(Touro, marcado, no pasto, aguardando o sacrifício...)
EM NOME DA CULTURA, DA CIVILIZAÇÃO E DA ÉTICA ANIMAL
Exmo. Sr. Presidente da República Portuguesa,
Professor Aníbal Cavaco Silva:
Com todo o respeito que devo ao meu País e aos símbolos que o representam, incluindo o Presidente da República, sinto-me obrigada a gritar a minha indignação nestas linhas, que dirijo a V. Exa., porque não quero, porque não posso ser cúmplice dos descalabros que o colocam no rol dos países menos civilizados e menos cultos, mas também porque não quero que no futuro, os meus netos digam que a Avó nada fez para mudar uma fragmento que seja, desses descalabros.
Começarei por evocar o pensamento de quatro grandes Homens, que admiro:
«O animal é tão ou mais sábio do que o homem: conhece a medida da sua necessidade, enquanto o homem a ignora.» (Demócrito)
«A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo como os seus animais são tratados.» (Mahatma Gandhi)
«Jamais creia que os animais sofrem menos do que os humanos. A dor é a mesma para eles e para nós. Talvez pior, pois eles não podem ajudar a si mesmos.» (Dr. Louis J. Camuti - Veterinário da Cidade de Nova Iorque)
«Os animais dividem connosco o privilégio de terem uma alma.» (Pitágoras)
Estes quatro pensamentos resumem aquilo que sinto, aquilo que penso, aquilo que pretendo dizer.
Com certeza o Senhor Presidente pensará que é o representante de um País que prima pela sua Cultura Culta, pela sua Civilização, pela sua Humanidade, pelos seus valores Éticos. Mas está enganado. Não é verdade.
Em Portugal, os governantes, desde os que ocupam os mais altos cargos aos que estão nos mais baixos, promovem a mediocridade, são submissos a um sistema caduco que ainda utiliza leis caducas, e são principalmente cúmplices dos actos mais primitivos e aberrantes que existem numa sociedade que se quer moderna e adequada ao século XXI, depois de Cristo.
Refiro-me, como já entendeu V. Exa., aos Massacres de Touros, prática primitiva ainda existente em Portugal. Uma nódoa negra, bem negra, na nossa sociedade, que ainda não evoluiu o que devia evoluir.
Segundo um estudo de John Webster, Veterinário Catedrático da Universidade de Bristol, «o touro é um mamífero capaz de sentir emoções fortes como dor, medo e até ansiedade. Possui um sistema límbico, um sistema nervoso complexo e terminações nervosas superficiais que lhe permitem sentir dor e sofrer. É um herbívoro territorial, e como tal apenas se defende quando é atacado ou quando o seu espaço é invadido. Os touros têm a capacidade de experimentar prazer e sentem-se motivados a procurá-lo. Basta ver como procuram e apreciam o prazer de viver em manada ou de estarem deitados com as cabeças levantadas na direcção do Sol».
Só não sabe isto quem é ignorante. Não lê. Não se informa.
As sociedades e as mentalidades tendem a evoluir. Mas não em Portugal. Se não vejamos:
Em 1838, no Reinado de D. Maria II, Passos Manuel, então Ministro do Reino, promulgou um Decreto proibindo as touradas em todo o país (Diário do Governo nº 229, de 1836), e que dizia o seguinte: «Considerando que as corridas de touros são um divertimento bárbaro e impróprio de Nações civilizadas, bem assim que semelhantes espectáculos servem unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade, e desejando eu remover todas as causas que possam impedir ou retardar o aperfeiçoamento moral da Nação Portuguesa, hei por bem decretar que de hora em diante fiquem proibidas em todo o Reino as corridas de touros.»
Veja V. Exa. a visão que este homem tinha no que respeita à preservação do aperfeiçoamento moral da Nação Portuguesa, considerando (e muito acertadamente) as corridas de Touros um divertimento bárbaro e impróprio de Nações civilizadas.
Portugal, no tempo da Monarquia, elevou Portugal ao “pódio” de uma Nação respeitada pela sua ousadia e pelas descobertas de novos mundos. E neste pormenor, que de menor nada tem, em relação ao decreto que extinguiu «o divertimento bárbaro» tornou-se grande também.
E o que fizeram os governantes republicanos? Colocaram a Nação no caminho do retrocesso. A chacota da Europa.
E o que fazem os governantes actuais, a esse respeito? NADA. Pois, se os há aficionados. Como poderá Portugal progredir, com mentalidades que ficaram na Idade Média? São cúmplices desse “divertimento bárbaro” que em nada abona a moral e os valores éticos da Nação Portuguesa. São submissos ao lobby tauromáquico, uma minoria que “faz” a cabeça dos que têm o poder de mudar as leis caducas, através das quais o país ainda se rege.
E V. Exa., Senhor Presidente da República Portuguesa, Professor Aníbal Cavaco Silva, com todo o respeito que lhe devo, também é cúmplice deste estado vergonhoso, pois é função do Presidente da República chamar a atenção para tudo o que não dignifica o País. Tem uma palavra a dizer sobre esta questão.
Um Presidente da República não governa, nem participa na elaboração das leis. Mas não se sente V. Exa. envergonhado de representar uma Nação que regrediu no seu “aperfeiçoamento moral”, e não só?
A grandeza de Portugal está em causa pelo modo como trata os seus animais (e não só os Touros). É uma vergonha. É um País que não respeita as leis nem as Declarações dos Direitos que assina.
E porquê, Senhor Presidente? Simples submissão ao lobby da tauromaquia. Uma atitude nada dignificante para os governantes portugueses: serem cúmplices e submissos a uma minoria.
Nem sequer a Igreja Católica Apostólica Romana toma uma posição firme e condizente com a Doutrina Cristã. Outra vergonha, que há-de ser denunciada ao Vaticano. Porquê? Porque por incrível que pareça há padres aficionados.
Contudo, Senhor Presidente, a 1 de Novembro de 1567, o Papa Pio V publicou a bula "De salute gregis dominici", ainda em vigor, que diz o seguinte: «(...) Nós, considerando que estes espectáculos que incluem touros e feras no circo ou na praça pública não têm nada a ver com a piedade e a caridade cristã, e querendo abolir estes vergonhosos e sangrentos espectáculos, não de homens, mas do demónio, e tendo em conta a salvação das almas na medida das nossas possibilidades com a ajuda de Deus, proibimos terminantemente por esta nossa constituição (...) a celebração destes espectáculos (...)»
(in "Bullarum Diplomatum et Privilegiorum Sanctorum Romanorum Pontificum Taurinensis editio", tomo VII, Augustae Taurinorum, 1862, pág. 630-631.)
Uma bula que ainda está em vigor. E o que faz a Igreja Católica? NADA. Ninguém faz nada neste nosso País, para DIGNIFICÁ-LO.
Para terminar, gostaria apenas de transcrever um parágrafo que li num “flyer” de movimentos Anti-Tourada, e que resume aquilo que penso:
«Ao fazer do sofrimento de um animal um meio de diversão, o Ser Humano está a propagar e banalizar a violência gratuita como forma de ser e estar na sociedade. De geração em geração, o sofrimento alheio banaliza-se no inconsciente colectivo. Uma sociedade mais fraterna, justa e pacífica constrói-se em grande medida na abolição de práticas de “divertimento” que se baseiam no abuso de animais, como são as touradas.
Do mesmo modo que actualmente se preserva o lince ibérico e a águia-real, nada nos indica que os touros desapareceriam com o fim das touradas. Os touros poderiam viver livremente em santuários ou em grandes quintas. Mas mesmo que a raça se extinguisse, tal seria preferível ao sofrimento que os animais padecem ao longo da sua vida. O impacto ecológico seria nulo, uma vez que o touro é uma raça domesticada resultante de selecção artificial feita pelo homem».
Eu tenho vergonha das leis portuguesas (não de Portugal, que não tem culpa da pobreza de espírito dos homens que o governam), no que respeita ao respeito que devemos a todos os que connosco partilham o Planeta Terra.
Deixo à consciência do Senhor Professor Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República Portuguesa, esta reflexão, esperando que tome uma atitude firme, para deixar de ser cúmplice e submisso a um “divertimento” que só envergonha o País que V. Exa. representa.
E pior do que isso, para evitar que o nome de V. Exa. fique ligado a esta vergonha, para todo o sempre, nos documentos que farão parte do espólio histórico da Nação Portuguesa.
Respeitosamente,
Isabel A. Ferreira
(Cidadã portuguesa com direito à indignação)
(A lágrima de um Touro. Uma lágrima igual à minha, de um sofrimento que poderia ser o meu...)
http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/38589.html