Por sugestão de uma amigo “facebookiano” acabo de ler «Contra Brasil», um livro de Diogo Mainardi.
Eu, que já li quase todos os livros que têm sido publicados ultimamente em que a História de Portugal se mistura com a do Brasil, umas vezes tentando-se confundir os destinos, outras vezes, culpabilizando os Portugueses de os Brasileiros serem como são actualmente, graças a uma colonização desastrosa, enfim... análises nem sempre sérias, nem sempre bem fundamentadas, nem sempre bem intencionadas, li este «Contra Brasil» com curiosidade, devido ao seu autor ser muito polémico quanto às suas “apreciações” em relação ao seu próprio país.
Na verdade «Contra Brasil» impressionou-me pela baixa auto-estima do autor. Porém, não fiquei com a certeza de que a demolição que faz à sociedade brasileira seja fruto de um qualquer preconceito antigo, ou se na realidade o autor pensa que o Brasil actual é mesmo esse gigante defeituoso, fruto da incapacidade das gerações legitimamente brasileiras (e já não ex-colonos) de erguer um país genuíno, à margem da acção colonizadora.
A este propósito, encontrei um artigo escrito por um colunista independente, de nome Júlio Daio Borges (D. J. Borges), que passo a transcrever, onde se fala do livro, e se faz uma apreciação de brasileiro para brasileiro.
Como achei interessante, aqui vai:
«Diogo Mainardi em «Contra o Brasil» e os Brasileiros
"O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: — não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima."
(Nélson Falcão Rodrigues, jornalista, dramaturgo e escritor)
Diogo Mainardi, nosso infatigável demolidor de lendas e mitos pátrios, volta à carga com sua realização mais ambiciosa: "Contra o Brasil" — livro em que pretende por abaixo toda e qualquer veleidade brasilianista, reduzindo a pó a nossa própria imagem.
Em seu empreendimento aniquilador, de dimensões titânicas, o autor não poupa nada nem ninguém — atacando toda e qualquer referência minimamente positiva à Terra Brasilis.
Mainardi nos conta, desta vez, a história de desventuras de Pimenta Bueno, um anti-nacionalista crônico que, refugiado nas selvas do Mato Grosso, resolve seguir a rota etnológica do triste tropicalista Claude Lévi-Strauss.
A partir daí faz-se o contraponto que permeia toda a obra: um paralelo entre a narrativa aventurosa de Pimenta Bueno e a sequência de acasos trôpegos que caracterizam as páginas da nossa imodesta cronologia de glórias.
Ou seja: para cada iniciativa fracassada de Pimenta Bueno, há um episódio correspondente e igualmente lamentável da nossa História; para cada dissabor da personagem, há um desgosto equivalente — vivido aqui por algum estrangeiro renomado; para cada conclusão negativa a que chega Bueno, existe uma citação depreciativa, de um luminar da cultura universal, acerca do Brasil, dos brasileiros e da brasilidade.
Mainardi faz, assim, a condenação e a execução sumárias de uma nação que, no seu entender, nunca foi, nunca será e nem nunca jamais deveria ter sido. Pois, como afirma, "o Brasil é fruto de um erro de cálculo." E não poupa esforços para levar adiante sua proposta anticívica; sucumbindo, inclusive, a achaques doentios de anti-ufanismo, tais como: "Peri representa tudo o que eu mais detesto: o orgulho tribal; a apologia da raça; o culto da família; o apego pela própria terra; o amor incondicional; o fanatismo dos bons sentimentos; a afirmação da identidade nacional."
Reconhece, outrossim, na defesa de sua causa, a cegueira e a incoerência inevitáveis: "Se é para renegar a minha pátria, permito-me as mais disparatadas contradições."
Ainda que quixotesco no varejo, o projeto de Diogo Mainardi mostra-se válido no atacado. Ainda que sofra de sanha brasilofóbica, gastando latim com comezinhos detalhes, Mainardi cunha novas e velhas verdades sobre a nossa nacional identidade.
Reino da Impunidade
"Significa então que assassinei barbaramente um bando de miseráveis e ainda saí lucrando? O Brasil é o reino da impunidade!" (Pimenta Bueno)
Quem duvida que, no Brasil, a Justiça tarda e falha? Quem, dentre os brasileiros, contesta a necessidade de uma imperiosa reforma no Judiciário?
E o que foi feito de Collorgate, Magrigate, Zéliagate, PCFariasgate, TAMgate, Osascogate, Nayagate, Malufgate, Lulagate e BispoMacedogate? Alguém soube de algum encarceramento, ou de alguma pena cumprida por conta desses incidentes manifestamente condenáveis?
Inata Covardia
Talvez pior do que a iniquidade nos tribunais seja a parcimônia com que o brasileiro médio, pequeno ou grande encara esses casos — em que evidências tão gritantes levaram criminosos-malfeitores-facínoras à absolvição quase total.
Condenamos aqueles que nos governam a, no máximo, um linchamento moral na mídia; seguido de momentâneo obscurantismo; sem, no entanto, alterar-lhes a pujança e a safadagem.
"Alguém já ouviu falar do levante dos escravos haitianos? Em 1828, o naturalista francês Victor Jacquemont, justamente indignado com o tratamento que os brasileiros reservavam aos negros, prognosticou que uma revolta semelhante ocorreria entre nós. ‘Lá isto é nação! De que serve a liberdade de agir e pensar para os que não pensam nem agem?” Porém Victor Jacquemont estava enganado. Ao contrário do Haiti, no Brasil os levantes sempre fracassam, em virtude da nossa inata covardia e incompetência." (Pimenta Bueno)
Depravados Morais
"Fico contente que isso tenha acontecido na terra dos brasileiros pois não lhes quero bem — uma terra de depravados morais." (Charles Darwin)
E o que dizer da invasão de bundas, de genitálias e de danças as mais chulas e lascívias?
Claro está que nem só de sexo vive o Homem. Todavia, junto com a banalização dos instintos básicos, vem o desrespeito pela pessoa física, pela personalidade e por aquilo que nos distingue dos outros seres: a humanidade.
Hoje o brasileiro tem sua alma escancarada, suas feridas pessoais expostas e remexidas em praça pública, em cadeia nacional, em horário nobre — sob os olhares impassíveis de adultos, jovens, velhos e crianças de colo.
Assim, o que se tem de mais elevado, nobre e belo perde-se na sede pelo entretenimento bizarro, gratuito e imediato. Os poucos altruístas de intenções louváveis e edificantes vêem-se derrotados pela escolha inclemente da audiência ignorante.
"O Brasil é um país em que as melhores idéias prostram-se diante dos mais primários instintos." (Pimenta Bueno)
Gente Miseranda e Bruta
"Caramuru é o maior poema épico brasileiro, de Santa Rita Durão. Conta a história de um dos nossos primeiros povoadores, o português Diogo Álvares Correia, que naufragou na Bahia em 1510, sendo capturado pelos índios canibais, essa ‘gente miseranda e bruta’." (Pimenta Bueno)
Somente a Educação, que implicará num mergulho fundo nas nossas mazelas sociais mais cavas, trará nossa redenção frente a Humanidade. Afinal, como falou o rodriguiano Nélson: — "O homem só se salva quando reconhece a própria hediondez."
Por essas e outras que Diogo Mainardi, pela via oposta à de um Policarpo Quaresma, cumpre esplendidamente bem a parte que lhe cabe.
E nós?»
(Júlio Daio Borges, colunista independente em várias publicações brasileiras)
(Foto do J.D. Borges de Arnaldo Pereira)