A escola, hoje, é um lugar terrível, tanto para alunos, como para professores, como para os pais. Para mim, foi-o igualmente, quando por lá andei.
Eu já fui professora do Ciclo Preparatório (que hoje já não se chama assim), não por vocação, mas porque na altura, ainda Bacharel, não podia fazer o que queria: prospecção arqueológica, até porque não havia nada para fazer nesse campo, num país cheio de ruínas.
Então meti-me no Ensino. Dei aulas apenas dois anos. No primeiro ano, não suportei as campainhas, os horários, o sistema, os programas (de Português e de História). No segundo ano, não admiti a indisciplina que o 25 de Abril deixou entrar nas Escolas.
O Presidente do Conselho Directivo da segunda escola em que dei aulas, confundia Liberdade com Libertinagem (e não foi só naquela escola), de modo que se implantou uma (in)disciplina tal na Escola, que os alunos podiam fazer tudo e mais alguma coisa, dentro das salas de aula, e ai do professor que quisesse manter a disciplina: não podia repreender-se os alunos, não podia marcar-se faltas de castigo, não se podia mandá-los para fora da aula, se estivessem a ser inconvenientes, porque podíamos causar-lhes traumas irreversíveis; eles tinham de sentir-se livres, para poderem crescer em liberdade, enfim, confundindo-se alhos com bugalhos, plantou-se as sementes da indignidade a que hoje se chegou.
Então acontecia que os alunos começaram a chegar à minha aula a mascar chicletes; a colocar os pés em cima das mesas; a jogar à bola... porque o professor X deixava (o professor X era o Presidente do Conselho Directivo). Tive de impor as minhas regras, e fui curta e grossa: «que fizessem o que quisessem nas aulas do professor X, mas nas minhas, nada de chicletes, nada de pés em cima da mesa e nada de bolas. E quem não quisesse obedecer às minhas regras que saísse da sala». Aguardei. Ninguém saiu. Guardaram as bolas. Puseram as chicletes no caixote do lixo, e sentaram-se.
Nesse tempo, eu andava grávida, já quase no fim da gestação, e a uns dois meses do término do ano lectivo, e numa das minhas turmas, havia um rapaz problemático, que não obedeceu a uma ordem minha de se sentar (uma vez que andava de carteira em carteira a perturbar os outros alunos). Em vez de ir sentar-se, aproximou-se de mim e disse: «Dou-te já um pontapé na barriga!». Mantive a calma, para não lhe dar um grande bofetão (como me apetecia) e disse-lhe para se retirar imediatamente da sala. Fez-me frente. Agarrei-lhe numa orelha e levei-o para fora até ao meio do corredor. E não disse nada. O miúdo sai para a área exterior e apedreja a janela da sala de aula, quebrando o vidro, não ferindo ninguém, por um mero acaso.
O estardalhaço chegou aos ouvidos do professor X. O que foi, o que não foi, fui chamada ao gabinete. Porque não podia ser, porque mais isto e mais aquilo... Os meninos não podem ser expulsos da aula.
Então eu disse ao Senhor Presidente da Escola: «O que não pode ser é eu ser ameaçada por um fedelho com treze ou catorze anos, e ficar-me por ali mesmo. E se ele me desse o pontapé na barriga? Não permito que ninguém, muito menos um aluno, me falte ao respeito; não permito indisciplina nas minhas aulas; e se estas minhas simples regras não tiverem lugar nesta escola, faça queixa de mim a quem quiser, ponha-me um processo disciplinar, ou ponha-me na rua, que eu saio imediatamente pela porta da frente, e não volto a entrar; e se tiver de ir lavar retretes para ganhar a vida, prefiro, a continuar num lugar onde não há disciplina nem autoridade – regras de ouro para o bom funcionamento de uma escola e para a boa educação dos alunos».
O Senhor Presidente ficou estupefacto com o meu atrevimento. O mau ambiente instalou-se. Quem é que ela pensa que é? Ouvia-se. Eu era apenas a bacharel rebelde (nesse ano acabava a minha Licenciatura). Contudo, continuei a manter as minhas regras de disciplina com os meus alunos, e não havia lei nenhuma que me obrigasse a aturar catraios indisciplinados. Dentro da sala de aula a lei eu era. Não abdiquei nem um milímetro da regra do respeito mútuo e das benfazejas disciplina e autoridade. Desse modo consegui manter as minhas turmas no bom caminho, e a partir de então não tive qualquer problema. Ao mínimo deslize o aluno ia porta fora, gostasse ou não o Senhor Presidente. Houvesse ou não houvesse leis a dizer o contrário. Nas minhas aulas a AUTORIDADE era EU. Se não fosse para ser eu, não me contratassem para ENSINAR.
O conceito de Ensinar não é apenas “despejar” a matéria para cima dos alunos, como se despeja um copo de água. Por detrás do Ensinar, há muitas outras regras que um Professor tem obrigação de apresentar aos seus alunos.
No final daquele ano lectivo, fui mãe, e decidi abandonar o Ensino, onde não havia lugar para mim, pois estaria sempre à margem das novas “filosofias libertárias” do Ensino, que não se coadunam com a Educação.
Dediquei-me ao Jornalismo de causas. Não consegui mudar nada, até porque um palito não faz uma canoa. Mas o mais importante é não tornarmo-nos cúmplices do desgoverno.
Pelo que se vê, depois desta minha desastrosa passagem pelo Ensino, as coisas foram piorando, cada vez mais.
E hoje, o que é a Escola? Um lugar de medo, onde não existe disciplina, nem autoridade, nem respeito por coisa nenhuma. Alunos atacam alunos. Alunos atacam professores. Professores atacam alunos. Os pais dos alunos atacam os professores. E o que acontece a uns e a outros? Nada.
Muito recentemente o Leandro atirou-se ao rio, por medo. Um professor de Música lançou-se ao Tejo, porque não aguentava as agressões dos alunos. Então onde fica a DISCIPLINA e a AUTORIDADE?
É urgente uma revolução no Ensino.
É urgente uma revolução na Educação.
É urgente uma revolução na Cultura.
É urgente uma Nova Ordem, baseada no respeito mútuo e nos valores humanos mais primários, e num ensinamento, que é a base de todos os ensinamentos: «NÃO FAÇAS AOS OUTROS O QUE NÃO GOSTAS QUE TE FAÇAM A TI».
Havia necessidade de o Leandro atirar-se ao rio?...
Havia necessidade de o professor de Música lançar-se ao Tejo?...