cheio de luzinhas.
Ah! Como é bom ter um amigo! Era mesmo alguém como Mindinho que Pepino esperava encontrar um dia na sua vida.
Naquela manhã:
— Ora, não vais passar o teu tempo a elogiar-me, pois não Pepino? Tenho uma ideia. Uma vez que existo, vou mostrar-te o mundo para além da tua rua. Farei nascer asas no teu pensamento e elas levar-te-ão longe... muito longe... até ao limite do desconhecido... Mas... o que tens tu? Não ficaste contente com a minha ideia!
— Não é isso, Mindinho. Fiquei muito contente. Mas sabes, enquanto falavas em levar-me a conhecer o mundo para além da minha rua, eu pensava...
— Pensavas em quê, Pepino?
— A única coisa que quero na vida é ser pastor, nem que seja de uma só ovelha, no meu país. Ah! Se me dessem essa oportunidade! Teria uma ovelha só minha. Seria importante. Compreendes-me?
— Sim, Pepino. Mas as pessoas ainda não descobriram que uma simples ovelha faria de ti um pastor importante, por isso, terás de esperar. Entretanto, precisas de conhecer o mundo. Depois disso, voltaremos a este lugar e então talvez possas ter a ovelha que tanto anseias, se não mudares de ideia.
E foi assim que a história fantástica de Pepino começou.
Do alto daquele monte, levando consigo o sonho de um dia a ele voltar para ser pastor, Pepino partiu na companhia de Mindinho, em busca de um universo desconhecido. Afinal, tinham o dia inteiro para isso. A mãe só regressaria à noite, e eles estariam de volta antes do anoitecer.
Partiram, encavalitados numa nuvem que por ali passava, a qual os acompanhou sempre, nas muitas viagens que fizeram.
in A História Fantástica de Pepino
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