
(Imagem retirada da Internet)
Copyright © Isabel A. Ferreira 2010
(Foi hoje aprovada, na Assembleia da República Portuguesa, a lei que permite o casamento no Civil entre homossexuais. Eis uma antevisão de um futuro, que pode muito bem estar mais próximo do que pensamos)
Rui e Carlos conheceram-se numa determinada noite, no “Gaybar”, um dos mais badalados da cidade. E o amor aconteceu logo ao primeiro olhar.
Nessa noite, passearam, felizes, com a cumplicidade de uma Lua cheia de luz, pela cidade adormecida.
A paixão foi de tal modo arrebatadora que decidiram juntar os trapinhos, porém, decentemente, para não ficarem “falados” na sociedade.
Procuraram o Padre Arnaldo, muito modernaço, que sim senhor, casá-los-ia, na Igreja de Santo António, como se sabe, um santo casamenteiro.
No dia aprazado, à Igreja, toda enfeitada de açucenas brancas, foram chegando os convidados de um e de outro.
Um pouco mais cedo, como convém, chegou o Rui, no seu smoking preto e flor branca na lapela. Bem penteado. Sapatos de biqueira fina, enfim, um noivo para não se lhe pôr qualquer defeito.
Muito atrasado, como é da praxe, e pelo braço da madrinha Arminda, veio o Carlos, vestido de branco, dos pés ao pescoço, num smoking igualmente muito elegante, e como complemento, trazia um ramo de orquídeas brancas.
Chegados ao altar, ao som da Marcha Nupcial, interpretada por um exímio organista, a madrinha Arminda entrega o noivo ao noivo, fazendo votos para que fossem felizes até à eternidade.
O Padre Arnaldo começou a cerimónia com um curto intróito, fazendo alusão às palavras bíblicas: O homem deixará o pai e a mãe, para se unir ao seu homem, e os dois serão uma só carne.
Seguiu-se a pergunta habitual: É de livre vontade… E os sins foram proferidos sem hesitação. Rui e Carlos trocaram as alianças, deram-se o beijo da consumação do acto, e a terminar a cerimónia, o Padre Arnaldo abençoou-os como é igualmente vulgar: Que Deus vos abençoe e vos conceda os filhos desejados.
Seguiram-se os cumprimentos, as fotos, o banquete, o arremesso do ramo do noivo (quem o apanhou foi o Luís), o baile, e lá mais para o início da madrugada, a lua-de-mel.
Passou-se um ano, passaram-se dois, e algo ensombrava o feliz casamento de Rui e Carlos: o facto de não terem filhos. Foi então que o Carlos, que era Carlos apenas por fora, mas por dentro era Carla, através da inseminação artificial ficou grávido.
Passados nove meses nasce uma linda e meiga menina: a Amélinha, que foi criada com todo o carinho, com todo o amor, com todos os cuidados.
Na altura própria ensinaram-na a falar. E ela chamava papá ao Rui e mamã ao Carlos. Na verdade, eram uma família muito, muito unida e feliz.
Chegado o tempo da escola, Amélinha, lá foi, pela mão da mãe Carlos.
Nesse dia, conheceu os seus novos amiguinhos e amiguinhas, e naquelas conversas de meninos e meninas, perguntaram-se uns aos outros: Como se chama a tua mãe? Como se chama o teu pai? Todos responderam naturalmente: A minha mãe chama-se António e o meu pai Luís; o meu pai chama-se Maria e a minha mãe Ana; a minha mãe é o João e o meu pai o José; o meu pai é a Luísa e a minha mãe a Paula; o meu pai é Joaquina…
Todos responderam com normalidade excepto a Susaninha.
E a Amélinha, menina muito meiga, abeirou-se da Susaninha, e perguntou-lhe: E a tua mamã e o teu papá como se chamam?
E a Susaninha disse, muito baixinho, muito envergonhadinha: A minha mãe chama-se Alice, e o meu pai chama-se Fernando.
Uma mulher e um homem? Que esquisito! Comentaram os outros meninos.
Sim, muito, muito esquisito para todos, excepto para a Amélinha, que aprendera com a mãe Carlos, que o mais importante é o amor. E disse à Susaninha: Não fiques triste! A tua mãe Alice não te ama? O teu pai Fernando não te ama? Susaninha disse que sim. Então? O mais importante é o amor, arrematou a Amélinha.
Nesse dia, as mães dos meninos foram buscá-los à escola.
Amélinha correu, feliz, para os braços de Carlos, sua mãe.
Susaninha correu para a mãe Alice, chorando, muito infeliz.
A mãe perguntou-lhe: O que aconteceu, minha filha? Alguém te tratou mal? E a Susaninha, soluçante, contou à mãe que só ela é que era filha de um homem e de uma mulher, todos os outros meninos, eram filhos ou só de homens ou só de mulheres. A mãe Alice, disse-lhe apenas: Não fiques triste, eu amo-te, o teu pai ama-te, e o mais importante é o amor.
As meninas ficaram amigas. Cresceram e transformaram-se numas belas jovens.
Amélinha apaixonou-se perdidamente por Susaninha, mas Susaninha amava o António (filho da Maria e da Ana), que por sua vez amava o Julião, (filho de João e de José).
A vida separou Amélinha e Susaninha, que seguiram caminhos diferentes. Profissões diferentes. Cidades diferentes.
Nunca mais se viram. Nunca se casaram.
Amélinha sempre fiel ao amor por Susaninha.
Susaninha sempre fiel ao amor por António.
Porém, António casou-se com Julião, e foram muito felizes, apesar de Julião nunca ter podido engravidar.
Coisas que acontecem...!