«Pandora», por Jules Joseph Lefebvre, 1882 (colecção privada) – Na mitologia grega Pandora foi a primeira mulher criada por Zeus como punição aos homens pela ousadia do titã Prometeu em roubar aos céus o segredo do Fogo.
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Hoje, dia 8 de Março, por quase todo o mundo se comemora o Dia Internacional da Mulher. Digo “quase” porque em muitas partes do nosso Planeta, os homens andam demasiadamente “entretidos” a guerrear outros homens e não têm tempo para se lembrarem que existem mulheres que choram os filhos mortos por causas estúpidas, por esses mesmos homens provocadas; noutros lados ainda, muitas mulheres morrem de tristeza por não terem com que alimentar os filhos que os homens avidamente as obrigam a ter; outras são mantidas como escravas ou tratadas como objectos e maltratadas por indivíduos que se julgam donos delas. E ainda outras são delapidadas, obrigadas a esconderem-se atrás de panos, viajar nas malas dos táxis, tratadas abaixo da mínima condição humana.
Que motivos há para comemorar? Comemorar o quê? O sofrimento? A discriminação? A escravatura? A emancipação apenas de algumas mulheres?
Estou a lembrar-me, por exemplo, do sofrimento daquelas mães que deram à luz uma linda criança, inocente como todas as crianças, e, pouco a pouco, vêem crescer nela um monstro, um marginal, um ser nocivo à sociedade, que todos desejam ver eliminado, tal como se elimina uma erva daninha ou um indesejável percevejo.
Estou a lembrar-me igualmente daquelas mulheres que ainda são colocadas à margem; aquelas que não caminham lado a lado com o homem, mas seguem atrás dele, submissas como carneiros, e secas (por dentro) como a areia do deserto.
E aquelas outras, autênticas escravas, cuja existência é apenas “servir” o homem ou então... lá vem castigo.
Ao logo da história da Humanidade a condição da mulher variou consoante o maior ou menor grau de civilidade ou mesmo da inteligência do homem. Em algumas culturas, as mulheres conseguiam sobrepor-se e até impor-se, ocupando o lugar que lhe era devido: nem acima, nem abaixo do homem, mas tão-somente lado a lado, em pleno pé de igualdade.
Houve épocas em que a mulher era considerada um ser inferior, sem alma, de pouca inteligência e que existia apenas para procriar e “servir” os homens. Enquanto filhas eram propriedade dos pais (homens); quando casavam passavam a ser propriedade dos maridos que exerciam (uns e outros) sobre elas o poder de vida ou de morte. Aliás ainda hoje tal infâmia acontece em alguns países onde a civilização não chegou.
E no entanto, isto também aconteceu na Grécia antiga, no tempo dos cultos e sábios filósofos, entre aqueles que inventaram a democracia, embora uma democracia assente na escravatura e na marginalidade da mulher.
Se os homens sábios assim se comportavam, como devem comportar-se os ignorantes?
Naquela época, se uma mulher se atrevia a pôr à prova a sua inteligência, logo os homens tratavam de a caluniar, pois incomodava-os o facto de terem de admitir que, afinal, a mulher também tinha massa encefálica.
Enquanto os homens assim pensavam, foram construindo o mundo à medida das suas ambições, da sua ignorância, da sua falta de visão. E quantos crimes, quantas barbaridades, quanta destruição cometeram em nome da sua “racionalidade”, de uma racionalidade que, afinal, servia para os distinguir dos outros animais. E quantos animais são mais racionais do que muitos homens!
A Humanidade foi avançando. O tempo girando. As épocas se sucedendo. Muita ignorância se acumulando, até chegarmos aos dias de hoje.
Aqui e ali as mulheres foram dando o seu grito de liberdade. É claro que algumas exageraram e não souberam tirar partido dessa liberdade, e só se afundaram na lama. E hoje, podem não ser escravas do homem, mas são escravas de si mesmas e do mau uso que fazem da racionalidade que Deus lhe deu.
Hoje confunde-se muito as coisas. A mulher só é igual ao homem (muitas delas são até superiores) na capacidade que têm de construir, lado a lado, um mundo harmonioso para viver.
Em mais nada, porém, ela é igual. E ainda bem!
Se a mulher fosse tal e qual um homem, seria um homem.
Existem homens inteligentes, outros menos inteligentes; há até aqueles que “apanham” das mulheres; há os que aceitam, compreendem e aplaudem a inteligência da companheira; e há os antiquados, os indiferentes, os invejosos.
Há ainda aqueles (talvez a maioria) que apreciam, sim senhor, a inteligência, a libertação, a igualdade de direitos da mulher... dos outros.
Não se julgue que as coisas mudaram muito desde a época dos sábios gregos. Os homens de hoje admiram muito uma mulher inteligente, emancipada, senhora do seu nariz, porém, se ela, por um acaso, o incomoda ou lhe faz sombra, com essa sua inteligência, ele usa o truque dos velhos gregos: há que difamá-la. Há que pisá-la. Há que tentar desmoralizá-la, porque não conseguem aceitar em pleno pé de igualdade, um desafio, uma crítica ou a supremacia.
E se o mundo está no caos em que hoje o vemos, devemo-lo à prepotência e à falta de inteligência dos homens que o governam. Porque no meu entender, a guerra, o banditismo, o terrorismo, a criminalidade, a desordem, os confrontos, os conflitos armados, o fanatismo (de qualquer tipo) a sede de poder e todo o género de crueldade cometida contra o próprio homem, contra o meio ambiente e contra os outros seres vivos é a maior prova da falta de inteligência, da estupidez e da irracionalidade desses homens.
Para mim, qualquer homem ou mulher que enverede ou aceite este tipo de desumanidade é um acéfalo – ou seja, um ser a quem falta o pensamento dirigente.
Embora discorde peremptoriamente do Dia Internacional da Mulher (ou de qualquer outro dia que seja, não me parece que exista o Dia Internacional do Homem), porque penso que todos os dias são dias de todas as coisas, e todos os dias devemos lembrar-nos que existimos num mundo feito de todas as coisas que se comemoram por aí (não sei para quê, talvez por uma questão mercantilista), decidi, abordar o assunto, por vários motivos: primeiro porque se foi um homem que resolveu inventar este dia, perdeu o seu tempo, e gostaria que ele soubesse, que pelo menos eu, sou contra este tipo de humilhação.
EU sou mulher, e todos os dias são meus, são dos outros, são de todas das coisas que me rodeiam. Não quero que sintam a minha existência, apenas no dia 8 de Março. Existo e vivo desde que nasci. Este dia é apenas um dia mais, entre todos os que já vivi e os que espero ainda viver.
Considero inútil, descabido, humilhante, dedicarem um dia à Mulher, para lhe oferecerem uma flor, e logo no dia seguinte, lhe espetarem um punhal.