Eis o magnífico ser, em toda a sua plenitude e dignidade, antes de ir para a arena
Esta será a primeira de algumas Cartas Abertas que tomarei a liberdade, como cidadã que tem o direito à indignação, de dirigir a determinadas entidades, que têm o dever moral de zelar pelo bem-estar de todos os seres, mas não zelam. Estão quietas, no seu canto, porque nada fazem que contribuia para melhorar a sociedade, tornam-se cúmplices da barbárie que reina no nosso País, e fazem dele um País muito abaixo do desejável, na questão da Ética Animal, não só por questões económicas, mas também por uma acentuada ignorância, que é necessário banir.
EM NOME DA CULTURA, DA CIVILIZAÇÃO E DA ÉTICA ANIMAL
Exmo. Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos-Veterinários Portugueses:
Como médico veterinário, ninguém melhor do que V. Exa. saberá sobre o sofrimento e a dor que um animal não-humano sente ao ser barbaramente molestado, ou simplesmente quando fica doente e necessita de cuidados médicos.
Porque sempre convivi com animais, sei do sofrimento deles, quando apanham SIDA, quando têm cancro de mama, quando ficam diabéticos, quando têm problemas renais, quando partem uma perna, quando têm um tumor maligno, quando cegam, quando se intoxicam, enfim, eu sei do sofrimento deles, e não sou médica-veterinária.
V. Exa., tal como eu, sabe perfeitamente que o corpo de um animal não-humano tem as mesmas características do de um animal humano. E um sistema nervoso central. Logo sentem a dor e sofrem tal como nós.
Não é verdade?
Posto isto, e sendo verdade que um animal da envergadura de um Touro, sofre atrocidades antes, durante e depois da “lide”, e tendo em conta que massacrar Touros numa arena é uma prática selvagem e inadequada a um povo que se quer civilizado, pois pressupõe o mais absoluto desprezo pela vida de um ser inocente, que é encurralado, torturado lentamente e morto perante um público insensível, sádico e sórdido, incapaz de ver a cruel e trágica realidade, mascarada de um espectáculo enganosamente alegre, vistoso e colorido, venho sugerir a V. Exa. que tome uma posição pública, perante o Governo Português, como é de sua obrigação, como cidadão e como médico-veterinário, e dê o seu contributo para que se limpe o nosso País desta nódoa negra, que não dá prestígio nem ao País, nem aos veterinários portugueses, que perante a tortura e a crueldade exercida sobre animais sencientes, que sofrem horrores às mãos de cobardes predadores, nada fazem, tornando-se, deste modo, cúmplices dessa crueldade.
Para terminar, Sr. Bastonário, e muito a propósito, deixo-o com a resposta de Voltaire a Descartes, no seu Dicionário Filosófico:
«Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Talvez porque tenho o dom de falar julgas que tenho sentimento, memória, ideias! Pois bem, Calo-me. Vês-me entrar em casa, aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembro tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei sentimentos de aflição e prazer, e que tenho memória e conhecimento? Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o seu dono e procura-o por toda a parte, com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e por fim encontra no gabinete o seu ente querido, a quem manifesta a sua alegria através de latidos, saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para te mostrarem as veias mesentéricas dele. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Reponde-me maquinista, teria a Natureza “encaixado” nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objectivo algum? Terá nervos para ser um animal insensível? Não inquines à Natureza tão impertinente contradição».
O resto, Sr. Bastonário, deixo à consciência de V. Exa..
Respeitosamente,
Isabel A. Ferreira
(Cidadã portuguesa, com direito à indignação, consigndao na Constituição da República Portuguesa)
Eis o que resta do magnífico ser, depois de cobardemente massacrado na arena, por criaturas desumanas, cruéis e insanas.
Ver aqui a Exposição da "arte" tauromáquica