É preciso acabar com esta cumplicidade de crimes contra a Infância (pedofilia) e contra a Natureza (biocídio)
Por que se “abafou” este caso?
Casa Pia chega à RTP
Autor: Felícia Cabrita
Data: 06.09.2003
Publicação: Jornal EXPRESSO
A REDE de pedofilia da Casa Pia teve, durante décadas, um núcleo activo na RTP. Realizadores, operadores de câmara, locutores e outros profissionais constituíam este núcleo, mantendo contactos sexuais com menores da Casa Pia.
Uma testemunha ouvida pelo EXPRESSO, ex-aluno da Casa Pia e depois funcionário da RTP, diz que encontrou na estação casapianos que o tinham violado nesta instituição, criando-se deste modo laços de dependência.
Aquele núcleo também se dedicava à produção de filmes pornográficos usando os recursos técnicos da RTP. Estas filmagens, que nos anos 70 ganharam características quase industriais, eram feitas por quatro operadores de câmara e dois realizadores, e tinham lugar sobretudo aos fins-de-semana em casas particulares em Cascais, Sintra, Oeiras, Azeitão e Lisboa (no Campo Pequeno, Amoreiras e Bairro Azul).
Com o início das gravações em vídeo, desenvolveu-se fora da RTP uma empresa para reprodução de cassetes para venda no estrangeiro.
Um antigo aluno da Casa Pia, filmado em cenas de sexo no princípio dos anos 80, diz que se cruzava com os operadores dos filmes pornográficos ao vê-los em touradas à antiga portuguesa transmitidas pela RTP, onde alguns casapianos serviam de figurantes trajados como pajens.
Elementos do núcleo pedófilo da RTP estariam relacionados com frequentadores do Parque Eduardo VII, em Lisboa, hoje com relevo na política, advocacia e jornalismo, referidos com alcunhas como «Andorinha», «Diabinho» e «Coxinha».
RTP usada na pedofilia
Uma nova investigação do EXPRESSO indica que a RTP serviu de base, desde os anos 60, a um grupo ligado à rede de pedofilia, que usava os seus meios para fazer filmes e orgias com jovens da Casa Pia.
A RTP alojou ao longo de várias décadas um vasto grupo de elementos pedófilos activos, entre realizadores, operadores de câmara, engenheiros, técnicos de manutenção, supervisores de emissão, locutores e outros quadros - apurou o EXPRESSO junto de diversas fontes envolvidas na rede de tráfico sexual com menores da Casa Pia de Lisboa.
O referido núcleo pedófilo teve as suas raízes na própria origem da RTP, que contou desde a fundação, em 1957, com vários quadros oriundos da Casa Pia, os quais, ao subirem a lugares de responsabilidade dentro da empresa, tinham a capacidade de recrutar como funcionários outros casapianos.
O fenómeno teria a ver com a própria cultura tradicional da Casa Pia, onde, por um lado, sempre funcionou a solidariedade entre alunos e ex-alunos (sobretudo do sexo masculino) e o sentido de protecção recíproca e, por outro, a imposição ritual de práticas sexuais da parte dos mais velhos sobre os mais novos. Um dos ex-casapianos que, nos anos 60, foram recrutados para a RTP e fizeram parte da rede interna de praticantes de sexo com menores explicou esta semana ao EXPRESSO que a violação de caloiros pelos alunos mais velhos era regular no interior da instituição: «A todos aconteceu alguma coisa. Podia não ser uma violação, mas houve sempre qualquer tipo de prática ou contacto sexual, mas ninguém que passou pela Casa Pia nessa época pode dizer que desconhece tal situação».
«Não havia hipótese»
A mesma fonte, hoje com mais de 50 anos, aluno da Casa Pia na década de 60 e depois funcionário da RTP, confirma ter sido também vítima desse circuito: «Tive o azar de passar pelas mãos dos mais velhos, de 15, 16 ou 17 anos. Eles eram os chefes de camarata, cada um com um grupo de miúdos que tinham que lhes obedecer.
Davam o parecer para termos saídas e, por isso, tínhamos a preocupação de lhes agradar. Diziam: 'Cala-te! Depois não sais no fim-de-semana'. Ou: 'À noite ficas aqui'. Era uma espécie de coroa de glória, quando um chefe tinha conseguido dar a volta a todos os miúdos. No dia seguinte, éramos alvo de chacota, pois já não éramos puros, já tínhamos ido ao castigo.
Depois de termos sido possuídos pelos chefes, tínhamos de ir das camaratas para os balneários e aí era o grande regabofe com os mais velhos. Julgo que depois do 25 de Abril as coisas terão melhorado e isto já não será a cem por cento. Mas antes não havia hipótese».
A testemunha relata que foi encontrar na RTP casapianos mais velhos que o tinham violado na instituição (alguns a estudar para acabar os cursos, enquanto trabalhavam em lugares técnicos), assim se reforçando os laços de dependência mútua do núcleo pedófilo da estação. Além do continuado recurso a alunos da Casa Pia para práticas sexuais e de encontros para festas em vivendas e apartamentos particulares, a fonte salienta, na prática de alguns elementos desse grupo, a produção de filmes pornográficos com crianças, aproveitando-se não só dos conhecimentos profissionais adquiridos na RTP como dos próprios recursos técnicos da empresa.
Para as respectivas filmagens - que se terão intensificado nos anos 70, a ponto de ganharem características quase industriais - seria importante o contributo de um núcleo de quatro operadores de câmara da RTP. De forma a poderem garantir a recolha de imagens, que se processavam sobretudo aos fins-de-semana em casas particulares, esses operadores chegavam a trocar com outros os seus turnos de serviço. Também pelo menos dois realizadores terão participado nessas produções «paralelas», tendo a mesma testemunha relatado que um deles, conhecido pela direcção de programas teatrais e operáticos, a chegou a convidar para participar como actor nos filmes pornográficos.
Embora a produção de filmes - de acordo com o referido depoente, que abandonou os quadros da RTP há já alguns anos, embora se mantenha ligado ao sector audiovisual -, se tenha iniciado ainda antes do 25 de Abril, as condições de liberdade instauradas pela revolução terão facilitado a sua intensificação.
Com a adopção das gravações em vídeo, em vez da filmagem em película, ter-se-á desenvolvido, já fora da RTP, uma empresa para reprodução de cassetes de filmes pedófilos para venda no estrangeiro, com instalações iniciais no bairro de Telheiras, mudando-se depois para as Olaias. Relata ainda o ex-funcionário da RTP: «Ao visitar em serviço esta empresa em Telheiras, vi muitos filmes a serem copiados, vi miúdos e miúdas com sete e oito anos a fazerem sexo com adultos. Eram sempre planos aproximados para não se reconhecer o local. Ali faziam-se por dia cerca de mil cópias».
Tendo em conta o valor de um filme destes no mercado clandestino europeu (na Holanda, por exemplo, um DVD de pornografia infantil vende-se hoje por 15 mil euros), terá começado a circular dinheiro com abundância. Os operadores da RTP passaram a exibir um estilo de vida acima dos seus níveis salariais, enquanto o dono da empresa de Telheiras, um ex-electricista que ainda hoje se encontra ligado a negócios de cassetes de vídeo, terá na altura chegado a exibir-se num Ferrari. Mas até as próprias crianças ganhavam muito dinheiro: um ex-aluno da Casa Pia contou que, em finais dos anos 70, recebia, por cada fim-de-semana em que actuava em filmes pedófilos, a quantia de 60 mil escudos (300 euros).
O grupo do Parque
Nos vários testemunhos recolhidos pelo EXPRESSO, são mencionadas casas em Cascais, Sintra, Oeiras, Azeitão, Alcochete e Lisboa (no Campo Pequeno, nas Amoreiras e no Bairro Azul) como locais de rodagem de filmes pornográficos com menores.
Hélder (nome fictício), hoje com quase 40 anos, relata que aos nove anos, em 1975, foi abordado num jardim por um homem que elogiou os seus cabelos louros e se propôs filmá-lo no interior de uma casa do Bairro Azul, a troco de mil escudos. A criança, oriunda de uma família pobre, participaria assim no primeiro de vários filmes, tendo nessa sessão sido acompanhado por mais dois meninos da sua idade e por uma mulher adulta. Por outro lado, um ex-casapiano, agora com 37 anos, refere um palacete em Sintra, guardado por vários cães, onde foi filmado em formato super-8 por um indivíduo inglês, dono de uma agência de viagens ainda existente. A mesma casa é mencionada por outra fonte que também participou em filmes pedófilos.
Um outro antigo aluno da Casa Pia, que foi filmado em cenas de sexo no período de transição para os anos 80, afirma que se cruzava com os operadores dos filmes pornográficos ao vê-los trabalhar para a RTP na transmissão de touradas à antiga portuguesa realizadas no Campo Pequeno, onde alguns casapianos serviam de figurantes (como pagens).
E o ex-funcionário da RTP entrevistado esta semana pelo EXPRESSO afirma que um dos quatro operadores da empresa que faziam filmes com crianças possuía uma prótese numa perna, resultante de um acidente ocorrido numa pista de carros eléctricos que explorara na Feira Popular. Esse indivíduo reformou-se há alguns anos da RTP, tendo, nos últimos meses, deixado de aparecer nos almoços de confraternização que os antigos técnicos da empresa organizam semanalmente.
Este grupo que operava a partir da RTP terá tido cruzamentos com um conjunto de consumidores de sexo com menores que na segunda metade da década de 70 confraternizavam regularmente no alto do Parque Eduardo VII, em Lisboa, conhecido local de recrutamento de jovens prostitutos.
De acordo com o ex-quadro da RTP, do grupo do Parque fariam parte figuras que hoje têm papel de relevo na política, na advocacia, na gestão de empresas públicas e no jornalismo. Um deles, mais tarde um conhecido advogado em Loulé e amigo do embaixador Jorge Ritto (arguido no processo da Casa Pia), chegaria a instalar nesta cidade um irmão de Hélder, então com 11 anos, para manter com ele práticas sexuais. O contacto ter-lhe-ia sido fornecido pelo próprio Hélder, o qual, segundo relatou ao EXPRESSO, levara o irmão para o Algarve depois de ele próprio ter sido instalado aos 12 anos na região por um médico pedófilo do Hospital de S. José, quando este abriu uma série de clínicas no distrito de Faro.
«Andorinha», «Diabinho» e «Coxinha»
Nas sessões de sexo com casapianos realizadas nos anos 80 em vários locais da Grande Lisboa teriam participado, segundo os depoimentos recolhidos pelo EXPRESSO, figuras que viriam a ter destaque na política portuguesa e nos principais partidos. Há abundantes referências a nomes que viriam a ter cargos de responsabilidade tanto no PSD e no PS, assim como a nível autárquico e até governamental.
Algumas dessas figuras eram tratadas pelas crianças através de pseudónimos, como o «Andorinha», o «Diabinho» e o «Coxinha». São também referenciadas casa em Lisboa (uma na Rua Castilho e um edifício na Infante Santo, baptizado de «Treme-treme»).
O grupo casapiano da RTP ter-se-á mantido coeso até muito tarde, tendo alguns dos seus elementos conseguido colocação depois noutros serviços e projectos do Estado.
Fontes:
http://processocarloscruz.com/popup.php?link=RTP
http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=763506