Touro Ferido (Internet)
Isto é Arte? É Cultura? É Património? É Festa? Tenham vergonha!
(Para Vasco Graça Moura)
Na última revista “Caras”, nº 772, de 29 de Maio de 2010, foi publicado um artigo sob o título «AFICIONADOS DA FESTA BRAVA REUNIDOS – Admiradores das Touradas defendem tradição no Campo Pequeno».
E lá vem algumas fotografias dos aficionados, dos empresários da tortura, enfim... unidos para apoiar a PRÓTOIRO – Federação Portuguesa das Associações Taurinas, que tem como objectivo principal defender e preservar o PATRIMÓNIO da tauromaquia.
Ora nem mais, vamos propô-lo à UNESCO, como PATRIMÓNIO DA DESUMANIDADE, uma vez que a UNESCO, na sua DECLARAÇÃO, em 1980, a este propósito, diz o seguinte: «A tauromaquia é a terrível e venal arte de tourear e matar animais em público, segundo determinadas regras. Traumatiza as crianças e adultos sensíveis. A tourada agrava o estado dos neuróticos atraídos por estes espectáculos. Desnaturaliza a relação entre o homem e o animal, afronta a moral a educação, a ciência e a cultura».
Não inventei nada.
Depois o cavaleiro João Ribeiro Telles, falou da importância que a PRÓTOIRO tem para DIGNIFICAR e divulgar a tauromaquia. Como se a tortura de um ser vivo possa ter alguma dignificação!
E diz mais o cavaleiro Telles: «É uma obrigação nossa, intervenientes da FESTA, ENGRANDECER esta ARTE e dinamizá-la. Não damos muita importância às vozes contra a tourada, NÃO TÊM um peso grande, e isso ultrapassa-nos. O que queremos é preservar a TRADIÇÃO».
Primeiro: a FESTA. Se formos ao dicionário ver o que significa festa, encontramos, por exemplo, “alegria”.
Sim, a tourada é uma festa de alegria: chega o magnífico Touro à arena, depois um cavaleiro a picar o cavalo, a tal ponto que lhe fere a abdómen, e o sangue começa a escorrer. Depois vem o espetar das bandarilhas, a abrir buracos no dorso do Touro e a fazer escorrer mais sangue. E entre olés e gritaria histérica o Touro vai lutando, como pode, pela sua vida, arfa, espuma, e vem mais outra farpa, e outro buraco nas carnes já feridas, rasgadas, e mais sangue jorra. É na verdade a FESTA dos sádicos.
Quanto à ARTE querem dizer: arte da TORTURA. Lá isso é!
O que pretendem é preservar a TRADIÇÃO dessa TORTURA.
Que tradição? Uma tradição que nem sequer é portuguesa.
Depois vem um depoimento de um dos membros da Associação Portuguesa de Empresários Tauromáquicos, os tais dos negócios, a puxar a brasa para a sardinha deles. Claro!
E a seguir vem um parágrafo que me deixou estupefacta, e que diz o seguinte:
«Apesar de não ser um dos intervenientes directos no espectáculo tauromáquico, Vasco Graça Moura é uma das muitas figuras públicas que apoiam esta causa».
E Vasco Graça Moura profere então esta pérola discursiva: «Há muito tempo que acho que a festa brava deve ser defendida. Cada pessoa é livre de ter a sua opinião, mas para mim o argumento do sofrimento animal não me parece suficiente, porque assim não comeríamos leitão da Bairrada nem frango de aviário... E há outros interesses em jogo, como a importância antropológica, cultural e económica da festa brava. Acho que é um espectáculo bonito, com a coreografia do perigo entre a inteligência e agilidade do homem com a força bruta do animal».
Banzei-me! Para Vasco Graça Moura o argumento do sofrimento do animal é irrelevante, porque assim não comíamos leitão nem frangos.
Eu não acredito que alguém que é (será?) da CULTURA CULTA pudesse dizer tamanha idiotice. Como se o leitão e as galinhas, que ele come, fossem torturados, massacrados, picados com farpas durante duas ou mais horas, até à sangria total, e passados uns dois ou três dias, são mortos.
Disse bem, senhor Graça Moura, há outros interesses em jogo, mas não a importância antropológica (então e o lobo, e o lince, e outras espécies que estão em extinção em Portugal, incomodam-se com isso?); nem cultural, pois quem tem um pingo de inteligência sabe que TORTURA NÃO É CULTURA, em lugar nenhum do mundo civilizado. Fale-me da questão económica, essa sim, com peso, à custa da tortura do Touro. Uma desonra para um país com gente dentro!
O espectáculo é “lindíssimo”, realmente, com todo aquele sangue a escorrer, com o desespero do animal a sair-lhe pelos olhos, a dor muda que ele sente ao ter as suas carnes rasgadas... Espete uma coisa daquelas nos seus costados, senhor Graça Moura e sinta: a dor é IGUAL, pois o Touro é um mamífero superior... igualzinho a si, por dentro, fisicamente, mas muito superior na dignidade dele, como um animal não humano.
É um espectáculo deveras “lindíssimo”... para os sádicos, para os carniceiros!
Bem... não vale a pena falar nisto, pois só assim se exprime quem não tem a mínima noção básica de Zoologia, de Biologia, de Anatomia... enfim... Não sabe nada dos seres vivos, nem de si próprio.
O senhor Graça Moura gosta da coreografia do perigo, que, aliás, é muito parecida com a coreografia do bailado “Lago dos Cisnes”; gosta também da “inteligência” e “agilidade” do homem contra a força bruta do animal.
Que inteligência? Que agilidade? Com farpas na mão? Com espadas na mão? Contra um animal já torturado no curral, sem qualquer força bruta para se defender na arena?
Isso chama-se COBARDIA, da parte do homem, obviamente.
No meio deste Circo Romano, o BRAVO é o Touro.
O artigo acaba dizendo que os aficionados puderam deixar a sua marca numa tela feita para a ocasião por Júlio Pomar. Júlio Pomar!!!
A marca do sadismo.
Cada um é livre de ser sádico.
Já não é livre de usar o seu sadismo para torturar animais. É por isso, que há gente que GRITA por eles, uma vez que não têm voz para se defenderem dos sádicos.
E finalmente, eu sou livre para retirar das minhas estantes os livros de Vasco Graça Moura, que até este momento tinha como um homem inteligente e de Cultura Culta, e agora sei que não é nada disso.
Que desilusão!
Isabel A. Ferreira